O Conselho da União Europeia aprovou
o novo regulamento
das redes TEN_T
Uma
notícia do Conselho da União Europeia em 13 de junho de 2024 – as redes
transeuropeias
Discretamente,
através dum press release do Conselho da União Europeia de 13 de junho de 2024[1]
, foi noticiada a aprovação do novo regulamento das redes transeuropeias de
transporte TEN-T, que substitui o 2013/1315, com as linhas de orientação para o
desenvolvimento dessas redes.
O
objetivo das redes transeuropeias, também na vertente ferroviária, está
consagrado no art.170 do TFUE, Tratado de funcionamento da União Europeia
(curiosamente conhecido como Tratado de Lisboa), exprimindo o seu compromisso
desta forma: “… a ação da União terá por objetivo fomentar a interconexão e
a interoperabilidade das redes nacionais, bem como o acesso a essas redes. Terá
em conta, em especial, a necessidade de ligar as regiões insulares, sem litoral
e periféricas às regiões centrais da União.”
Do
exposto pareceria que qualquer Estado membro, especialmente se longe do centro económico
da Europa, teria todo o interesse em aderir convictamente às linhas de orientação
da regulamentação comunitária em tudo o que facilitasse as ligações à Europa.
Por exemplo, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa substituindo a
maior parte das ligações aéreas Lisboa-Madrid[2]
por ligações ferroviárias de Alta Velocidade e substituindo a maior parte do
tráfego rodoviário de mercadorias para além dos Pireneus por tráfego
ferroviário.
A
importância das exportações
Dizem-nos que o principal
destino das nossas exportações é Espanha e como a sua rede ferroviária de mercadorias
é maioritariamente de bitola ibérica não vale a pena pensar em linhas novas para
a Europa de bitola europeia. E contudo, segundo o INE não será bem assim.
Em 2023 as exportações por
modos terrestres para Espanha foram 10,84 Mton no valor de 16908 M€ e para o
resto da EU 5,55 Mton no valor de 26275
M€. A quota modal ferroviária para a Europa além Pireneus é irrelevante devido
à diferença de bitolas, cingindo-se à contabilização dos percursos intermodais e
parciais em ferrovia na península. Admitindo comboios de 1400 toneladas teríamos
para a transferência de todo esse tráfego para comboios cerca de 4000 por ano
ou mais de 10 comboios por dia substituindo cerca de 500 camiões por dia.
De janeiro a abril de 2024 as
exportações em valor para Espanha por todos os modos foram, para Espanha 6686 M€, para a EU 18797
M€, e para o mundo 26539 M€ (fonte INE). Basta somar o valor das
exportações para França, Paises Baixos e Alemanha para ter um valor superior ao
para Espanha. A quota modal marítima para a EU tem sido inferior a 15%.
Não parece assim haver
suporte para manter a bitola ibérica se quisermos transferir tráfego rodoviário
para a ferrovia.
As
autoestradas ferroviárias
Há porém uma solução enquanto
não dispusermos da ligação a França em bitola europeia, que são as autoestradas
ferroviárias ou transporte de camiões, semirreboques ou caixas móveis por
comboio, em vagões plataforma articulados e com 3 bogies. O facto da chamada e
atrasada modernização da linha da Beira Alta não ter previsto o alargamento ou
variantes dos túneis é apenas mais um sintoma da preferência por soluções
baratas que adiam os investimentos necessários e eficientes como o corredor
Aveiro-Salamanca com as caraterísticas de interoperabilidade das redes TEN-T.
O
corredor atlântico no mapa das redes transeuropeias TEN-T
O mapa seguinte faz parte do
Anexo III.14 do regulamento. A amarelo o
corredor atlântico, com os acrescentos, relativamente ao anterior regulamento
1315, dos portos do sudoeste de Espanha, Galiza e Astúrias. A calendarização
reparte-se pelos troços da rede “core” (2030), “extended core” (2040) e “comprehensive”
(2050).
Uma política de coesão deverá reduzir a desigualdade
dos níveis do PIB por região o que exigirá investimentos e aumento de ativos de
infraestruturas nessas regiões. As análises de custos benefícios referidas no regulamento
terão em consideração o que se perde por não investir, as taxas expetáveis de
crescimento do PIB e das exportações devido ao investimento em linhas férreas
de ligação ao centro da Europa (Mannheim, Strassbourg), a economia devida às
caraterísticas das linhas novas, a redução de gases com efeito de estufa devido
à transferência dos modos aéreo e rodoviário[3].
