Graças à atenção da webrails, aparentemente a unica publicação que
deu a notícia, tomei conhecimento da intervenção do ministro das
infraestruturas sobre as ligações ferroviárias à Europa em audição pública em
23 de abril de 2019, na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas da AR.
O senhor ministro ganhou fama de conciliador, de estimulador dos
chamados consensos. Mas terá, salvo melhor opinião, um modo de falar um pouco
truculento pela forma assertiva, pela segurança com que emite opiniões em
questões de alguma complexidade técnica e pela facilidade com que
"agarra" duas ou três palavras chave e alguns números caraterísticos
dos temas debatidos. E isto é tanto mais de apreciar quanto não se conhece ao
senhor ministro formação técnica ou experiencia nas questões técnicas sobre que
se pronuncia.
Não é que não tenha o direito de se pronunciar aobre os temas que
entender, mas não dispondo de formação técnica afim, parecerá imprudente
acreditar no que os assessores técnicos lhe dizem. Isto é, não podendo exercer
a análise crítica dos pareceres dos seus assessores ou consultores, como pode
confiar neles?
Provavelmente a resposta a esta pergunta será que o grupo político
a que pertence definiu uma estratégia, independentemente da validade de
argumentos técnicos pró ou contra, e a força desse grupo foi-se agregando em
torno da estratégia definida, que é agora defendida a todo o preço pelo senhor
ministro.
Só que este não é o procedimento ou método científico. As
hipóteses testam-se, não se ocultam, os resultados das análises comparam-se, as
opiniões ouvem-se, as decisões demonstram-se sem adjetivos, com números.
O conceito base associado à problemática dos transportes é o da
energia. Os transportes absorvem uma parte significativa do consumo da energia
primária disponível, entre 30 e 40 %. O consumo de energia através de
combustíveis fósseis traz a poluição e os efeitos climáticos que o colega
ministro do Ambiente invoca quando fala na estratégia da descarbonização e no
cumprimento das metas da união europeia.
Seria de esperar que a estratégia do senhor ministro das
infraestruturas estivesse alinhada com a politica da descarbonização.
Mas não.
Imprudentemente, o senhor ministro acreditou nos assessores, que
lhe disseram que a eletrificação das linhas existentes em falta resolverá a
questão. Os espanhois até já concordaram em eletrificar o troço Vilar
Formoso-Salamanca.
Mais acreditou que a beneficiação das linhas existentes conforme o
famoso plano ferrovia 2020 era suficiente.
Mais acreditou que a ligação adjudicada Évora-Caia era parte
integrante do corredor atlântico sul da rede transeuropeia de transportes
definida pelos regulamentos 1315 e 1316 da CE (se é bitola ibérica, se é via
única, o que impede uma rápida transição da bitola ibérica para a UIC com recurso
a travessas bivalentes, quando se deveria ter optado por travessas de 3
fixações, se no troço Sines-S.Bartolomeu se tem um declive de 2,2% , então esta
ligação não cumpre os critérios da rede transeuropeia).
Mais acreditou que concordando com a razão das críticas feitas ao
anterior ministro ganharia o benefício da dúvida e um mínimo de confiança
propício a entendimentos.
Reconheceu os atrasos no programa ferrovia 2020 (ex PETI3+), a
falta de recursos humanos na EMEF (“decapitámos a EMEF”) e de capacidade de
engenharia.
Declarou que “o Estado tem de garantir o financiamento para dar a
volta à CP” e até elogiou o plano ferroviário do BE (lágrimas de crocodilo de
quem o chumbou?).
Reconheceu as graves deficiências em investimento e quadros de
pessoal da CP , determinando que ela tem de ser honesta e pontual, apesar do
material circulante encostado e das supressões de comboios (recordo que também em
2016 o metropolitano chegou a ter 32 das suas 111 unidades triplas elétricas
encostadas, não à espera de reparação, mas à espera de peças importadas, de
que se destacavam os rodados; apesar dos constrangimentos descativaram-se
verbas e o pessoal do metro conseguiu anular o material nessas condições.
Infelizmente não é o caso da CP).
