domingo, 24 de janeiro de 2021

Financiamento de 60 milhões aprovado para o metrobus do Mondego

 

Em 15 de janeiro de 2021 o Público noticiou a concessão do cofinanciamento comunitário de 60 milhões de euros para o metrobus do Mondego.

https://www.publico.pt/2021/01/15/economia/noticia/bruxelas-aprova-financiamento-sistema-mobilidade-mondego-1946549

As muitas reservas sobre o processo do metrobus do Mondego já foram tornadas públicas, perante a indiferença e superioridade dos seus promotores e decisores. São argumentos contra: a menor eficiência energética do autocarro elétrico relativamente ao modo ferroviário tecnicamente atualizado; a reduzida experiência com o guiamento ótico; a perda das ligações diretas na estação de Coimbra-A  á Figueira e Aveiro; a não construção de um cruzamento desnivelado no largo da Portagem.. 

Análise técnica nos endereços seguintes: 

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2017/06/lamento-pelo-metro-do-mondego-ou-com.html

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/05/metro-do-mondego-vi.html

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/01/comentario-consulta-sobre-linha-do.html

 

 


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Numa cidade virada ao sol ...

 Naquela cidade virada ao sol, num país distante, havia duas empresas de transporte, uma a Formimet e outra a Cigacarr.

A cidade não era muito grande, e as duas empresas também não, mas a população tinha-se estendido pelas imediações e assim as duas empresas, e todas as outras que entretanto tinham sido criadas na envolvente, não conseguiam transportar com comodidade e regularidade os que dela precisavam.

Dera-se o caso dos grandes bancos internacionais terem contido, durante um largo período de tempo, as taxas de juro. Em vez de aproveitar o facto para aplicar o dinheiro em estruturas de transporte ferroviário, com grande capacidade de transporte, os governantes acharam melhor e mais económico encher a cidade e as vias rápidas que lhe davam acesso de pequenos carrinhos em que os cidadãos se deslocavam congestionando as ruas da cidade e as vias de acesso. Viviam em paz com a sua consciencia, os governantes, porque cada carrinho pagava o seu imposto, consumia combustível que as companhias estrangeiras forneciam e muita gente tinha trabalho para manter tudo a funcionar. 

Porém, nunca se pode estar descansado, e ocorreram, inesperadamente, acontecimentos terríveis. Primeiro, os grandes bancos internacionais cansaram-se do nível das taxas de juro e acharam importante subi-las, para verem como o planeta reagia. Não reagiu bem, a nossa cidadezinha. E para compensar a subida das taxas de juro, foram-se cortando tudo o que se parecesse com investimentos e gastos públicos, da saúde à educação, dos transportes à energia.

Depois, apesar de todas as limitações impostas pela reação à subida das taxas de juro, o número de carrinhos cresceu de tal forma, propagando-se como onda a rebentar na praia, que tornou a cidade feia, com os carrinhos por todo o lado, parados ou em movimento, infiltrando-se no tecido urbano, enquanto surgiam novos elementos móveis que, juntamente com os carrinhos, infernizaram a vida dos pobres cidadãos e cidadãs que se movimentavam nos passeios, agora partilhados com os novos elementos móveis. Os hospitais, já de si limitados pela furia de compensação das taxas de juro elevadas,  ficaram assoberbados com tantos braços e pernas partidos que obrigavam a adiar outros tratamentos importantes. E claro que nem pensar em gastar dinheiro público nos investimentos para uma nova ferrovia, quer para o serviço da cidade, quer para a sua envolvente, quer até para viabilizàr comboios de mercadorias para vender alguma coisa  no estrangeiro longínquo que amenizasse as contas.

O conselho de ansiãos da cidade, que até então não era ouvido pelos cidadãos e cidadãs, viu finalmente aprovadas pelos deputados as suas sugestões. Foi rapidamente enviado um pedido aos paises estrangeiros longínquos para fornecimento de assistencia técnica para elboração dos planos desenvolviemnto das redes de transporte ede assitencia financeira para a sua implementação.

Os mais pequenos

 Quando eu era menino e andava na catequese, impressionava-me aquela história do bom pastor, que deixava o rebanho para procurar o cordeirinho, o mais pequeno do seu rebanho que se tinha perdido. E vinham as recomendações que nunca nos desviassemos dos locais seguros do rebanho, mas que apreciassemos a misericórdia do bom pastor, preocupado com o mais pequenino. Mas preocupava-me deixar-se o rebanho à sua sorte, ou à guarda do cão, e ir à procura do transviado. Qualquer estratega diria que desviar o cordeirinho podia ser uma manobra de diversão para atacar o rebanho desguarnecido. 

Muitos anos  depois ensinaram-me, a propósito da manutenção de postos de transformação ou de subestações elétricas, que não deve haver um bom pastor, mas pelo menos dois técnicos para fazer o seu trabalho, porque se um deles tiver um problema o outro poderá pedir ajuda.

Isto recordei ao ler as instruções da Comissão Nacional de Eleições, que do alto do seu pedestal informava que os cidadãos ou cidadãs que testassem positivo ao virus do Sars-Cov2 ou que fossem classificados como tendo tido contacto com alguém com a infeção, a menos de 10 dias das eleições, não poderiam votar.  