O que especifica relativamente à bitola e ao ERTMS o novo regulamento aprovado pelo Conselho da União Europeia em 13 de junho de 2024
No seu art.17, determina que “Member States shall ensure that any
new railway line of the core network and the extended core network … provides
for the European standard nominal track gauge of 1 435 mm” e no art.18:
“Member
States shall ensure that by 31 December 2030 ERTMS
is equipped on the railway infrastructure of the core network.”
Ora, não há em Portugal neste
momento (contrariamente aos países bálticos que estão construindo o Rail Baltica
em bitola europeia e não na bitola russa pré existente) planeamento para a
construção de linhas de bitola europeia nem para a instalação de ERTMS
(controle da circulação dos comboios). É verdade que o próprio regulamento
prevê a possibilidade de isenções do cumprimento desta obrigação mas sempre
sujeita a análises de custos benefícios e de avaliação do impacto na
interoperabilidade e sempre de natureza temporária. Isto é, o recurso a essas
isenções apenas funciona como adiamento de decisões que deverão ser urgentemente
tomadas.
A
argumentação contra a bitola europeia
Não parece correta a noticia
do ECO que diz que em Espanha não há ligação entre a rede UIC e a rede
convencional quando existem 272 km de via com 3 carris prevendo-se aumento no
corredor mediterrâneo. https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/alianca-iberica-pela-ferrovia-pede-servico-direto-lisboa-madrid-em-2025
O presidente do principal
operador ferroviário de mercadorias em Portugal, a Medway, apesar de não considerar
oportuna a construção de novas linhas em bitola UIC, reconhece que isso seria
muito mais fácil[4]
Sibilinamente, dizem-nos a IP
e os sucessivos governos que o uso exclusivo da bitola ibérica é imposto por
Espanha, cuja rede interna de mercadorias é maioritariamente em bitola ibérica.
Sibilinamente porque o comissário espanhol para o corredor atlântico tem,
apesar de limitado, um orçamento para investir no seu corredor, esperando-se a
curto prazo a ligação em via de 3 carris entre a fronteira francesa e a
plataforma logística de Vitoria. Também no corredor mediterrânico se espera a
curto prazo a ligação em bitola UIC entre Barcelona e Valencia. Sibilinamente
porque apesar das limitações da rede de mercadorias espanhola reconhecida pelo
próprio ministério com uma quota modal de 9% [5], a
natureza vinculativa da regulamentação comunitária impõe a um Estado membro a
obrigatoriedade de coordenar com o
Estado vizinho as ligações transfronteiriças e nunca a possibilidade de
constituir um obstáculo às exportações desse Estado vizinho.
Considerando
a demora na construção das novas linhas para mercadorias em Portugal e Espanha com
as caraterísticas de interoperabilidade com o resto da Europa, os respetivos governos
deveriam coordenar um plano com o faseamento de aproximação da bitola UIC dos
portos atlânticos. Julga-se que isso só poderá ser feito com uma estrutura de gestão
de infraestruturas corretamente dimensionada em termos de recursos humanos para
gestão do desenvolvimento de uma nova rede, separada da gestão corrente da rede
existente, sem prejuízo do recurso a concursos públicos internacionais para
seleção de consultor com experiência internacional em projeto, manutenção e
operação de redes de alta velocidade/mercadorias.
A posição
dos sucessivos governos e da IP
Infelizmente,
os sucessivos governos portugueses têm recusado seguir as linhas de orientação comunitárias
que desde 2013 formalizaram uma série de especificações para garantir a interoperabilidade
entre todas as redes nacionais, numa única rede europeia[6].
O atual governo aparentemente não sente que incorre no risco de um processo de
infração por, por exemplo, dar prioridade à ligação Porto-Vigo (fixada pelo
novo regulamento para 2040) em detrimento da ligação a Madrid (fixada para
2030), ou por insistir na exclusividade da bitola ibérica de 1668 mm, quando o
especificado é a bitola europeia ou UIC de 1435 mm. Esta opção tem também o
risco de inviabilizar o aproveitamento das taxas máximas de cofinanciamento,
nomeadamente dos programas CEF , Connecting Europe Facility[7]
.
