domingo, 11 de setembro de 2016

Acidente na Galiza em 9 de setembro de 2016






Sentidas condolências aos familiares das vítimas de mais um acidente ferroviário.
 
A ligação Porto-Vigo está longe dos padrões mínimos de uma ligação internacional do século XXI.
É intolerável a circulação sem controle automático de velocidade. A segurança de circulação não deve depender apenas da atenção 100% do tempo do maquinista e da observação sem falhas de todos os procedimentos. É impossível não haver falhas, agravando o risco quando ocorrem simultaneamente circunstancias ou outras causas contra a segurança. Por isso é o próprio equipamento que deve garantir por último a segurança. É a função do controle de velocidade.
O ASFA, mesmo que, como admite a análise do Portugal Ferroviário, “distinga” o sinal de manobra de mudança de via, não é um controle de velocidade, não compensa uma falha do maquinista  e é portanto uma solução de recurso.
Estamos na mesma situação do último acidente na Bélgica, em que o Memor é um sistema de ajuda, também com “acknowledge” de amarelos, mas não é um sistema de controle de velocidade, enquanto não montam na linha de Liege o TBL1+.
Aliás uma exploração com automotoras diesel-hidráulicas é sempre limitada. Parece que no plano de investimentos da IP de A.Ramalho havia 89 milhões  para eletrificação da linha.  Mas lá continua a via única e o traçado antigo… males da falta de financiamento.
os bogies da 2ª carruagem (reboque) e o 1º bogie da 3ªcarruagem (motora) estão carrilados; a 3ª carruagem está desalinhada com a 2ª porque o seu 2ºbogie descarrilou

a estação de Porriño está para o lado esquerdo; notar que para além da força do movimento de lacete e da força centrífuga existiu toda a força cinética do comboio mudando de via, impelindo-o para o pilar da ponte

o último bogie parece estar descarrilado


Quanto ao acidente na Galiza, eu concordo com o interesse jornalístico quanto às causas, mesmo pagando o preço de exageros como a capa do Público anunciando o excesso de velocidade como causa. Tem a vantagem de chamar a atenção para as condições deficientes da exploração, embora provavelmente não haverá divulgação mediática do relatório.
Parece que sim, que foi excesso de velocidade, mas com outras causas, principalmente por inexistência de controle de velocidade e, provavelmente, deficiente comunicação com o maquinista, deficiente gestão pelos operadores do posto central ou local (ao estabelecer zona de limitação de velocidade por manutenção da via), presença de pessoal na cabina de condução. Pelas imagens e distancias envolvidas, parece-me que a velocidade seria inferior a 80 km  (para as distancias verificadas e considerando o comprimento de 70m do comboio, corresponderia a uma desaceleração de 4 m/s2 após embate no pilar), mas admite-se que poderia circular a 100km/h (desaceleração de 5,5 m/s2)  porque teria espaço para reduzir para 80km/h, velocidade de travessia da estação. O registador de bordo esclarecerá.

O inquérito deverá, esperemos,  esclarecer nomeadamente o funcionamento da sinalização e do ASFA em situação de via desviada.
E, principalmente centrar-se nas medidas para evitar repetições em vez da busca de culpados.
Quanto à excelente análise do Portugal Ferroviário, também destaca a necessidade de esclarecer se a sinalização anunciou atempadamente a posição da agulha em desviada. Mas parece-me otimista a exclusão da queda de peças do comboio para descarrilar o primeiro bogie (recordo o caso dos dois descarrilamentos na linha de Cascais). 
Também me parece pelas imagens que o último bogie da 3ªcarruagem está descarrilado para a esquerda, até porque a carruagem está muito desalinhada relativamente à segunda (terá saltado a cróssima, deformando o carril da via adjacente, parece-me).
Também me parece que há hipótese (só vendo no local os vestígios é que se pode confirmar, claro) dos dois primeiros bogies não terem descarrilado. Com as oscilações da mudança de via de dois aparelhos consecutivos em movimentos de lacete (convirá que o inquérito analise os parâmetros dos rodados, diâmetro das rodas, perfil do verdugo e folga para a bitola) e uma provável ressonância, a caixa da primeira carruagem ter-se-á inclinado, terá batido no pilar da ponte e sido prensada entre o pilar e o bogie (nesse caso o gabarit deveria ser corrigido). Terá havido corte dos pivots dada a posição em que ficou a primeira carruagem, com os restos dos primeiros 7metros quase a 90 graus relativamente ao resto da carruagem. Nesta hipótese os bogies terão ficado sob a caixa, carrilados ou pouco desviados.
Caso o choque com o pilar tenha sido consequência do descarrilamento do primeiro bogie (mais uma vez só verificando os vestígios no local), terá de se admitir alguma rotura no primeiro bogie, como diz a análise do Portugal Ferroviário (inclusive corte do pivot e projeção da caixa, como aconteceu num acidente no Canadá, com desvio da locomotiva em alta velocidade, com pessoal na cabina) ou queda de peça descarriladora, o que até seria compatível com velocidade baixa.

