Graças ao Publico e à sua jornalista Maria João Lopes, tomo conhecimento do livro do pedagogo italiano Gianni Rodari, "O livro dos erros".
https://www.publico.pt/2020/09/13/opiniao/cronica/incerteza-respostas-certas-1931057
Como diz o autor, temos de conviver com os erros, porque fazem parte de nós, de os aproveitar, de reconhecer que são úteis, que alguns até são belos, como a Torre de Pisa. E que mais importante do que os erros ortográficos são os erros do mundo (deuses, porque não aceitam isto tantos portugueses à volta do acordo ortográfico?).
Lembrei-me logo do erro da linha circular. Também pode ser belo, metermo-nos numa carruagem e darmos a volta ao centro da cidade, sairmos onde espairecer, tratar de assuntos inadiáveis (como se houvesse assuntos inadiáveis), cumprir a obrigação contratual e fugir para outra zona, também central.
É verdade, há erros bonitos, mas não deixam de ser erros, existem técnicas para os corrigir e há a obrigação moral de os denunciar. Os erros até podem ser demonstrativos de grande capacidade organizativa e construtiva.
É também o caso da linha circular. O metropolitano de Lisboa continua a dar mostras de grande capacidade, de resiliencia, como agora se diz, de coragem, ao desobedecer claramente a uma lei da República, a 2/2020, cujo artigo 282 mandava suspender em 2020 a construção da linha circular.
O primeiro lote já está adjudicado (toscos Rato-Santos) e até tem o visto dos juizes do Tribunal de Contas. Se alguém disser que eu disse que os juizes ignoraram uma lei da República, eu, como dizia o outro, "nego" (será que recorreram ao expediente de dizer que o visto é válido a partir de 1 de janeiro de 2021? gostava de saber, mas contrariamente à Constituição, não tenho acesso à informação).
O segundo lote, toscos Santos-Cais do Sodré, foi objeto de aprovação da adjudicação (Mota Engil - 73,5 milhoes de euros, valor que duvido muito possa ser cumprido)
https://revistacargo.pt/metropolitano-de-lisboa-adjudica-segunda-empreitada-do-plano-de-expansao/
e aguarda o visto do Tribunal de Contas (o que suscita a dúvida, o processo será distribuido aos mesmos juizes que aporão o visto contrário à lei, ou a outros juízes que aguardarão o fim de 2020 e o cumprimento pelo metro daquilo que o artigo 282 e 283 da lei determinou? nada do que acontecer poderá surpreender, quando um acusado contemplado com a pena mínima numa instancia é depois condenado à pena máxima na instancia seguinte, coisa parecida, guardadas as devidas distancias, com o que me aconteceu há anos numa pequena ação numa cidade de provincia, a primeira instancia decidiu a favor de mim, e a seguinte contra, sendo certo que a primeira juiza tinha vindo de fora e que os segundos juizes e interessados se conheciam bem e tiveram o cuidado de especificar que não havia recurso; mas como digo, não deve surpreender, quando um presidente da República inaugura um ano judicial desejando a aplicação de 85 medidas reformadoras, e 5 anos depois nem uma o foi, coisa semelhante à disparidade com o que se passou em Macau, com a transição foram incorporadas reformas juridicas que em Portugal ainda não se concretizaram; ou citemos mais uma vez os casos em que Portugal foi condenado no tribunal dos direitos humanos da União Europeia... não nos surpreendamos).
Também não devemos surpreender-nos com o tom laudatório do comunicado do metro, destacando a contribuição para a descarbonização (mesmo erros de palmatória no planeamento de redes de metro podem contribuir para a descarbonização, se bem que neste caso a maior atratividade para os moradores na linha de Cascais é compensada pela menor atratividade para os moradores na linha de Odivelas, sendo que as estatísticas rezam que o volume destes tem excedido o daqueles). Diz ainda o comunicado que melhorará a mobilidade na cidade de Lisboa, o que seria mais correto dizendo a mobilidade no centro de Lisboa (mas nesse caso teria de se reconhecer que o EIA ignorou o PROTAML).
