sábado, 22 de junho de 2024

Aprovação do novo regulamento das redes transeuropeias TEN-T que substitui o 1315

 

O Conselho da União Europeia aprovou o novo regulamento

das redes TEN_T

 

 

 

Uma notícia do Conselho da União Europeia em 13 de junho de 2024 – as redes transeuropeias

Discretamente, através dum press release do Conselho da União Europeia  de 13 de junho de 2024[1] , foi noticiada a aprovação do novo regulamento das redes transeuropeias de transporte TEN-T, que substitui o 2013/1315, com as linhas de orientação para o desenvolvimento dessas redes.

O objetivo das redes transeuropeias, também na vertente ferroviária, está consagrado no art.170 do TFUE, Tratado de funcionamento da União Europeia (curiosamente conhecido como Tratado de Lisboa), exprimindo o seu compromisso desta forma: “… a ação da União terá por objetivo fomentar a interconexão e a interoperabilidade das redes nacionais, bem como o acesso a essas redes. Terá em conta, em especial, a necessidade de ligar as regiões insulares, sem litoral e periféricas às regiões centrais da União.”

Do exposto pareceria que qualquer Estado membro, especialmente se longe do centro económico da Europa, teria todo o interesse em aderir convictamente às linhas de orientação da regulamentação comunitária em tudo o que facilitasse as ligações à Europa. Por exemplo, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa substituindo a maior parte das ligações aéreas Lisboa-Madrid[2] por ligações ferroviárias de Alta Velocidade e substituindo a maior parte do tráfego rodoviário de mercadorias para além dos Pireneus por tráfego ferroviário.

A importância das exportações

Dizem-nos que o principal destino das nossas exportações é Espanha e como a sua rede ferroviária de mercadorias é maioritariamente de bitola ibérica não vale a pena pensar em linhas novas para a Europa de bitola europeia. E contudo, segundo o INE não será bem assim.

Em 2023 as exportações por modos terrestres para Espanha foram 10,84 Mton no valor de 16908 M€ e para o resto da EU  5,55 Mton no valor de 26275 M€. A quota modal ferroviária para a Europa além Pireneus é irrelevante devido à diferença de bitolas, cingindo-se à contabilização dos percursos intermodais e parciais em ferrovia na península. Admitindo comboios de 1400 toneladas teríamos para a transferência de todo esse tráfego para comboios cerca de 4000 por ano ou mais de 10 comboios por dia substituindo cerca de 500 camiões por dia. 

De janeiro a abril de 2024 as exportações em valor para Espanha por todos os modos  foram, para Espanha 6686 M€, para a EU 18797 M€, e para o mundo 26539 M€ (fonte INE). Basta somar o valor das exportações para França, Paises Baixos e Alemanha para ter um valor superior ao para Espanha. A quota modal marítima para a EU tem sido inferior a 15%.

Não parece assim haver suporte para manter a bitola ibérica se quisermos transferir tráfego rodoviário para a ferrovia.

As autoestradas ferroviárias

Há porém uma solução enquanto não dispusermos da ligação a França em bitola europeia, que são as autoestradas ferroviárias ou transporte de camiões, semirreboques ou caixas móveis por comboio, em vagões plataforma articulados e com 3 bogies. O facto da chamada e atrasada modernização da linha da Beira Alta não ter previsto o alargamento ou variantes dos túneis é apenas mais um sintoma da preferência por soluções baratas que adiam os investimentos necessários e eficientes como o corredor Aveiro-Salamanca com as caraterísticas de interoperabilidade das redes TEN-T.

O corredor atlântico no mapa das redes transeuropeias TEN-T

O mapa seguinte faz parte do Anexo III.14  do regulamento. A amarelo o corredor atlântico, com os acrescentos, relativamente ao anterior regulamento 1315, dos portos do sudoeste de Espanha, Galiza e Astúrias. A calendarização reparte-se pelos troços da rede “core” (2030), “extended core” (2040) e “comprehensive” (2050).




Uma  política de coesão deverá reduzir a desigualdade dos níveis do PIB por região o que exigirá investimentos e aumento de ativos de infraestruturas nessas regiões. As análises de custos benefícios referidas no regulamento terão em consideração o que se perde por não investir, as taxas expetáveis de crescimento do PIB e das exportações devido ao investimento em linhas férreas de ligação ao centro da Europa (Mannheim, Strassbourg), a economia devida às caraterísticas das linhas novas, a redução de gases com efeito de estufa devido à transferência dos modos aéreo e rodoviário[3].