A minha formação jurídica é nula, mas a mim me parece que é uma disposição anti-constitucional. A CNE deveria recorrer a um meio que permitisse a votação, ainda que o tempo de contagem dos votos empurasse os resultados oficiais para mais tarde. 

Mas a resposta estará noutro comunicado da CNE, impante segundo o costume cada vez mais vulgarizado entre organismos oficiais, da própria superioridade e da certeza de que a solução adotado é a melhor, a propósito da recusa do voto postal e do voto eletrónico. Existem empresas de software que desenvolveram programas para o voto seguro pela internet. Isso foi comprovado nas eleições nos USA. Mas a CNE diz que cada vez há menos países a adotar o voto postal ou eletrónico (por sinal na Suiça parece ser maioritário e um ótimo recurso contra a abstenção) e que ele tem o grande inconveniente de facilitar a fraude. É uma pena os informáticos não explicarem à CNE e aos deputados da AR (constitucionalmente quem poderia adotar o voto postal ou eletrónico) o que seria preciso fazer para termos uma eleição segura. 

Uma pena que os mais fracos,  apanhados naquela janela de 10 dias, não possam votar. 

E parece que não haverá bom pastor que os socorra, São abandonados à sua abstenção. 

Mudança de atitude perante as dificuldades, precisa-se, vontade de resolvê-las com planeamento, precisa-se.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Enquanto na Europa se discute o que ou quando fazer ...

 O tráfego ferroviário China-Europa continua  crescer. 

Realizados em 2020  12.400 comboios China-Europa (cerca de 34/dia) correspondendo a 1,14 milhões de TEUs de 20' (cerca de 3.130 TEU/dia e 92 TEU/comboio ).

Informação retirada de

http://english.www.gov.cn/archive/statistics/202101/11/content_WS5ffbb930c6d0f725769439bf.html

ainda os prédios da rua General Garcia Rosado e a sede da PJ

Na construção da sede da Policia Judiciária em Lisboa pela Opway, no seguimento de um processo que se desejaria bem esclarecido se terá sido como compensação pela desistencia da construção da sede no Porto, foi cometido um erro grave. Foram construidas caves e respetivos acesso no limite do terreno, muito perto da vertical da empena de um prédio que era o ultimo de uma banda e com um desnível significativo. Faltou a construção de um muro de contenção com pregagens e estacas de contenção. Isso mesmo pode ser verificado visitando o local, do lado da rua da Escola Farmaceutica (ver

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/02/tem-razao-o-bastonario-engenharia-e.html        ), e confirmado no relatório da A2P, um excelente gabinete de engenharia de estruturas (ver

https://www.publico.pt/2021/01/16/local/noticia/moradores-predio-evacuado-ha-ano-junto-sede-pj-continuam-casas-1946335  ).

Nesta mesma noticia pode ler-se o prejuizo para os moradores, o arrastar das burocracias e o passa-culpas do Ministério da Justiça, de que depende a PJ, que nada o dignifica.

Tudo isto será um problema de mentalidades, desde o oportunismo vivaço do arquiteto ou do promotor da obra que quis aproveitar o espaço para as caves e respetivos acessos  (a Ordem dos Arquitetos deveria combater este oportunismos), até á leviandade com que se executam projetos para rentabilizar através da economia de tempo a sua elaboração (a Ordem dos Engenheiros deveria intervir) e aos burocratas que eternizam os processos (este é um problema cultural que só nas escolas se poderia combater).


PS em 20jan2021 - Para se avaliar a inconformidade de todo o processo relativo à sede da PJ e a desculpabilização sistemática da senhora ministra da Justiça, ver esta notícia:

https://zap.aeiou.pt/sede-pj-burla-gestao-danosa-235736

Como pois admirarmo-nos de que tenham sido prejudicados e desprezados os moradores do prédio afetado? Como confiar na Justiça em Portugal? Porque não atua o Ministério Público? Porque não intervem eficzmente a CML?

Por outro lado, qual seria a melhor solução? Demolir o prédio e construir um novo com caves à profundidade das da PJ, efetuando as devidas estacas de contenção no prédio vizinho. Mas isto porque não se desenvolveu em Portugal o negócio da reconstrução do edificado, de modo a reduzir-se o preço das intervenções, numa altura em que era importante fazê-lo não apenas pela recuperação em si das habitações, mas também pela necessidade de reforço anti-sísmico e de isolamento térmico das habitações (e consequente redução de consumos para arrefecimento e aquecimento). No entanto, considerando os problemas de mobilidade (o estacionamento de automóveis é um cancro no urbanismo) a solução teria de ser integrada e não prédio a prédio, eventualmente com emparcelamento (exemplo: fusão num só de 3 anteriores artigos matriciais).





sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A nossa Transit Village



A nossa Transit village

 

 

O meu amigo que se especializou nas teorias da mobilidade urbana com meios ligeiros, refiro-me por exemplo aos elétricos (tramways) ou até ao metro de superfície, está sempre a recordar-me as vantagens e os sucessos dos municípios que aplicaram as ideias de Bernick e Cervero, que em 1997 publicaram a bíblia das Transit Villages.

