terça-feira, 6 de agosto de 2019

Ainda a comparação entre linhas independentes e linha circular




Amável comentador, a propósito do post
chamou-me a atenção para que a questão fundamental não era a discussão das vantagens e inconvenientes da linha circular do governo, embora essa seja uma questão relacionada, mas antes a inconformidade de se gastarem mais de 200 milhões de euros sem cumprir os objetivos do PROTAML, de servir com a rede de metro a parte ocidental de Lisboa e a região de Loures, numa perspetiva de 10 km de aplicação.
Dou-lhe razão, é a minha deformação profissional, deter-me em questões técnicas. E além disso, os grupos de cidadãos que têm combatido o corte da linha amarela têm-no feito melhor do que eu, como o debate de 5 de julho na AR demonstrou.
Mas voltando às questões técnicas de uma linha circular, não a da opção do governo, mas  de soluções ex ante, isto é, análises e estimativas antes da aprovação de um projeto de raiz, será talvez possível reduzir as desvantagens comparativas da solução circular face à solução linhas independentes equivalentes.
Este texto poderá por isso servir de inspiração, passe a imodéstia, aos jovens colegas que estão tratando dos projetos da especialidade da expansão oficial. Por razões deontológicas de um código não debatido de forma alargada mas apenas assente na prática imposta pelas hierarquias ao longo dos anos, procuro não debater diretamente as questões técnicas com os colegas no ativo. Longe de mim a ideia de os prejudicar nas suas relações com as hierarquias, nem sempre sensíveis à relevância das questões técnicas face às questões politicas. Pessoalmente, penso que deontologicamente tudo deve ser debatido com transparência e no âmbito público. Que o metropolitano deveria mostrar os seus projetos à medida que os vai obtendo. Mas não será a prática, embora nada impeça que utilizem  como bem entenderem qualquer ideia ou cálculo que eu tenha feito.
O inconveniente das linhas independentes com términos de inversão exigirem, para frequências mais elevadas, mais um comboio em linha, é possível eliminar com projeto adequado.
Analogamente, o inconveniente das linhas circulares de difícil regulação, por ausência de términos com capacidade de absorção das irregularidades de exploração, é possível eliminar ou, pelo menos, atenuar.

No primeiro caso (linhas independentes), cada término não terá zona de inversão (onde se “gastaria” um comboio adicional) e os comboios seriam canalizados da estação anterior alternadamente por duas vias para um ou outro dos dois cais de partida. Inexistindo zona de inversão a seguir ao término (caso por exemplo de uma estação terminal de metro em viaduto sobre a estação de Alcantara-Mar da linha de Cascais) seria necessário prever, em condições degradadas de exploração, a utilização de uma das vias entre a estação anterior e a estação terminal como resguardos de garagem para recolha de composições avariadas ou aguardando lançamento em exploração.

No segundo caso (linha circular) ter-se-ia de construir também uma zona de inversão com resguardos de garagem. O inconveniente das linhas circulares refletirem ao longo de todo o seu “círculo” uma perturbação em qualquer ponto do seu perímetro poderá ser minimizado com circuitos de inversão equivalentes a términos de inversão em cada extremidade de dois semicírculos em que se dividiria a linha circular, de modo a que num dos semicírculos pudesse continuar a exploração quando ocorresse uma perturbação no outro semicírculo (nota: por razóes de segurança elétrica e de movimento dos comboios, o estabelecimento de uma zona parcial de exploração numa linha nunca deve ser imediato, para se ter tempo de confirmar as condições de segurança com o novo esquema de exploração, o que continua a ser uma desvantagem comparativa relativamente às duas linhas independentes equivalentes; as zonas de inversão intermédias deverão estar ladeadas por zonas neutras para separação das zonas com e sem tensão de tração e  isolamento de eventuais injeções de tensão através das sapatas dos comboios que ultrapassem as zonas em tensão ) . Mais uma vez se duvida da viabilidade económica de introdução destes esquemas nas existentes linhas verde e amarela para reduzir as desvantagens de uma linha circular. Para quem sugira que se pode atenuar os efeitos de uma perturbação mantendo a circulação na via em que não ocorreu a avaria ou perturbação, recordo que um dos mais graves acidentes em metropolitanos ocorreu em Daewoo, quando um comboio circulando na via em funcionamento parou ao lado do comboio incendiado que paralisara a outra via e, por sua vez, pegou fogo; nos primeiros minutos após uma perturbação, não é possível, por mais automatizada que estiver a gestão,  reunir as informações necessárias para tomar as decisões corretas, e por isso o princípio da prudencia manda esperar até que as tenham).
Reitero que se trata de esquemas teóricos ex ante, isto é, antes da haver projeto aprovado, facilmente se reconhecendo que são soluções muito caras só utilizáveis com forte justificação. No caso da linha circular do governo as linhas existentes verde e amarela teriam de sofrer fortes alterações para suportar a minimização dos inconvenientes das linhas circulares e facilitar a retirada de um comboio avariado ou até minimizar as dificuldades de regulação por perturbações devidas a excesso de afluencia.