O que especifica relativamente à bitola e ao ERTMS o novo regulamento aprovado  pelo Conselho da União Europeia em 13 de junho de 2024

No seu art.17, determina que “Member States shall ensure that any new railway line of the core network and the extended core network … provides for the European standard nominal track gauge of 1 435 mm   e no art.18:  Member States shall ensure that by 31 December 2030  ERTMS is equipped on the railway infrastructure of the core network.

Ora, não há em Portugal neste momento (contrariamente aos países bálticos que estão construindo o Rail Baltica em bitola europeia e não na bitola russa pré existente) planeamento para a construção de linhas de bitola europeia nem para a instalação de ERTMS (controle da circulação dos comboios). É verdade que o próprio regulamento prevê a possibilidade de isenções do cumprimento desta obrigação mas sempre sujeita a análises de custos benefícios e de avaliação do impacto na interoperabilidade e sempre de natureza temporária. Isto é, o recurso a essas isenções apenas funciona como adiamento de decisões que deverão ser urgentemente tomadas.

A argumentação contra a bitola europeia

Não parece correta a noticia do ECO que diz que em Espanha não há ligação entre a rede UIC e a rede convencional quando existem 272 km de via com 3 carris prevendo-se aumento no corredor mediterrâneo. https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/alianca-iberica-pela-ferrovia-pede-servico-direto-lisboa-madrid-em-2025 

O presidente do principal operador ferroviário de mercadorias em Portugal, a Medway, apesar de não considerar oportuna a construção de novas linhas em bitola UIC, reconhece que isso seria muito mais fácil[4]

Sibilinamente, dizem-nos a IP e os sucessivos governos que o uso exclusivo da bitola ibérica é imposto por Espanha, cuja rede interna de mercadorias é maioritariamente em bitola ibérica. Sibilinamente porque o comissário espanhol para o corredor atlântico tem, apesar de limitado, um orçamento para investir no seu corredor, esperando-se a curto prazo a ligação em via de 3 carris entre a fronteira francesa e a plataforma logística de Vitoria. Também no corredor mediterrânico se espera a curto prazo a ligação em bitola UIC entre Barcelona e Valencia. Sibilinamente porque apesar das limitações da rede de mercadorias espanhola reconhecida pelo próprio ministério com uma quota modal de 9% [5], a natureza vinculativa da regulamentação comunitária impõe a um Estado membro a obrigatoriedade  de coordenar com o Estado vizinho as ligações transfronteiriças e nunca a possibilidade de constituir um obstáculo às exportações desse Estado vizinho.

Considerando a demora na construção das novas linhas para mercadorias em Portugal e Espanha com as caraterísticas de interoperabilidade com  o resto da Europa, os respetivos governos deveriam coordenar um plano com o faseamento de aproximação da bitola UIC dos portos atlânticos. Julga-se que isso só poderá ser feito com uma estrutura de gestão de infraestruturas corretamente dimensionada em termos de recursos humanos para gestão do desenvolvimento de uma nova rede, separada da gestão corrente da rede existente, sem prejuízo do recurso a concursos públicos internacionais para seleção de consultor com experiência internacional em projeto, manutenção e operação de redes de alta velocidade/mercadorias.





 

A posição dos sucessivos governos e da IP

Infelizmente, os sucessivos governos portugueses têm recusado seguir as linhas de orientação comunitárias que desde 2013 formalizaram uma série de especificações para garantir a interoperabilidade entre todas as redes nacionais, numa única rede europeia[6]. O atual governo aparentemente não sente que incorre no risco de um processo de infração por, por exemplo, dar prioridade à ligação Porto-Vigo (fixada pelo novo regulamento para 2040) em detrimento da ligação a Madrid (fixada para 2030), ou por insistir na exclusividade da bitola ibérica de 1668 mm, quando o especificado é a bitola europeia ou UIC de 1435 mm. Esta opção tem também o risco de inviabilizar o aproveitamento das taxas máximas de cofinanciamento, nomeadamente dos programas CEF , Connecting Europe Facility[7] .

