quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Comboios suprimidos, empresas públicas e privadas, carta em maio de 2019 a um cronista sobre estes temas

Caro Doutor
Li com muito interesse o seu excelente artigo sobre os suprimidos e peço licença para fazer alguns comentários que fará  o favor de atender ou simplesmente ignorar sem que com isso eu altere a boa apreciação que faço dos seus escritos.
Vou tentar deixar de lado a “ideologia e o preconceito”, como diz, se bem que isso seja impossível, embora não impeça que tentemos proceder como se fosse possível.
Sobre a caraterização da crise dos transportes urbanos, supressão dos comboios, concordo. Sobre a vantagem de correr sobre os carris eu acrescentaria, por clara deformação profissional, que para além de correrem são também um fator de economia, se de tração elétrica,  porque o consumo específico de energia por passageiro-km, em igualdade de desenvolvimento tecnológico e para os volumes de tráfego urbano, é inferior no transporte ferroviário quando comparado com o rodoviário (mesmo se este for de tração elétrica).
Isto mesmo advoga quando mais adiante refere que ao mau funcionamento dos comboios nas áreas urbanas se deve responder com a mobilidade descarbonizada e que é urgente o investimento na ferrovia urbana.
Mas quando diz que “se o Estado não é capaz de o fazer” (ter bons comboios urbanos com a revisão feita) deveríamos “olhar para os dois casos que funcionam melhor do que os outros” deixa-me na obrigação de lhe escrever.
De facto, sim, a “culpa” será da troika (esta tradição de procurar culpados em vez de evitar a repetição dos acidentes), mas como a privatização do metro de Lisboa não foi para a frente (já lá iremos como se diz nas entrevistas da televisão) eu diria que essa “culpa” foi contida, não foi nenhuma doença grave, suscetível de danos irreversíveis, uns cortes e umas demoras nas admissões para substituir reformados.
Mas também sim, é verdade, a “culpa” é das cativações. Eu próprio, como antigo funcionário do metro, em setembro de 2016, enviei um email ao senhor presidente da administração do metro a chamar a atenção que não podia ser, estavam 30 unidades triplas paradas, (um terço da frota; tudo o que seja mais de um décimo parado é mau) não à espera de revisão mas de autorização para encomendar rodados para substituir os que tinham ultrapassado os limites do desgaste. Depois de mais uns meses de angustia (passageiros à espera de comboios que não vinham, não nos horários, mas nos intervalos anunciados) e da mudança de administração, lá veio a autorização. Compraram-se os rodados à fábrica checa.
E depois, aqueles trabalhadores oportunistas e privilegiados do metro, foram paulatinamente repondo os níveis de operacionalidade da frota, até que em fevereiro deste ano de 2019 atingiram o zero de unidades à espera de peças (excluídas naturalmente as unidades em manutenção ou revisão normais).
Foi por causa desse esforço que eu quando comecei a ler “os casos que funcionam melhor” pensei que ia falar no metro de Lisboa.
Mas não, citou a FERTAGUS e o metro do Porto. Que são efetivamente dois bons exemplos, nada a objetar que a sua exploração seja privada. Mas como comprar os comboios, que é esse o problema principal? A FERTAGUS está agora a remodelar o interior das suas carruagens para caberem mais passageiros (lá se vai o indicador de conforto do projeto original) porque não oferece um preço aceitável para comprar as carruagens excedentárias da CP (excedentárias? Não devia haver carruagens excedentárias). Além disso, uma das razões do seu sucesso é não pagar à REFER o preço justo pelo uso das infraestruturas. Lá está, parcerias publico privadas em vez de serem win-win são normalmente win-loose. E depois as indemnizações compensatórias por passageiro-km costumam ser superiores ás das empresas públicas. Curioso, o meu colega da CP que foi arrancar há muitos anos com o sucesso da exploração da FERTAGUS voltou depois para a CP… ou dito de outra forma para que não diga que eu estou a diabolizar as empresas privadas: não é o facto da empresa ser pública ou privada que define a qualidade do serviço, são as pessoas que lá estão; de nada serve a empresa ser pública se a administração acata as cativações sem nada dizer; mas se não fornecerem os comboios à empresa privada, como pode ela funcionar bem?).
Quanto ao metro do Porto, sempre  foi uma exploração privada, longe de mim querer nacionalizá-la neste contexto.
Subscrevo também a sua sugestão de entregar o caso à Área Metropolitana. Mas com a prevalência dos decisores da câmara de Lisboa e o entusiasmo dos seus homólogos de Oeiras e de Cascais, receio que se dê a primazia a soluções de maior impacto mediático, como a linha circular do metro, o BRT (bus rapid transit) na A5 e o LRT (light rapid transit) de Alcântara ao Jamor, em detrimento dos pareceres técnicos que venham a ser emitidos pelo CSOP (Conselho superior de obras públicas).
De modo que , como há uns anos, durante aquela crise dos cortes dos complementos de reforma dos reformados privilegiados do metropolitano, fui fazendo uns cálculos sobre a problemática das subconcessões, das indemnizações compensatórias, do comparativo público-privado, pensei que a propósito deste artigo “suprimidos” podia mostrar-lhe esses cálculos.
É verdade que é uma leitura maçuda, só recomendável para quem precise de curar insónias, como aliás ficou provado com o notável insucesso do livro que com as minhas considerações publiquei, ninguém comprou, mas pode ser que goste de ler algumas coisas, por exemplo o que vem nas páginas 217, 220, 225, 227, 231, 238, 262:

Com os meus melhores cumprimentos e votos de que continue a escrever 

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