Em resumo, pode dizer-se que não se é contra a solução do governo por ser uma linha circular, mas sim por ser esta linha circular nesta aplicação concreta com as suas limitações, além de que, por mais que se minimizem os inconvenientes de uma linha circular, é evidente que, em comparação com as duas linhas independentes equivalentes (os dois semi-círculos equivalentes) a taxa de fiabilidade é pior porque a probabilidade de ocorrência de duas avarias simultâneas nas duas linhas é inferior à probabilidade de ocorrência de uma avaria na linha circular.

Apresento dois esquemas conforme descrito:

1 – esquema de término de linha independente sem zona de inversão posterior e com o mesmo número de comboios em exploração e intervalo entre comboios relativamente à exploração em linha circular para o mesmo número de km



 

Neste término de linha sem zona de inversão posterior para encurtar eventual viaduto consegue-se inversão alternada para reduzir os intervalos através de uma bifurcação na estação anterior ao término  e uma terceira via intermédia desnivelada. A  traço interrompido eventual transportador para mudança rápida de cabina pelo maquinista, situação apenas dispensável em condução automática sem condutor driverless ;  os pequenos traços verticais assinalam posições de garagem/resguardo; em situação degradada de exploração poderá utilizar-se a 3ª via para recolha de composição avariada ou para regulação após perturbação por excesso de afluência (absorção de atrasos). Por razões de segurança da circulação, o aparelho de mudança de via (bifurcação) deverá estar imediatamente à saída da estação anterior para, sendo de ponta, ser percorrido a menor velocidade.

2 – esquema de término intermédio em linha circular para recolha de material avariado ou para regulação após perturbação, ou para exploração parcial da linha estando uma outra parte fora de serviço




       









Neste término intermédio a via intermédia serve como resguardo para composições avariadas ou como garagem, e é acedida pelos aparelhos de mudança de via sem necessidade de interromper a circulação da via contrária; a inversão como término intermédio pode fazer-se em qualquer das duas estações. Este esquema poderá ser parcialmente alcançado com pequenas alterações em Cais do Sodré. Em Alvalade, beneficiando da primitiva função como término com dois cais de partida (como Cais do Sodré) e dois resguardos laterais, poderá também com algumas alterações preparar-se a estação como término intermédio com vias de resguardo e garagem laterais sem perturbação da circulação na via contrária (o que não será o caso em Campo Grande - correção em 10ago2019: no caso de perturbação na circulação em sentido contrário dos ponteiros do relógio da linha circular. será possível recolher um comboio avariado no troço atual entre Campo Grande e Telheiras, com necessidade de coordenar o movimento com a circulação na linha Odivelas-Telheiras).

PS em 15 de outubro de 2019 - 
I) Com as minhas desculpas por uma desatenção, chamo a atenção para que a exploração de uma linha não circular com o mesmo número de comboios, o mesmo comprimento  e o mesmo intervalo de uma linha circular só é viável com a mudança de maquinista e troca de cabinas de condução no cais terminal (condutores de reforço), o que é compatível com os sistemas CBTC (communications based traffic control) e ATO (automatic train operation) com ou sem presença de maquinista (driverless neste último caso). Esta nota completa o esquema acima nº1. 

II) O mesmo objetivo (igual número de comboios) se pode atingir com o esquema clássico de término em raqueta, muito utilizado em linhas de elétrico, mas que tem o inconveniente, para metro pesado, de exigir raios de curvatura superiores a 300m para minimizar o desgaste de material circulante e dos carris. Ver figura:

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