Caro colega e amigo
Não sei se a primeira designação se aplicará ainda, dado que
há muito que deixámos de nos encontrar em reuniões de trabalho para debatermos
as nossas análises sobre questões do metropolitano. Não sei pois se na minha
condição de reformado ainda o posso tratar por colega. Mas a segunda designação
posso com certeza afirmá-la, apesar das divergencias que, possivelmente por ter
uma formação de economista e eu de engenharia, mais preocupado com as leis da
física, as suas quantificaçoes e as suas
manifestações nas realizações humanas, sempre vamos alimentando.
Eis porque volto ao seu contacto, no seguimento da conversa
que tivemos sobre a expansão do metro e sobre os mecanismos de tomada de
decisão.
O meu amigo seguro de si, reafirma o direito, como gestor, a
decidir com base nos, para mim frágeis como qualquer estudo de procura, estudos
de tráfego. Digo frágeis por causa da escala da população e das infraestruturas
em análise, e por causa da omissão, pelos ilustres profissionais dos estudos,
das tais questões físicas. De que para
mim o melhor exemplo é a lei de Fermat-Weber, que sintetizando com algum modo
desajeitado como é próprio dos engenheiros quando abordam leis matemáticas
(pois, a engenharia não é uma ciencia exata, deixamos isso para os discípulos
de Gauss, o qual, aliás, é admirado por qualquer engenheiro) eu diria que, num
sistema pouco regulado, os elementos mais fortes tendem a aumentar o seu poder
de atração e ao exercê-lo tornam-se cada vez mais fortes aumentando a
desigualdade relativamente aos outros elementos. Como economista, concordará
comigo se eu invocar as diferenças de produtividade e de competitividade que
vão sucessivamente aumentando a divergencia dos indicadores macroeconómicos.
Sobrevindo depois o sermão do castigo divino quando o que esta em causa é
apenas uma lei da física matemática, que traduz o poder e a dimensão e não o
pecado do mais fraco.
Isto a propósito, como certamente pressentiu, de eu não
aceitar o seu argumento que a zona da avenida da Republica sendo a mais
procurada, tudo tem de girar , enquanto nova linha circular, em torno dessa
zona, O que digo é que o governo e a CML querem que a zona seja cada vez mais
procurada, estimulando a construção de imobiliário de serviços,e naturalmente
valorizando o metro quadrado, incluindo aqui os serviço da moda, de raiz
informática (e contudo, uma das vantagens da informática é não exigir a
centralidade e a proximidade...)
E não aceito porque estudos de procura são um elemento de
análise, que nem deve ser o mais importante.
Verdade que a parafernália matemático-informática dos métodos de análise
constituem um deslumbramento para os decisores e os comuns dos mortais,
fascinados pelos algoritmos de mais ou menos learning machine. Mas eu circulo
mais terra a terra, preocupando-me com a forma e a facilidade com que se gere a
operação de uma linha, e a manutenção das infraestruturas e do material
circulante. Em vez de estudos de procura, eu preferiria o método TOD (transit oriented development): nenhuma habitação ou empresa distará mais de uma distancia pedonal razoável de uma estação de metro (half mile, p.ex.)
Aqui discordamos fortemente. O meu amigo diz que o decisor
tem o direito de decidir (eu diria que sim, mas à luz das leis predominantes, assim
como Bossuet decretava o poder divino delegado nos reis absolutos, assim os
seus, seus de Bossuet, émulos de agora sublinham o carater quase divino da
delegação por voto. O partido constituiu governo, logo, pode).
Nós portugueses temos esta grave limitação, de nos inibirmos
quando deviamos estar a organizar o trabalho de equipa e a planear as ações (ou pela ordem inversa, não interessa essa
discussão). Por isso os mecanismos de decisão, as mais das vezes de indecisão,
são o que se vê. Depois os nossos cronistas fazedores de opinião escrevem belos
artigos a dizer que assim não pode ser e que tem de se fazer de outro modo, que
têm de se fazer as reformas (quando dizem quais são o cidadão interroga-se,
mas isso não é a função normal, é preciso chamar reforma a isso?) e, tudo
ponderado, vem a saber-se que o cronista nunca desempenhou funções naquilo
sobre que opina.
Que é precisamente a minha crítica: o plano de expansão do
metro, elaborado com o apoio das administrações partidárias, fora das áreas de
operação e de manutenção do metropolitano,
desceu em agosto de 2009, de modo top-down, da secretaria de Estado, espalhou-se
pelas estruturas partidárias dos
transportes e erigiu-se em plano estratégico. Claro que por razões de
fidelidade partidária poderá ter havido exceções, mas pergunte-se hoje a
qualquer técnico de operação ou de manutenção do metro cuja resposta não
comprometa a sua estabilidade na empresa, e veja-se o que ele diz do plano, que
o cumprem porque têm de obedecer.
