A ANAC indeferiu o requerimento da ANA/Vinci para a viabilidade da construção do aeroporto do Montijo na versão Portela+1, com base na lei que exige o parecer favorável de todas as câmaras envolvidas. As câmaras da Moita e do Seixal deram parecer negativo propondo a localização do campo de tiro de Alcochete e a câmara de Alcochete absteve-se (curiosamente, a distribuição dos seus vereadores é: 3 do PS, 2 do PSD, 2 da CDU).
O XXII governo decidiu alterar a lei para reconhecer apenas o carater não vinculativo dos pareceres municipais e a comunicação social agitou-se um pouco, não muito, com o tema.
Foram repetidas algums ideias, desde a vantagem do aeroporto do Montijo ser pago pela Vinci (500 milhões de euros, a que acrescem 650 milhões para melhorias no aeroporto Humberto Delgado) aos inconvenientes da localização no campo de tiro de Alcochete (já foi escrito que esta estaria a 70 km de Lisboa, o que é verdade se o percurso for pela A13 junto de Canha até à Marateca e depois pela A2 e A12 até Lisboa, mas se formos pelo interior do campo de tiro até ao portão que dá para a estrada N118 de Coruche, e continuarmos por Alcochete e ponte Vasco da Gama, teremos 34 km até à Gare do Oriente).
Mais uma vez se comparou a solução Portela+1 ( 1150 milhões de euros sem contar as acessibilidades de conta do Estado e a indemnização à Força Aérea) com os 7,5 mil milhões pela boca do presidente da ANA para o aeroporto de Alcochete construido de raiz com 2 pistas, a que se adicionaria o custo da travessia ferroviária do Tejo (1500 milhões ) . Acrescentou o senhor presidente da ANA, para comover os ouvintes, que isso corresponderia a 15 hospitais e que a proposta da ANA é a que melhor serve o interesse público, o que na realidade é comovente pela coincidencia entre interesse público e interesse empresarial.
Passa-se assim ao lado da possibilidade de uma primeira fase, que estimo em 2.000 milhões (o grupo de missão para a coordenação da capacidade aeroportuária estimou em 3.600 milhões), e do facto de que a nova travessia do Tejo é necessária por razões de coesão territorial com ou sem aeroporto (será razoável afetar um terço do seu custo ao novo aeroporto, e os outros dois terços ao transporte suburbano, de mercadorias e de alta velocidade para Madrid e para o Porto. Mas , de facto, o grande inconveniente da solução Alcochete é que a Vinci não quer investir nela, mesmo apenas numa primeira fase sem pagar a travessia ferroviária. E é difícil para o país fazer este investimento sem o contributo da Vinci.
Dado que não parece possível demover os comentadores da perspetiva coincidente com a vontade do governo e da Vinci, analisemos as declarações do deputado Gonçalves Pereira que, pelo menos para mim estranhamente, uma vez que costuma estar bem informado, admitiu que o governo terá de pagar uma indemnização à Vinci se desistir do Montijo. no valor dos lucros cessantes, cerca de 10.000 milhões correspondentes a 40 anos vezes 250 milhões que tem sido a média dos lucros anuais nos ultimos anos.
Ora, os mistérios dos meandros jurídicos são insondáveis, mas consideremos o contrato de concessão de dezembro de 2012 com a ANA.
Neste contrato não há uma palavra sobre a solução Portela+1 nem sobre o Montijo. O que havia era a obrigação do concessionário estudar um novo aeroporto com duas pistas e capacidade para 90 movimentos por hora e apresentar um plano de financiamento para o Estado.
A ideia Portela+1 vem a ser proposta por um "grupo de missão" em 2013, seguindo uma sugestão da Associação Comercial do Porto de 2007 (antes do estudo do LNEC de 2008 propondo a localização do CTA) e novamente proposta pelo"estudo" da Roland Berger de 2016.
