quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Comparando a linha circular de Lisboa com a de Madrid

 

Em recente transmissão pela SIC Notícias duma reportagem sobre o andamento das obras do  metro, realizada em dezembro de 2021 mas transmitida dep is das eleições de 30 de janeiro de 2022, o sr professor Alvaro Costa, que se sabe agora foi consultor para a elaboração do mapa de 2009 do MOPTC para a expansão do metro, vincou bem como fundamento da linha circular a possibilidade de uma frequência elevada (pequeno intervalo entre comboios) enquanto no troço Campo Grande-Odivelas a frequência é menor (maior intervalo entre comboios). Esta diferença justifica-se por diferentes níveis de procura, devido aos movimentos pendulares no troço C.Grande-Odivelas com rarefação fora das horas de ponta. Com base neste argumento, seria preferível a linha circular mais a linha tangencial Odivelas-Telheiras, à linha em laço Odivelas-C.Grande-Rato-C.Sodré-Alvalade-C.Grande-Telheiras.

Tem o sr professor razão neste aspeto, a separação da linha Odivelas-Telheiras tangencial relativamente à linha circular permite ter um intervalo de 2,5 minutos na zona circular e de 5 minutos na linha OD-TE com menos comboios  (6 na linha OD-TE e 31 na circular, incluindo reservas) do que na linha em laço com intervalo uniforme de 2,5 minutos (total de 43).

Só que já é possível, atualmente, compensar a desigualdade de procura com a utilização do término intermédio de C.Grande: 1ºcomboio Rato-Odivelas, 2ºcomboio Rato-C.Grande, 3ºcomboio Rato-Odivelas, e assim sucessivamente.

O término intermédio de C.Grande não foi concebido para otimizar este tipo de exploração; para esse fim seria preferível um resguardo de inversão entre as duas vias. Poderá otimizar-se a infraestrutura existente com recurso à condução automática (compatível com sistema CBTC encomendado) para redução do tempo de inversão de modo a obter frequências elevadas (no caso da condução assistida, isto é, automatizada mas com a presença de maquinista, a redução do tempo de inversão consegue-se utilizando condutores de reforço , isto é, mudando de condutor em cada inversão  no término intermédio).

Poderá então, para explorar a linha em laço com equilíbrio da procura enquanto ela for menor no troço Odivelas-C.Grande, recorrer-se a um tipo de exploração não só com inversão em C.Grande/lado Quinta das Conchas, mas aproveitando a possibilidade de lançamento de comboios a partir do acesso do PMOII de Calvanas para redução do intervalo durante as horas de ponta. Será ainda possível reduzir o número de comboios para 39 se nas horas de ponta se utilizarem comboios expresso Odivelas-C.Grande: 1ºcomboio Odivelas-C.Grande sem paragem nas estações intermedias, 2º comboio Odivelas-C.Grande com paragem em todas as estações intermédias, e assim sucessivamente.

Vem o senhor presidente do Metro dizer que com a maior frequência da linha circular se vai reduzir o tempo de espera e de percurso para os passageiros da linha de Odivelas forçados ao transbordo em C.Grande. A componente falaciosa desta afirmação é fácil de detetar, porque é o mesmo que dizer, não temos comboios e maquinistas suficientes para assegurar intervalos curtos nas outras linhas, contentem-se portanto com serviços rápidos na linha circular, ou por outras palavras, com a verdade se pode enganar.

Certo que um dos objetivos deve ser o alisamento do diagrama de marcha, preferentemente subindo as cavas em vez de baixar as pontas (nivelamento por cima). No caso vertente, tratar-se-ia de aumentar a procura no troço C.Grande-Odivelas através do “desvio” dos utilizadores de transporte individual para o metropolitano, integrando assim este troço na zona central da cidade. Para isso, é essencial aumentar a oferta, e não “ajustar” a oferta à menor procura, porque reduzir a oferta piora a perceção da qualidade do serviço e afasta os utilizadores. Evidentemente que obrigar os moradores desta zona a um transbordo em C.Grande é um fator negativo.

Se recordarmos que o PROTAML (plano regional de organização do território da área metropolitana de Lisboa) determinava a consideração de um círculo de raio 10 km a contar do Marquês de Pombal, então todo o troço Odivelas-C.Grande está nele incluído   (Odivelas-M.Pombal em linha reta: 8 km; Hospital Beatriz Angelo-M.Pombal em linha reta: 11 km). Por outro lado, a linha circular inscreve-se num círculo de 4 km de raio (C.Grande-M.Pombal em linha reta: 4 km). Por outras palavras, é uma incorreção o EIA (estudo de impacto ambiental) da linha circular dizer que a linha circular respeita o PROTAML.

É este conceito que deverá sobrepor-se à estimativa de que uma variante atrai mais passageiros do que outra variante, apesar do EIA reconhecer que em 2016 houve 18 milhões de validações nas estações de Odivelas a Quinta das Conchas, contra 16 milhões na estação Cais do Sodré (se estimarmos que 40% dos passageiros vindos da linha de Odivelas já fazem o transbordo para a linha verde, também teremos de estimar que nem todos os passageiros da linha de Cascais se destinam à zona da Avenida da República). A reportagem da SIC Notícias terminou com o comentário do prof Alvaro Costa dizendo que a contestação à linha circular é motivada por haver pessoas prejudicadas e que qualquer prolongamento do metro prejudicaria alguém. Não é um comentário elegante porque há mesmo moradores prejudicados concluindo-se que os habitantes da linha de Cascais são mais importantes do que os da linha de Odivelas, mas também porque privilegia a zona urbana em detrimento da área metropolitana. E isso é uma prepotência não desculpável, como não é desculpável a recusa do governo em cumprir o art 282 e o art 283 da lei 2/2020 da Assembleia da República.

