quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Da ligação do porto de Sines à Europa por terra


Em recente conferencia promovida pela sociedade de advogados SRS e pela revista Transportes em revista, o presidente do porto de Sines expôs com interesse as perspetivas do porto de Sines, nomeadamente a próxima ampliação do terminal existente e o concurso para a construção e concessão do novo terminal Vasco da Gama.
Foi referida a prevalencia do "transhipment" (cerca de 80% da movimentação, com tendencia para subir até 90%) relativamente ao "hinterland" e analisados os riscos em termos de diminuição de receitas do fecho das centrais de carvão e da redução do peso dos combustíveis fósseis nos transportes, concluindo-se pela conveniencia da instalação nas áreas adjacentes de industrias de assemblagem com vocação exportadora e de instalações de produção de energias renováveis e de hidrogénio.
Referida também a conveniencia da ligação ferroviária como porta de entrada na Europa e reconhecida a vantagem da ligação direta Sines-Grandola (para evitar as pendentes da ligação Sines-Ermidas), foi estranhamente considerada irrelevante pelo eng. José Cacho a adoção da bitola UIC. Foi afirmado o ponto de vista do governo e da IP, que não interessa para já essa adoção, e que ela só acontecerá quando a Espanha quiser e que o calendário de expansão da rede de bitola UIC em Espanha não é confiável.
Ora, esta posição contraria os compromissos de das redes transeuropeias TEN-T que previam para 2030 os corredores sul e norte totalmente interoperáveis, incluindo a bitola UIC.
Foi também afirmado que era satisfatória a construção do troço Évora-Caia em plataforma dupla e em via única eletrificada de bitola ibérica em travessas polivalentes, à semelhança do troço Plasencia-Badajoz, porque seria rápida ("quando a Espanha quiser") a transferencia da bitola ibérica para a UIC graças às travessas polivalentes.

Julgo pertinentes os seguintes comentários:
1 - provavelmente não se dirá, nos tempos que correm, em nenhuma região de Espanha, que uma infraestrutura que contribui para a economia só será feita quando Madrid quiser
2 - se vier a ser aprovado o PNI2030 que omite a bitola UIC, o objetivo das redes transeuropeias não será cumprido por Portugal.
3 - é verdade que a expansão da rede UIC de alta velocidade e mercadorias em Espanha avança lentamente. No entanto, avança, e no site da ADIF pode consultar-se o mapa do que já existe e do que se pretende fazer

4 - para além da ligação de passageiros e de mercadorias de Barcelona a França, a Espanha pretende ter a ligação do "Y" basco , desde a plataforma logística de Vitoria/Jundiz a França em 2023

5 - dados os elevados investimentos necessários e a estratégia espanhola de concluir a ligação para mercadorias e passageiros  Valladolid-Burgos-Vitoria e desenvolver  o corredor mediterrânico e a ligação à Galiza, também para mercadorias e passageiros, é crível que estamos perante mais um exemplo de má coordenação com Espanha dos recursos da peninsula, que se junta às deficientes interligações elétricas e gestão das águas. Assim, Espanha verá com muito bons olhos o desinteresse do governo português que lhe permite desviar para outros fins as verbas que nos convinha serem utilizadas nas interligações ferroviárias totalmente interoperáveis.

6 - tal como reconhecido no site da ADIF/Alta velocidade na alínea dedicada à linha Marid-Badajoz, a estratégia seguida por Portugal é definida pelos agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) de alta velocidade Espanha-Portugal (AVEP) e do corredor atlantico de mercadorias RFC4 (rail freight corridor nº4) de que fazem parte, para alé, da IP, a DB, a SNCF e a ADIF. É natural que não tenham interesse em ultrapassar os limites impostos à exploração atual da rede ibérica portuguesa e espanhola de ligação dos portos nacionais às plataformas logísticas de Espanha.

7 - contudo, a principal justificação de novas linhas de bitola UIC e parâmetros de alta velocidade (pendentes limitadas a 1,2% , raios mínimos de 5000 m, comboios de 750m, o que implica vantagem de maior eficiencia energética e portanto custos unitários de transporte na proporção de 1 em linha nova para 1,4 em linha de traçado antigo) consiste em que o volume total das exportações portuguesas de bens para França, Alemanha e Holanda é superior ao volume de exportações para Espanha  (em 2018: 16 200 contra 14 700 milhões de euros):

https://www.pordata.pt/Portugal/Exporta%C3%A7%C3%B5es+de+bens+total+e+por+principais+pa%C3%ADses+parceiros+comerciais-2346

Nas exportações de serviços verifica-se o mesmo com maior diferença:
França+Alemanha+Holanda=9400 e Espanha=3900:

https://www.pordata.pt/Portugal/Exporta%C3%A7%C3%B5es+de+servi%C3%A7os+total+e+por+principais+pa%C3%ADses+parceiros+comerciais-2349