Em janeiro de 2019 é assinado um acordo entre o XXI governo e a Vinci consagrando a solução Portela+1 com o aeroporto do Montijo como complementar e anunciando que a adenda ao contrato seria assinada com as autorizações ambientais. Com a DIA com parecer favorável condicionado e a oposição de duas câmaras e a abstenção de outra em cinco, não terá sido assinada a adenda (pelo menos, o site da ANAC onde estão o contrato e os anexos é omisso).
Então, se for assim, é aplicável a cláusula 75.2 que diz que não são válidos quaisquer documentos ou acordos fora do clausulado do contrato.
Entre as obrigações contratuais do concessionário estava na cláusula 42.3 o estudo de alternativas ao novo aeroporto que fossem mais eficientes do que as especificações mínimas do anexo 16 e menos onerosas ("e", não "ou"). Recordo que a solução Portela+1 consegue 48+24 movimentos por hora, o que compara com os 90 movimentos por hora do anexo 16.
Mais estipulava o contrato (cl.51.1) que, caso o concessionário não apresentasse a sua proposta (candidatura) ao novo aeroporto com as especificaçóes contratuais o concedente poderia contratar terceiros para prosseguir o estudo do novo aeroporto mesmo sem rescindir o contrato (que aliás abrange a exploração dos outros aeroportos nacionais).
Nestas circunstancias, se não há adenda o contrato de concessão mantem-se em vigor (o que houve no acordo de janeiro de 2019 foi uma intenção que não prevalecerá sobre o contrato), o concessionário ANA estará em incumprimento por ter arranjado uma alternativa menos onerosa mas menos eficiente, pelo que não parece a Vinci ter direito a indemnização por desistencia do Montijo.
Mas diz o deputado Gonçalves Pereira que a clausula 51 diz que , "mesmo que por inviabilidade do Aeroporto do Montijo, a concessionária tem o direito a ser indemnizada, havendo lugar a penalização como se de uma falha do Estado se tratasse".
Reproduzo a clausula 51 com comentários entre parenteses retos e em itálico e negrito:
"51. FRUSTRAÇÃO DO ACORDO PARA O
DESENVOLVIMENTO DO NAL
51.1 - A partir do Termo da Opção [ para o concessionário apresentar proposta para o novo aeroporto com as craterísticas do anexo 16] o Concedente constitui-se
no direito dc celebrar, a qualquer momento, acordos para aumentar a capacidade
aeroportuária na zona de Lisboa (Alternativa do Concedente para o NAL) que
podem incluir a contratação de uma ou mais entidades terceiras para a conceção,
construção, financiamento e exploração da Alternativa do Concedente para o NAL [o que contraria a ideia de que não se poderia contratar ].
A Alternativa do Concedente para o NAL pode ser desenvolvida de acordo com as
especificações que o Concedente repute necessárias [ aqui pode haver dúvidas, por o XXI governo ter aceite a alternativa Montijo, só que foi uma intenção, não uma adenda ou alteração ao contrato, este permanece em vigor com as caraterísticas do anexo 16, i.e 90 movimentos por hora ].