Notável é a eficiência da propaganda do governo e da CML
para “vender” o seu plano de exxpansão. Como aliás na capacidade de convencer
as pessoas que estamos bem. Não estamos, enquanto as importações valerem mais
do que as exportações não teremos autonomia, enquanto o investimento
privado(nacional e e estrangeiro)
continuar afastado da criação de infraestruturas, a economia não
descolará. E a nossa incapacidade de planear a longo prazo tudo agrava. Exemplo
disso a afirmação do senhor primeiro ministro que as linhas de alta velocidade
são e serão um tabu em Portugal. Pobres de nós, dependentes de negócios
limitados, com graves obstruções de ligação à Europa, enquanto a propaganda repete
a mentira de que Sines é a porta de entrada da Europa. Afirmação típica dos
inseguros perante portos concorrentes,
em Espanha e Marrocos, com volumes de
negócio muito superiores.
O complexo de hubris (orgulho sobranceiro e desmesurado) dos decisores não
aceita a sugestão do plano Juncker para o desenvolvimento das infraestruturas, ao disponibilizar gabinetes de apoio técnico. Vamos perdendo o “know-how”,
vamos deixando passar as oportunidades de candidaturas vencedoras a fundos comunitários, mas vamos orgulhosamente convencendo-nos de que são boas
soluções, a linha circular do metro, o aeroporto precário do Montijo, o parco plano ferroviário só até 2020, o infeliz metro do Mondego agora ameaçado de vir a ser um BRT atrofiado, a proposta circulação massiva de autocarros na A5, a ausência de estratégia para a linha de Cascais mas aspirando a ligar à saturada linha de cintura, o pobre
terminal agora rebatizado como de multi-usos do Barreiro (porque não confessam?
queriam fechar o terminal de Santa Apolónia, precioso para a nossa economia, e transferi-lo para o
Barreiro, para vender os terrenos para urbanizações de luxo... porque não
confessam?). Não são boas soluções, são más ou limitadas.
E são exemplo dos resultados dos métodos de tomada de
decisões que prevalecem entre nós e de que discordo. Por simples rejeição do
pensamento mágico e imediatista (pode dizer-se primário, mas a palavra ganhou
uma conotação pejorativa), que sem pensar uma segunda vez, ignora relações de
causa e efeito e o aprofundamento de melhores soluções.
Felizmente que no
metro ainda existe capacidade de projeto. Mas Murphy foi mais uma vez
implacável. Corria-se o risco de pôr bons técnicos a desenvolver maus projetos.
E se era possível fazê-lo, então fez-se mesmo. E repare o meu amigo que quase
um ano e meio depois do anúncio público do prolongamento Rato-Cais do Sodré,
ainda não existia, ao tempo da nossa conversa, solução definitiva para as
ligações dos novos viadutos do Campo Grande, nem para as ligações ao término do
Cais do Sodré. No primeiro caso, porque os parâmetros geométricos e de conforto
dos aparelhos de via e de dilatação colidem com a tortura de torcer as linhas
para fechar o anel ou para ligar Odivelas a Telheiras. A solução estrutural,
ainda não selecionada, poderá passar por encostar os novos viadutos aos
existentes e ligá-los por uma plataforma de dificil compatibilização com a
natureza pré-esforçada dos tabuleiros existentes e exploração para fazer a obra. Fica por cumprir a regra, em novos empreendimentos, de comparar variantes para escolher a solução final, quando nem sequer temos uma variante definida.
Do lado do Cais do Sodré, obra muito cara para escavar os aluviões e
aterros da 24 de julho (razão pela qual a construção em Alcantara dever ser em
viaduto), e mais uma vez dificil compatibilização o existente no término com as
pendentes e curvas e interferências com
os edifícios existentes ou a construir.
Nestas condições, como se diz na marinharia, devem-se
minimizar os danos. Se querem mesmo ligar o Rato ao Cais do Sodré, em vez de expandir para a periferia
(se Alcântara pode considerar-se periferia...). Deixem o Campo Grande como
está, os percursos de transbordo não são punitivos. E parem em Santos. Façam a
correspondência com a linha de Cascais através de passadiços cobertos com
tapetes rolantes.
A propósito, deram-me a informação que as estações entre
Odivelas e Quinta das Conchas movimentam cerca de 18 milhões de passageiros por
ano (à volta de 54 mil por dia, entradas e saídas) enquanto no Cais do Sodré,
de e para o metro, são 15 milhões (45 mil por dia). Isto é, o governo e a CML,
poeticamente elogiando a abertura da linha circular ao rio e a defesa da classe
operária (sic) da margem sul, estão mesmo empenhados em desenvolver o
imobiliário da avenida da República.