Total de exportações de bens em 2018: 57800 milhões de euros, repartidos pelos modos:
rodoviário:  34830
maritimo:    17988
aereo:            3048
ferroviário:      444 (exclusivamente para Espanha)

total de exportações de serviços em 2018: 32900 milhões de euros
total de exportações em 2018: 90700 milhões de euros (cerca de 45% do PIB)

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=358630755&PUBLICACOEStema=55488&PUBLICACOESmodo=2


8 - relativamente à utilização de travessas polivalentes com o argumento de que é fácil a transferencia para bitola UIC, estima-se que o ritmo será de 1 km/dia/turno. Os 59 km de Plasencia-Badajoz tomarão, contando 3 turnos por dia,  3 semanas, e cerca do dobro para Evora-Caia.
 Pareceria mais prática a solução de travessas de 3 fixações duplas, para terceiro carril, que permite a utilização quer por comboios de bitola UIC quer de bitola ibérica. Esta é a solução usada no corredor mediterrânico em Espanha, nos troços de ligação entre troços de bitola ibérica e troços de bitola UIC, nomeadamente de e para os portos.
Nos desenhos seguintes ilustram-se esses tipos de travessas e apresentam-se 2 soluções propostas para passar de travessas normais de duas fixações duplas e de carris de bitola ibérica para bitola UIC, mas de que não há produção comercial.


Em síntese, dir-se-á que a ligação do porto de Sines à Europa através de uma linha de carateristicas interoperáveis incluindo bitola UIC será um fator favorável para o seu desenvolvimento e que por isso deveria estar inscrito no PNI2030 e submetido a candidatura para obtenção de fundos comunitários, quer através do programa de coesão, quer através do mecanismo CEF (connecting Europe facility).
Este objetivo contraria a situação atual em que a exportação por ferrovia é residual e apenas para Espanha, quando o transporte ferroviário é menos poluente e congestionante do que o rodoviário, mais rápido do que o marítimo e mais barato do que o aéreo





9 comentários:

  1. O.K. prezado colega Fernando Santos

    PERFEITO. Subscrevo, com um pequeno reparo: - Onde escreveu no seu último parágrafo, no condicional, "seria um fator favorável" deveria ter escrito "SERÁ um fator favorável".

    Com um abraço de felicitações por mais este seu brilhante trabalho, do colega

    Mário Ribeiro

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    1. Agradecido. De facto "seria" era um pouco pessimista. Acrescentei os dados de exportação por modo, com a inaceitável pequenez das exportações por ferrovia, ao arrepio do que diz a UE

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  2. Sobre o terceiro carril, li algures um texto escrito em Espanha sobre os muito problemas que essa solução levanta.
    O principal problema é que um carril tem o dobro das circulações dos dois carris opostos.
    Também em relação à catenária havia alguns problemas.
    A conclusão do texto é que a não ser que seja impossível por causa do espaço, é mais simples e barato a longo prazo construir duas linhas paralelas, uma bitola ibérica, outra UIC.
    Se encontrar esse texto, partilho aqui.

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    1. Julgo que é a solução que os espanhois estão a projetar para a plataforma de Vitoria/Jundiz, servida por bitola ibérica e UIC.

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    2. É este o texto a que me referia:
      https://politikon.es/2014/02/07/los-horrores-del-tercer-carril/

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    3. Muito obrigado. Trata-se de informação muito importante. Concordo com o autor, terceiro carril só em situações pontuais, provisórias e de baixo tráfego. Mas também concordo que o corredor mediterrânico e o atlantico devem ser em bitola UIC. O facto de Évora-Caia ser em via unica (embora plataforma dupla) mas Plasencia-Badajoz ser em via dupla (colocação em serviço em ibérica e mudança posterior para UIC sem perturbar o tráfego de uma das vias) ilustra como as soluções são diferentes em eficácia. Agradecido

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  3. As vias algaliadas só funcionam teoricamente. Ao nível dos aparelhos de via e de catenária são um problema. O pantografo galgar a fio de contacto por via das condições de assentamento da via, são alguns km de catenária out.
    Espere-se que os portos secos sejam a grande solução. Bom trabalho.

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    1. Penso que por isso mesmo é que são soluções limitadas no tempo e no espaço mas que os espanhois estão utilizando, como digo, à espera da instalação definitiva da bitola UIC. Relativamente à catenária descentrada, o ponto de contacto, em qualquer instalação correta deverá, em planta, perfazer Zs para não criar desgaste sistemático.

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    2. Sem minimizar os riscos para a catenária na solução de 3 carris, considere-se que o risco maior dá-se nas curvas, quer por efeito da secante na circunferencia, quer por efeito da escala, inclinando a caixa. Mas estamos a tratar de linhas novas em que o raio da curva é superior a 5000 m . Para atenuar o efeito da escala e da curva terão de se aproximar os postes de suporte da catenária.

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