Reparo que na secção de espetáculos e TV do jornal a notícia é que no dia anterior, 27 de dezembro, sábado, a audiencia da RTP2 foi de cerca de 1,1% , a pior do ano.
Reparei porque nesse dia tinha assistido à retransmissão do Don Giovanni, gravado em 2006 na inauguração do teatro das figuras de Faro. Cantores portugueses, à exceção do protagonista, Nicola Bau.
E tinha-me parecido um espetáculo de qualidade elevada, digno de figurar na programação do canal Mezzo, por exemplo.
Pois terá sido o dia de pior audiencia do canal RTP2.
Não vou culpar o público. Há anos, quando o São Carlos levava a ópera ao Coliseu, ele enchia-se. E hoje também se voltasse a haver ópera no Coliseu.
Também me recordo, sempre que se fala de cultura, da resposta de uma senhora, do povo, como se costuma dizer, que assistia à gravação de um "reality show" e dizia alegremente para a entrevistadora: "Sei muito bem que isto não é cultura, mas é disto que gostamos e estou muito contente por estar aqui a assistir".
É a diferença entre as senhoras do povo e os hierarcas que no governo ou nas instituições tomam decisões ou as boicotam.
As senhoras do povo sabem o que é cultura, os hierarcas terão aprendido a não saber o que é a cultura.
Ou simplesmente, a avaliar pelo comportamento dos senhores presidente da República, primeiro ministro e ministra das finanças, serão culturalmente extremamente limitados.
Por isso imagino Mozart e o seu libretista da Ponte a projetar na sua personagem D.João as psicopatologias dos detentores do poder. D.João diz claramente que não suporta oposição e não admite réplicas. Ilude o povo que se arma para o castigar.Subordina todos à sua vontade.
Ora é sabido, depois de Freud, que a necessidade de D.João se afirmar como conquistador (do governo se afirmar como triunfador na sua estratégia política) deriva da sua impotência de se realizar humanamente (do governo conseguir investimento e emprego).
Por isso o vejo como uma metáfora do imobilismo e da incapacidade do atual governo de investir nas coisas certas, recuando quando se trata de concretizar, como no caso da ligação ferroviária a Madrid ou de candidatar, aos fundos comunitários, investimentos em infraestruturas produtivas até 26 de fevereiro de 2015.
Se o dia da transmissão de Don Giovanni foi o da pior audiencia da RTP2, foi porque o governo é impotente para conduzir uma política eficaz de cultura.
Por isso se desculpará, como qualquer afetado por uma doença psicológica, com causas externas a si próprio, como não haver dinheiro (num país em que a gestão do pavilhão atlantico não parece ter problemas, em que os espetadores acorrem em massa aos festivais de verão, em que se vendem mais de 10.000 automóveis por mês?) nem procura de bens deste tipo de cultura. E que o melhor será fugir à ira popular como D.João, extinguir o canal RTP2 e privatizar a RTP.
Isto é, deixar que a programação seja decidida e aprovada numa assembleia de acionistas de acesso restrito e em que não é respeitada a regra "uma voz, um voto".
Já no tempo dos antigos atenienses se sabia que isso não era democracia.
Ver também:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/12/citacao-de-pedro-burmester.html
Sem comentários:
Enviar um comentário