51.2 - Caso o Concedente decida não resolver o presente
Contrato de Concessão, nos termos da Cláusula 51.1 e sem prejuízo do disposto
na Cláusula 51.4, a Concessionária deve continuar a explorar o Aeroporto da
Portela, de acordo com as obrigações previstas na Cláusula 42, até o Concedente
(ou uma entidade terceira adjudicada pelo Concedente) iniciar a exploração da
Alternativa do Concedente para o NAL.[ i.e, mantem-se o contrato em vigor ]
51.3 Caso o Concedente decida não resolver o presente
Contrato de Concessão, nos termos da Cláusula 51. l , o Concedente e a
Concessionária devem envidar os melhores esforços para, nos seis (6) meses
subsequentes à notificação prevista na referida Cláusula 51.1, acordarem uma
Modificação, tendente a:
(a)
(caso não esteja já previsto no
objeto do contrato celebrado com a entidade terceira nos termos do disposto na
Cláusula 51.1), incluir a exploração e gestão futuras da Alternativa do
Concedente para o NAL no objeto do presente Contrato de Concessão [ portanto pela ANA ] ; e /ou
(b)
modificar, de outro modo, o objeto
do presente Contrato de Concessão, designadamente no sentido (i) de incluir ou
excluir a Alternativa do Concedente para o NAL e de (ii) excluir o Aeroporto da
Portela. [ i.e, esta modificação requer o acordo mútuo ]
51.4 Se as Partes não acordarem uma Modificação adequada, no
prazo de seis (6) meses previsto no número anterior, qualquer das Partes pode
emitir uma notificação de resolução do presente Contrato de Concessão, e exceto
no caso dc o Concedente o permitir ou determinar, tal resolução não produz
efeitos antes:
(a)
do início das atividades das linhas
aéreas comerciais na Alternativa do Concedente para o NAL, e
(b)
do encerramento das atividades das
linhas aéreas comerciais no Aeroporto da Portela; ou
(c)
do momento a partir do qual uma nova
entidade concessionária, escolhida pelo Concedente, inicie a exploração da
Concessão. [ i.e , o concessionário fica obrigado a cumprir o contrato até se verificarem as situações referidas que não pressupõem incumprimento do concedente ]
51.5 Se o presente Contrato de Concessão for resolvido nos
termos previstos na presente Cláusula, a Concessionária tem o direito a ser
indemnizada no montante apurado de acordo com o disposto na Cláusula 62.7 (e)
(Indemnização em caso de resolução por Incumprimento do Concedente). [ talvez os termos desta cláusula possam ser suscetíveis de várias interpretações, mas parecerá que o que está escrito é que se o Concedente não cumprir o contrato, a sua resolução implica o pagamento de uma indemnização ao concessionário nas condições da cláusula 62.7 ] "
Transcrevo parte da cláusula 62.7 :
"62.7 Resolução
por Incumprimento do Concedente:
(a)
Constituem Incumprimentos do
Concedente, os seguintes factos e situações:
(i)
o incumprimento grave das obrigações
decorrentes do presente Contrato que afete substancialmente ou impossibilite a
Concessionária de (i) cumprir as principais obrigações emergentes do Contrato
de Concessão ou (ii) gerar receitas durante três (3) meses, sem que tenha
havido lugar ao reequilíbrio económico e financeiro da Concessão, de acordo com
o disposto na Cláusula 25.3; e
(ii) o
exercício ilícito dos poderes de autoridade do Concedente quando torne
contrária à boa fé a exigência do cumprimento da obrigação de prestar
Atividades e Serviços Aeroportuários.
[ Não parece que o Concedente, ao lançar um concurso para avaliação ambiental estratégica comparativa com outras localizaçoes esteja a impedir o cumprimento das obrigações do Concessionário ou a privá-lo de receitas por 3 meses. ]
(b)
A Concessionária só tem o direito a
resolver o presente Contrato de Concessão quando tal não implique grave
prejuízo para o interesse público, ou caso implique tal prejuízo, quando a
manutenção do presente Contrato de Concessão se revele excessivamente onerosa
para a Concessionária. "
Observe-se ainda que, considerando a situação económica do país, não parece razoável o governo rescindir o contrato nem tomar a iniciativa de promover a construção, mesmo faseada, de um novo aeroporto sem a concordancia da Vinci . Sendo esta a pagar e não propondo um plano de financiamento conforme o contrato, terá de se procurar um acordo ou simplesmente desistir de novo aeroporto em troca da construção do taxiway a norte-nascente da pista 21 e deslocação do aeródromo do Figo Maduro, permitindo 48 movimento por hora e cerca de 40 milhões de passageiros por ano com um novo sistema de controle ( cerca de 25 milhões de euros).
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