O terceiro lote (toscos da estação e viadutos do Campo Grande - proposta mais baixa 19,5 milhões de euros, igualmente um valor dificil de acreditar como sendo cumprível, sendo o empreiteiro o mesmo que foi protagonista, na aceção do teatro clássico grego, de um célebre episódio na beneficiação do tunel do Rossio da CP e do acidente de junho de 2000 no Terreiro do Paço)
https://revistacargo.pt/expansao-do-metropolitano-de-lisboa-juri-avalia-propostas-para-a-terceira-empreitada/
Neste caso, há a salientar a agressão paisagistica que a inserção de dois novos viadutos comete e o eufemismo com que o comunicado do metro refere que a estação será ampliada para nascente. Não é uma ampliação, é a deslocação para nascente dos cais sul por motivo da inserção dos novos aparelhos de via ligando a linha verde à linha amarela em tabuleiros pré-esforçados e com juntas de dilatação. De salientar que dificilmente se poderá realizar a obra sem interrupções prolongadas de vários meses. No caso da ligação dos novos viadutos, do serviço Campo Grande-Cidade Universitária e Campo Grande-Telheiras se primeiro se deslocarem os cais sul. No caso da deslocação dos cais sul, do serviço Alvalade-Telheiras (além de se ficar com menos uma ligação ao PMOII).
Mas, como se disse acima, há erros em que se mostra o virtuosismo tecnicista dos autores do projeto e dos construtores. A inserção dos dois novos viadutos e respetivos aparelhos de mudança de via ( e de dilatação) exigiu um projeto aturado, e a sua construção vai ser complexa devido às dimensões disponíveis e à natureza pré-esforçada dos viadutos existentes. Neste aspeto, o metro pode orgulhar.se de ter técnicos a nivel de execução de primeira linha. Não pode é orgulhar-se do mesmo ao nível da alta direção decisória, até porque, sendo verdade o que diz o comunicado, desde 2009 que há"estudos" (há mas não são mostrados) , também é verdade que há "estudos"(por acaso mostrados), que desde então criticam a opção pela linha circular.
E para que não se diga que só critico, repito a ligação para as propostas de utilização dos 83 milhões de euros do POSEUR mais de acordo com a lei 2/2020:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/06/considerando-que-os-mapas-de-despesa-do.html
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/sugestoes-para-expansao-do.html
PS em 14 de setembro – Perante os inconvenientes da
intervenção no Campo Grande, deve ser
apoiada a proposta de muitos cidadãos: abdicar da obra no Campo Grande,
transformando a linha circular em linha em laço ou espiral, tal como aconteceu
com a própria linha circular de Londres, que em 2009 foi transformada em linha
em laço para minimizar as perturbações de exploração.
No caso de Lisboa, essa linha será extensa (Odivelas-Campo
Grande-Marquês de Pombal-Rato-Cais do Sodré-Alameda-Alvalade-Campo
Grande-Telheiras) mas será menos sensível às perturbações que uma linha
circular pouco extensa tem, em termos da propagação destas e tendência para paralisação com excesso de afluência.
Considerando que os eixos de penetração dos comboios
suburbanos já intersetam a linha verde e a linha amarela em Entrecampos,
Areeiro e Cais do Sodré, relativamente à linha circular a linha em laço apenas
penaliza os pares origem-destino com origem ou destino em Alvalade/Roma e av.Republica/Marquês
de Pombal, e mesmo assim, tal como atualmente, será possível fazer o percurso
apenas com um transbordo. É um inconveniente
muito menor do que os inconvenientes da intervenção no Campo Grande.
Insiste-se portanto, se o governo e a CML insistem no
projeto da linha circular, que ao menos, se prescinda da intervenção no Campo
Grande. Se não aceitarem a proposta, ao menso façam um referendo, como em Chaves, a propósito da ponte romana, ou no Lichstenstein, a propósito da ferrovia.