Em resumo, espera-se que o inquérito esclareça estas questões e apresente medidas para evitar a repetição deste tipo de acidentes sem utilização para responsabilização, como é das normas ferroviárias.

Claro que a esperança  é que fundos comunitários permitam corrigir esta inconformidade, uma ligação internacional que é importante explorada sem controle de velocidade e sem tração elétrica (a duplicação da via e a melhoria do traçado podem sempre ser encaradas em função do crescimento da procura).

PS em 14 de setembro de 2016 - A comunicação social portuguesa pegou numa notícia da Voz de Galicia e titulou que o comboio descarilou a 118km/h conforme a leitura da caixa negra (essa é velocidade de passagem pelas agulhas em condições normais em via direta), confirmando que a causa do acidente foi excesso de velocidade. Foi, de facto, mas a notícia da voz da Galicia também apontava como causas:
-  a realização de obras de manutenção durante o período de exploração (não deve fazer-se manutenção com comboios a passar ao lado), 
- a não inclusão no plano de marcha da limitação de velocidade na estação de Porrino (o posto de comando não contactou o maquinista para o informar de que havia uma situação anormal) , 
- o não equipamento do comboio com o ASFA que deteta excesso de velocidade (o ASFA do comboio só obriga ao reconhecimento da passagem por sinais, sendo que o maquinista fê-lo, exceto no último sinal, só trava automaticamente se o comboio ultrapassa a sua própria velocidade máxima, se ultrapassa um sinal vermelho, ou se o maquinista não reconheceu a passagem por um sinal). ISTO É,  NÃO HÁ CONTROLE DOS SINAIS DE LIMITAÇÃO DE VELOCIDADE - SE O MAQUINISTA NÃO VIR O SINAL AMARELO DE PRECAUÇÁO, NÃO É TRAVADO - É UMA SITUAÇÃO INTOLERÁVEL ATENDENDO À GRAVIDADE DAS CONSEQUENCIAS DE UM ACIDENTE. Notar que o sinal amarelo de precaução estará a 300m antes da primeira agulha (distancia já não suficiente para abrandar a 30km/h  à chegada à agulha), e esta outro tanto antes do cais da estação.

Penso que pode afirmar-se que o comboio descarrilou a uma velocidade inferior a 118km/h (se assim fosse, a desaceleração teria sido de cerca de 8 m/s2 considerando a posição em que o comboio ficou) e falta esclarecer se os travões foram acionados e se estavam em boas condições.

Espero que a opinião pública não se concentre no erro humano de não cumprimento dos sinais mas antes que exija um controle de velocidade efetivo (o CONVEL, por exemplo, que funciona na parte portuguesa do percurso)

Junto ligações com mais informação:
- notícia  da Voz de Galicia sobre a caixa negra
- idem sobre as limitações do ASFA embarcado
- comentário de um colega espanhol
- descrição de um acidente semelhante na linha Vigo-Santiago em 2006
- descrição do funcionamento do ASFA











Reproduzo ainda o parecer do colega e amigo Luis Cabral da Silva, escrito imediatamente a seguir ao acidente:

Efectivamente, esta composição, pelo seu aspecto exterior e pela sua idade, não dignifica uma ligação internacional.  Basta compará-la com o que era o TER, uma vez que estamos no domínio da tracção a diesel.

Quanto às causas do descarrilamento, e tomando como boas as alegações de que fora objecto de uma revisão cuidada há pouco tempo e de uma revisão ligeira mais recentemente (esta em Contumil), estou em crer que podemos estar perante mais um caso de excesso de velocidade.  

Se assim for, interrogo-me sobre o seguinte :

a) O maquinista teve prévio conhecimento da restrição de velocidade naquele local e naquelas condições, como sugerem as autoridades espanholas ?  É que o também falecido auxiliar/estagiário espanhol, que devia ir na cabina de condução, nada deve ter feito ou dito para alertar ou corrigir a velocidade ;

b) Esta automotora estava equipada com o ASFA ?  E a via também ?  A restrição de velocidade estava protegida com o ASFA ?  Ou sequer com sinalização lateral ?  Em Portugal, quando há uma restrição prolongada, a regra é protegê-la com o Convel, mas em Espanha, as falhas de protecção automática pelo controlo de velocidade parecem ser frequentes.  Foi também uma delas a responsável pelo grave acidente com o AVE Madrid-Galiza, como se devem recordar, em que igualmente foi alegado existir uma comunicação escrita para o maquinista comunicando uma restrição de velocidade ;j

c) Em que condições é que estas composições internacionais circulam em Portugal ?  Têm o Convel instalado ?  A circulação de uma composição com o Convel fora de serviço está regulamentada, mas o que é que a autoridade reguladora ferroviária, se é que está viva, definiu sobre este material espanhol ?

d) Ou voltamos ao período pré-Convel, em que a culpa era sempre do maquinista, uma vez que um morto não se pode defender ?





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