Mas imprudentemente ficou-se pelo diagnóstico, que era mais do que
conhecido, e nada disse de concreto para resolver os problemas.
Talvez no secretismo de círculos fechados haja planos concretos. A
falta de transparência é uma caraterística dos decisores portugueses.
Ver
e
Em contraste com esta postura
conciliadora e aparentemente humilde em parte, o senhor ministro, com a segurança do recém chegado
deslumbrado pela novidade mas imbuido do espírito de missão de quem veio
cumprir o objetivo superiormente definido pelo seu partido, declarou que quem
não tem a sua opinião, mesmo que tenha experiencia profissional em assuntos
ferroviários, que ele nem os decisores do seu partido têm, tem um fetiche pela
bitola e não quer debater a ferrovia .
Que é um debate inútil uma questão mais que resolvida, que não é
problema para coisa nenhuma e que os navios com mais algumas milhas estão em
Roterdão (o problema é a saturação do tráfego marítimo no canal da Mancha, a
distancia a que Roterdão fica do destino das cargas, e a poluição inadmissível
dos cargueiros, cuja tração tem de ser modificada para gás natural).
E portanto levar mercadorias recebidas pelo porto de Sines para a
Alemanha é inquinar o pensamento para a ferrovia.
Ver
Eu confesso que me surpreenderam os termos desta diatribe, inclusive
pelo carater ofensivo das palavras escolhidas. Mas vou tentar fornecer ao senhor ministro alguma
informação, e para isso lembrei-me de fazer este desenho.
Este desenho pretende sintetizar a situação a que a falta de
estratégia, ou melhor, a entrega da definição da estratégia aos chamados
agrupamentos europeus de interesse estratégico constituídos pela IP, ADIF, SNCF
e DB) conduziu Portugal. Deviam ser os órgãos de soberania portugueses,
devidamente assessorados pelo CSOP e em debate aberto, uma área de estudos e projetos hierarquicamente independente das áreas de operação e de manutenção, a definir as estratégias,
não estes agrupamentos.
Tal como o senhor ministro reconheceu, as empresas
portuguesas (ou as subsidiárias de multinacionais) ficam limitadas a
transportar por camião mercadorias para os portos secos espanhois de Vigo, Salamanca
e Badajoz, e por comboio de bitola ibérica, muitas vezes com tração diesel,
para estes, para Merida-Puertollano (Extremadura espanhola) e para a plataforma de
Vitoria/Jundiz, que a partir de 2023 estará ligada por bitola UIC à Europa.
Repare como no desenho aparecem as ligações em bitola UIC
para mercadorias Madrid-Vigo para substituir o corredor atlantico norte Aveiro-Salamanca,
e Madrid-Algeciras para substituir o corredor atlantico sul Sines-Madrid.
Infelizmente, as soluções que refere não são para evitar a
mudança de bitola, são para viabilizar a transição da bitola ibérica para o UIC.
Noto no entanto que se se referia às autopistas
ferroviárias, transporte dos camiões por comboio, estamos de acordo, só que os
comboios devem ser de bitola UIC, porque é isso que estabelece o livro branco e
os regulamentos da CE 1315 e 1316 (que aliás definem redes isoladas de bitola
não UIC como aquelas em que se devem minorar os investimentos - ideia da ilha ferroviária vem pois de
Bruxelas, não de um grupo de pândegos enfetichados, motivados pela necessidade das exportações atingirem pelo menos 60% do
PIB).
Nota final: dos dicionários: fetiche – “objeto a que se
atribui poder sobrenatural ou mágico e a que se presta culto”. É verdade que no
partido do senhor ministro se utilizam termos como este de forma coloquial,
como o senhor primeiro ministro quando se referiu a este problema da bitola UIC
e das linhas de alta velocidade como um tabu em Portugal por muitos anos. Dos
dicionários: tabu – “proibição de tocar em coisa por temor de punição por uma
força sobrenatural, escrúpulo aparentemente injustificado, sem fundamento”.
Não me parece elegante, esta forma de falar de assuntos
técnicos que envolvem interesses públicos , da energia, à economia, ao ambiente.
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