Lamentavelmente, são-nos apresentadas soluções definitivas e indiscutíveis para o  Plano Ferroviário Nacional, o Plano de Investimentos 2030 e os planos para as linhas de Alta Velocidade, a terceira travessia do Tejo (TTT) e o serviço ferroviário do novo aeroporto. Não apenas por recusarem críticas, mas por ignorarem: (i) os princípios legais da gestão territorial numa altura em que a economia do país beneficiaria com o desenvolvimento da regionalização administrativa livre da partidarização e do caciquismo e baseada num número pequeno de NUTs II (ii) as orientações e as especificações da regulamentação comunitária (iii) a ponderação do recurso a concurso público internacional para seleção de um gabinete de engenharia de transportes para elaboração de um plano integrado.

A IP e o governo insistirão que já há muito funciona a tecnologia de eixos variáveis para passageiros e já está homologada para mercadorias e que portanto podemos conservar a bitola ibérica. Esquecem que são raros os fabricantes e os operadores que dispõem dessa tecnologia, o que contraria o princípio da concorrência. Esquecem que é uma tecnologia para a transição duma rede ibérica para uma rede europeia e que não é razoável enviar vagões de eixos variáveis para longe das oficinas de manutenção. Paradoxalmente, recusam-se a aceitar a solução de eixos variáveis para viabilizar  a construção por fases da ligação Porto-Lisboa em bitola europeia de raiz (instalando intercambiadores nos pontos de transição entre os troços novos em europeia e os troços existentes em ibérica, como na ligação de AV Madrid-Galiza com um intercambiador em Ourense).

 

CONCLUSÃO

Para sairmos da situação de impasse na ferrovia de passageiros e na de mercadorias, reduzir as emissões nas ligações Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e aumentar a quota modal da ferrovia interna e de exportações, é essencial espanhóis e portugueses desenvolverem, em sintonia com o regulamento TEN-T substituto do 1315, e de forma coordenada, um plano de progressiva aproximação da bitola 1435mm dos portos atlânticos segundo os traçados do corredor atlântico de utilização mista, revendo simultaneamente o PFN para assumir o que está inscrito no próprio PFN, "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas", revendo numa perspetiva de gestão integrada do território e da mobilidade os grandes investimentos na ferrovia.



[1] https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2024/06/13/trans-european-transport-network-ten-t-council-gives-final-green-light-to-new-regulation-ensuring-better-and-sustainable-connectivity-in-europe/     O Conselho da União Europeia é composto pelos ministros dos Estados membros conforme a natureza dos temas, de presidência rotativa de 6 meses; é um órgão legislativo juntamente com o Parlamento Europeu vetando, corrigindo ou aprovando as iniciativas da Comissão Europeia (não confundir com o Conselho Europeu composto pelos primeiros ministros dos Estados membros e que define com a Comissão Europeia a orientação geral da política da UE)

[2] Admitindo um consumo específico de energia primária de 260 Wh/pass-km no avião, 70 Wh/pass-km no comboio AV, taxa de ocupação de 90% e 2500 passageiros/dia na ligação Lisboa-Madrid, teremos um consumo diário de 0,36 GWh e 110 tonCO2 se tráfego exclusivo por avião e 0,11 GWh e 30 tonCO2 se por comboio AV  

[3] Embora com limitações, ensaiou-se uma análise de custos benefícios favorável ao investimento no corredor atlântico na comunicação ao 10º congresso do Centro rodoferroviário Português de julho de 2022 consultável em              https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f         

[5] Volumes de tráfego em Mton, comparativo Espanha-Portugal (2021):

                                                             rodovia      ferrovia

fonte OTLE: Espanha nacional           1541            20

             Espanha internacional             119              4,7

fonte   INE:  Portugal  nacional            120,5           6,6

             Portugal  internacional              22,9           2,7

 

[6] Alimentação 25 kVAC, 250 km/h passageiros, 100 km/h mercadorias, pendentes máximas 1,2% e tráfego misto passageiros/mercadorias, comprimento comboios 740 m, controle ERTMS, bitola europeia

[7] Regulamento 2021/1153. A preocupação com as condições de  acesso a níveis elevados de cofinanciamento levou um grupo de cidadãos a dirigir uma carta aberta à presidente do BEI a propósito do financiamento de 3000 milhões de euros para a linha de AV Porto-Soure, consultável em   https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0ROQecRWWYfLt0LJ?e=70VWc0   


Sem comentários:

Enviar um comentário