quinta-feira, 9 de maio de 2024

A propósito de um artigo sobre os investimentos no metrobus

 Comentário a um artigo no Público em 6mai2024   https://www.publico.pt/2024/05/06/economia/noticia/portugal-soma-15-mil-milhoes-euros-projectos-metrobus-2089015


1.500 milhões em projetos de metrobus

A ideia do metrobus começou a ganhar entusiastas mais ou menos quando em Coimbra desesperaram, com a crise, de levar o metro ligeiro de superfície  a Serpins, perdendo toda a esperança de vir a fazer o túnel na Portagem. Figuras gradas da cidade tinham visitado a Austrália e de lá vieram com a certeza de que era a solução (curiosamente, o SATU de Oeiras também começou assim) e fabricantes de autocarros elétricos logo agarraram a ideia. À boa maneira portuguesa de “o que era bom era”, a fé numa solução inovadora cresceu e expandiu-se, além de Coimbra (que pensou com ela uma rede metropolitana completa assente no desmantelamento de uma rede ferroviária), a Braga, Porto e Lisboa, e  a outros executivos municipais.

O artigo do Público contribui para a ilusão citando os 44.000 passageiros por hora e sentido em Bogotá e os 35.000 em três cidades chinesas. Trata-se de valores teóricos que exigem espaço para duas vias por sentido e com intervalos entre autocarros de 20 segundos, o que implica tempos de paragem da ordem de 10 segundos, impossíveis de manter. Comparando com o metro de Lisboa, este não ultrapassa os 11.000 passageiros/hora (ocupação de 4 passageiros/m2 contra 6 passageiros/m2 no caso de Bogotá) porque não há comboios  nem maquinistas suficientes para o limite possível de 32.000 passageiros/hora com intervalo de 90 segundos; para a rede após  conclusão das expansões em obra e em contratação não vão ser suficientes os 74 comboios de 6 carruagens existentes e encomendados para garantir em toda a rede um intervalo de 3 minutos (16.000 passageiros/hora).

O artigo tem porém o mérito de ter ouvido três académicos dos transportes que arrefeceram um pouco o entusiasmo porque os sistemas que se projetam em Portugal são “degradados” quando comparados com os modelos originais. Por exemplo, as vias para o metrobus devem ser exclusivas, sem táxis nem bicicletas, separadas do tráfego adjacente, com cruzamentos desnivelados. A largura da principal artéria de Bogotá é de 118m, em Curitiba e na China 50m (a A5 e a Boavista têm 30m) . No traçado sinuoso e estreito Coimbra-Serpins não sabemos como se vai comportar o sistema de guiamento ótico em função das condições climatéricas. Não terá sido divulgado o fim da experiência do metrobus em Nancy e em Caen. Durante anos os autocarros diesel de Bogotá poluíram consistentemente a cidade (já tem autocarros elétricos de baterias, mas de menor capacidade, e não muito mais baratos do que uma carruagem de metro) enquanto a taxa de motorização do transporte individual, paradoxalmente,  cresceu mais do que em Lisboa. Os custos de construção foram inferiores aos da construção de túneis, mas não muito significativos se considerarmos os impactos num meio de urbanização densa, com cruzamentos desnivelados para evitar a redução da velocidade comercial.

 

  o BRT de Guangzhou
                                          

 

Não sendo académico, mas apenas antigo técnico de transportes, e sem contestar o recurso ao metrobus como complementar de outros modos numa rede de transportes integrada, utilizo outro argumento mais terra a terra, mas para mim essencial por se fundar nas leis da Física, o rendimento ou eficiência energética.

Resultados obtidos para um percurso tipo incluindo uma rampa de 4%:

Comboio/tram:  61 Wh/passageiro-km

Metrobus:           73 Wh/passageiro-km

Isto acontece porque a resistência ao rolamento do pneu contra o asfalto é maior do que a resistência ao rolamento da roda de aço contra o carril.

Se contabilizarmos a energia primária, isto é, do poço à roda (well to wheel), temos:

Comboio/tram: 155 Wh/pass-km

Metrobus:          200 Wh/pass-km

Em termos de eficiência energética, a solução ferroviária com alimentação elétrica por catenária é superior à alimentação elétrica com carregamento de baterias.

 

Em conclusão, se os decisores quiserem ignorar as leis da Física no combate às alterações climáticas e se não se importarem com a poluição visual e os impactos urbanísticos da solução metrobus, nem com os constrangimentos do tráfego e baixas velocidades comerciais em ruas estreitas,  façam favor … não em meu nome.


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