Lamentavelmente,
são-nos apresentadas soluções definitivas e indiscutíveis para o Plano Ferroviário Nacional, o Plano de Investimentos
2030 e os planos para as linhas de Alta Velocidade, a terceira travessia do
Tejo (TTT) e o serviço ferroviário do novo aeroporto. Não apenas por recusarem
críticas, mas por ignorarem: (i) os princípios legais da gestão territorial
numa altura em que a economia do país beneficiaria com o desenvolvimento da
regionalização administrativa livre da partidarização e do caciquismo e baseada
num número pequeno de NUTs II (ii) as orientações e as especificações da
regulamentação comunitária (iii) a ponderação do recurso a concurso público
internacional para seleção de um gabinete de engenharia de transportes para
elaboração de um plano integrado.
A IP
e o governo insistirão que já há muito funciona a tecnologia de eixos variáveis
para passageiros e já está homologada para mercadorias e que portanto podemos
conservar a bitola ibérica. Esquecem que são raros os fabricantes e os
operadores que dispõem dessa tecnologia, o que contraria o princípio da
concorrência. Esquecem que é uma tecnologia para a transição duma rede ibérica para
uma rede europeia e que não é razoável enviar vagões de eixos variáveis para
longe das oficinas de manutenção. Paradoxalmente, recusam-se a aceitar a
solução de eixos variáveis para viabilizar
a construção por fases da ligação Porto-Lisboa em bitola europeia de raiz
(instalando intercambiadores nos pontos de transição entre os troços novos em
europeia e os troços existentes em ibérica, como na ligação de AV Madrid-Galiza
com um intercambiador em Ourense).
CONCLUSÃO
Para
sairmos da situação de impasse na ferrovia de passageiros e na de mercadorias, reduzir
as emissões nas ligações Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e aumentar a quota modal
da ferrovia interna e de exportações, é essencial espanhóis e
portugueses desenvolverem, em sintonia com o regulamento TEN-T substituto
do 1315, e de forma coordenada, um plano de progressiva aproximação da bitola
1435mm dos portos atlânticos segundo os traçados do corredor atlântico de
utilização mista, revendo simultaneamente o PFN para assumir o que está
inscrito no próprio PFN, "A criação de ligações
ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte
de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a
competitividade das exportações portuguesas", revendo numa perspetiva
de gestão integrada do território e da mobilidade os grandes investimentos na
ferrovia.
[1] https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2024/06/13/trans-european-transport-network-ten-t-council-gives-final-green-light-to-new-regulation-ensuring-better-and-sustainable-connectivity-in-europe/ O
Conselho da União Europeia é composto pelos ministros dos Estados membros
conforme a natureza dos temas, de presidência rotativa de 6 meses; é um órgão legislativo
juntamente com o Parlamento Europeu vetando, corrigindo ou aprovando as
iniciativas da Comissão Europeia (não confundir com o Conselho Europeu composto
pelos primeiros ministros dos Estados membros e que define com a Comissão
Europeia a orientação geral da política da UE)
[2]
Admitindo um consumo específico de energia primária de 260 Wh/pass-km no avião,
70 Wh/pass-km no comboio AV, taxa de ocupação de 90% e 2500 passageiros/dia na
ligação Lisboa-Madrid, teremos um consumo diário de 0,36 GWh e 110 tonCO2 se tráfego
exclusivo por avião e 0,11 GWh e 30 tonCO2 se por comboio AV
[3] Embora
com limitações, ensaiou-se uma análise de custos benefícios favorável ao
investimento no corredor atlântico na comunicação ao 10º congresso do Centro
rodoferroviário Português de julho de 2022 consultável em https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f
[4] Ver final
da entrevista em
https://www.railwaygazette.com/in-depth/freight-medway-takes-on-the-trucks/59909.article
[5] Volumes
de tráfego em Mton, comparativo Espanha-Portugal (2021):
rodovia
ferrovia
fonte OTLE: Espanha nacional 1541 20
Espanha internacional 119 4,7
fonte INE: Portugal
nacional 120,5 6,6
Portugal
internacional 22,9
2,7
[6] Alimentação
25 kVAC, 250 km/h passageiros, 100 km/h mercadorias, pendentes máximas 1,2% e
tráfego misto passageiros/mercadorias, comprimento comboios 740 m, controle
ERTMS, bitola europeia
[7]
Regulamento 2021/1153. A preocupação com as condições de acesso a níveis elevados de cofinanciamento
levou um grupo de cidadãos a dirigir uma carta aberta à presidente do BEI a
propósito do financiamento de 3000 milhões de euros para a linha de AV Porto-Soure,
consultável em https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0ROQecRWWYfLt0LJ?e=70VWc0
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