Mas voltando aos mecanismos de decisão. A ideia do plano de
expansão foi-se consolidando. Foi-se até aperfeiçoando. Por exemplo, espera-se
da introdução do CBTC a possibilidade de reduzir os intervalos. Compete-me
recordar que os automatismos devem permitir intervalos curtos com segurança,
mas a fluidez de exploração que permitem
tanto vale para uma linha circular como para as linhas normais desde que estas
disponham de infraestrutura para inversões alternadas, o que é o caso das
linhas amarela e verde.
E de facto, como disse, a existencia de aparelhos de via nos
que serão os términos intermédios da linha circular (Campo Grande, Alvalade,
Marquês de Pombal, Rato, Cais do Sodré) permite alguma flexibilidade na
retirada de comboios avariados em plena exploração. Vantagem de ao longo das
gerações termos construido términos com diversidade de aparelhos de via. Mas
curiosamente, enquanto nos términos das linhas normais o comboio a recolher
entra “de cabeça” e fica recolhido, no caso da linha circular isso só acontece
no Campo Grande e em Alvalade no sentido de circulação dos ponteiros do
relógio, obrigando a inversão (2 minutos só para mudança de cabina a somar ao
intervalo normal) nos outros casos. Repare que será possível sair "de cabeça" para Telheiras, mas perturbando a outra linha, Odivelas-Telheiras. E não argumente que na linha circular um dos sentidos pode funcionar quando há uma avaria no outro. Um dos piores acidentes em metros aconteceu precisamente por não ter sido interrompida a exploração na outra via, não aquela em que um comboio pegou fogo (como eu dizia à nossa simpática administradora, precisamos de 10 minutos para perceber o que se está a passar depois da deteção de uma avaria ou perturbação; é imprudente decidir sem o saber).
É pena os portugueses não se entenderem nestas questões
técnicas. O transporte ferroviário urbano encontra a sua justificação, acima
dos valores de tráfego próprios, na economia de energia primária consumida para
transportar um passageiro-km . E isso verifica-se mesmo que os modos
concorrentes, o autocarro e o automóvel privado, sejam elétricos. Acresce a
menor emissão de gases com efeito de estufa.
O que justificaria, por sua vez, o recurso a fundos
comunitários e ao plano Juncker. Cujas candidaturas exigem projetos que os decisores não deixam fazer. Seguindo uma
sugestão de Alfredo Marvão Pereira, uma voz lúcida na análise dos investimentos
públicos, se nos países desenvolvidos a média anual de investimentos públicos em
infraestruturas é de 2 a 3% do PIB, em Portugal deveriamos prever 0,5%, ou 850 milhões
de euros por ano. Poderíamos contar com 600 milhões de fundos comunitários e a
indução pelos multiplicadores de investimento privado. Num plano a 10 anos da
ordem de 15 mil milhões de euros. Mas a ordem vinda de cima, no país dos 17 mil
milhões de prejuízos dos bancos cobertos pelos contribuintes que andam de
metro, autocarro e automóvel privado, é: isso é tabu.
Em resumo, o que nos divide é no fundo a forma de organizar
o trabalho, de analisar o contexto e os fatores, e de tomar as decisões. É o
médico que decide se é necessário operar o paciente para lhe salvar a vida, não
é o administrador do hospital. Quando muito, este diz que não tem dinheiro para
garantir a operação, e que levem o paciente a outro hospital. Na decisão da
expansão de uma rede de metro deve ser determinante o parecer dos técnicos de
operação e de manutenção.
O que , mais uma vez na história do metropolitano, não foi o caso.
No contexto atual, a linha circular proposta está sujeita a uma taxa de avarias superior à do conjunto das duas linhas autónomas equivalentes, tem dificuldades acrescidas de regulação em caso de afluencia excessiva ou resolução de perturbações, não preenche os critérios de economia de energia e de manutenção que evita curvas e pendentes, e não serve a zona ocidental da cidade e constitui uma agressão ao património edificado sob a forma de alteração dos viadutos poente do Campo Grande.
Só me resta pois dizer: os decisores têm, no contexto atual, legitimidade para decidirem assim, e eu tenho legitimidade, como cidadão e como profissional com experiencia no metropolitano de Lisboa e contactos com redes homólogas, para dizer que é um erro que contraria o interesse público.
Mas no meio destas divergências, receba um abraço,
documentação relacionada em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2018/01/ultima-tentativa-ultima-chamada-da.html
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweih5IWO3ANff3kMxA
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