A considerar também o argumento de que se pretende transferir o uso do transporte individual , neste caso o correspondente às origens e destinos do troço Odivelas-C.Grande, para um transporte mais eficiente como o metropolitano. Este argumento é imperativo perante as diretivas europeias contra as alterações climáticas (podemos imaginar a deslocação de 10.000 passageiros por hora e sentido que tenham trocado o automóvel pela bicicletas, mas teríamos provavelmente uma surpresa com o congestionamento de bicicletas e a necessária ocupação de espaço urbano.

Acresce que há um pequeno erro de consequências graves na organização do território do Campo Grande, se atendermos a critérios de eficiência energética. O terminal rodoviário do C.Grande perdeu a principal justificação com os prolongamentos do metropolitano a Odivelas e à Gare do Oriente-Aeroporto. O investimento na recente remodelação teria sido mais eficiente se se construíssem terminais rodoviários das carreiras do Oeste em Odivelas e Senhor Roubado, e na Gare do Oriente ou Moscavide para as carreiras da margem direita do Tejo.  Aliás, o prolongamento do metropolitano como modo pesado, e não em LRT, de Odivelas ao Hospital Beatriz Angelo permitiria adaptar a procura à oferta nomeadamente com um parque dissuasor junto da CREL e do hospital, até porque zonas como a da Ericeira e Mafra são das de maior crescimento demográfico.

Dado o exposto, sendo verdade que haverá economia de comboios separando a linha circular e tangencial para obtermos um intervalo entre comboios de 2,5 minutos na zona central, também é verdade que a linha em laço serve melhor, como estruturante, a área metropolitana de Lisboa, e a perda daquela economia é o preço que tem de se pagar por esta melhoria, quando for necessária a frequência dos 2,5 minutos (24 comboios por hora e sentido, correspondendo a 40.000 passageiros por hora nos dois sentidos, 400.000 passageiros por dia nos dois sentidos e 130 milhões de passageiros por ano).

 

A propósito desta problemática, terá talvez interesse, em contraste com a valorização que os seus defensores têm feito da linha circular, compará-la com a linha circular de Madrid, que circula pelas duas margens do rio Manzanares e é atravessada por 7 linhas radiais e outras duas têm nela origem para a periferia. A circular de Lisboa é atravessada por 2 linhas e tangencial a uma, e a sua área circunscrita cabe aproximadamente 4 vezes na área circunscrita da circular de Madrid. Dir-se-á que não são comparáveis; então não deve ser utilizado o argumento que noutros metropolitanos também há linhas circulares.

 

Cotejando os desenhos esquemáticos das redes de Madrid e de Lisboa:


Não é por ser circular que se critica esta linha, é pelas suas dimensões e pior fiabilidade e serviço da área metropolitana. Como em tudo, tem de se atender ao contexto. Neste caso, como explicado por exemplo pelo prof José Viegas, deveria ter-se atendido ao conjunto da rede, não à comparação de dois pequenos troços para escolher um (ver revista MOB, jan-fev2022).        

E se se disser que a linha circular integra o plano de 2009 do MOPTC  (um plano para 29 novos quilómetros feito à pressa sem atender aos planos anteriores e contendo alguns erros de projeto de redes de metro), convirá recordar que o próprio MOPTC tinha um plano estratégico de transportes, para todo o país, de âmbito 2008-2020, publicado em maio de 2009 (antes da data do mapa de 2009 com a linha circular, que é de setembro)  e que nesse plano estratégico nada há sobre a linha circular, antes se fala na expansão das linhas do metro amarela, azul e vermelha (omitindo-se a verde) e em concordância com as orientações para a área metropolitana do PNPOT (programa nacional da política de organização do território) e do PNAC2006 (programa nacional para as alterações climáticas). Analogamente, o PDM de Lisboa de 2016 não falava na linha circular, foi adaptado pouco depois em função da decisão do governo pela linha circular em 2017.

Isto é, o referido mapa é uma iniciativa de autosuficientes que infelizmente, com o apoio declarado e exclusivo do respetivo partido, surdos à experiência na operação e na manutenção, conseguiram levar avante a sua proposta contra a própria lei 2/2020 da Assembleia da República e contra as boas práticas de projeto.

 

 

Referências:

- SIC Notícias – reportagem sobre o metro de Lisboa em 2fev2022

https://sicnoticias.pt/pais/linhas-intermitentes/

- revista MOB Magazine, jan-fev2022 – reportagem circular ou em laço?

https://www.facebook.com/MobMagazine/

- Cálculo do número de comboios necessários para diferentes modos de exploração:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/03/email-para-o-sr-presidente-da-camara-de.html

 - Plano estratégico 2008-2020, MOPTC, maio de 2009

 - repositório de artigos sobre a linha circular:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/01/ultima-tentativa-ultima-chamada-da.html









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