De vez em quando mete-se num avião e vai a Paris, a seminários de promoção da teoria, ou a Karlsrhue e de lá regressa com a sua fé ainda mais consolidada.

Transit Villages, de tradução difícil, como sempre acontece quando poucas palavras tentam concentrar conceitos profundos e experiências de aplicação com impacto nas cidades.

Eu traduziria como Cidadezinhas em trânsito, embora não sejam as pequenas cidades, ou bairros suburbanos, ou vilas, que estarão em transito, mas sim as pessoas, que são o que deve interessar quando se estuda a mobilidade. Cidadezinhas com vida própria, que não sejam dormitórios, que tenham locais capazes de atrair e manter pessoas, de não ter apenas serviços para a manutenção da vida própria mas atrair empresas produtivas e geradoras de animação local.

Costumo dizer ao meu amigo que, sem desconsiderar a ideia Transit Villages, me inclino mais para o conceito TOD, Transit Oriented Development, que será mais abrangente, que também substitui a dispersão suburbana mas pela integração dos bairros por meios potentes como o metropolitano, subterrâneo quando a malha urbana é densa,  e complementado por meios ligeiros, como os elétricos (tramways), o LRT “light rail transit, e, preferência minha, cabinas autónomas requisitadas “a pedido”  em percursos segregados, além dos modos suaves, pedonal e ciclável, como qualquer presidente de câmara sabe. Ou talvez não, talvez nem todos os presidentes de câmara sejam adeptos das ciclovias, mas disso já falarei depois. Que qualquer cidadão ou cidadã tenha a uma distância cómoda um meio de transporte eficiente.

Mas voltando ao Transit Villages, sucedeu que há uns tempos me interessei pelo problema da expansão do metropolitano além de Odivelas até Loures. De onde se prolongaria, assim que se disponibilizasse financiamento, até à Malveira, onde se recolheria o fluxo  de passageiros rodoviários ou em automóvel privado do eixo da Ericeira, da linha do oeste de Torres Vedras,  Mas a opinião pública terá achado que o prolongamento de Odivelas a Loures deveria ser por uma linha de elétrico (tramway) ou metro de superfície (LRT). Tal como o meu amigo sempre disse.

Resolvi por isso dar um salto a Odivelas, para ver até que ponto ela já seria uma Transit Village. E também que tipo de meios de transporte se poderão adequar a todo o município e ao de Loures.

A estação de Odivelas está inserida numa encosta, com uma saída inferior para a correspondência com as carreiras rodoviárias, e uma saída superior que dá para uma praça pedonal e ladeiras também pedonais e ajardinadas para a praça de táxis e para o jardim encantado (é assim chamado), através dum túnel, sob a via rápida que serve a Ramada, a freguesia a norte de Odivelas, e acede à CREL. Gosto do projeto de arquitetura da estação e dos acessos.

Fui de manhã, com a ideia de tomar o pequeno almoço num café, observando o movimento. Assim foi, junto da estação, no plano superior da praça pedonal, uma simpática pastelaria. Enquanto passava os olhos rapidamente pelo jornal do dia pensei que a envolvente arquitetónica serviria perfeitamente de cenário para aqueles filmes sentimentais americanos para a televisão, ou mesmo franceses, pontos de encontro depois de anos de separação de quem se encantou durante 3 dias em Paris.

Achei que já era um bom argumento para validar Odivelas como Transit Villages  fazer-me lembrar Paris e os apaixonados por três dias.

Na mesa ao lado da minha, uma senhora ao telemóvel explicava que o andar tinha uma ótima exposição solar e vistas para as Patameiras e as colinas já de Lisboa. Era um pouco caro e ainda era preciso andar 10 minutos depois da estação de metro, mas valia o dinheiro. O bairro é muito bonito e tem restaurantes muito apreciados, vem gente de fora. A senhora seria promotora imobiliária por conta própria.

Na outra mesa, um homem instruía o interlocutor sobre como deveria responder á notificação da Autoridade Tributária. Será advogado.

Ao fundo da sala, homens com o aspeto de professores, almoçavam já, apesar de ainda ser cedo.

Um grupo de três senhoras entravam na pastelaria em amena cavaqueira a que juntaram a simpática funcionária (digo simpática porque se apressava a perguntar solicitamente o que desejava a quem se sentava) combinando qualquer coisa para depois da saída do trabalho, eventualmente relacionada com trabalhos de costura.

À minha frente, um casal, aparentemente na casa dos quarenta anos, pareciam personagens da trama que referi. Trocavam presentes, que ainda estávamos nas festas de Ano Novo, mas como se não se vissem há anos e como se depois daqueles breves instantes regressassem às suas casas e famílias.

Como dizia a senhora imobiliária, as urbanizações mais cotadas de Odivelas espalham-se pelas encostas acima, contornando as linhas de água de margens quase selvagens. Vale que o passeio a pé é agradável porque as avenidas têm passeios largos e os separadores são marcados por longas filas de palmeiras, da espécie washingtonia. Mas não há ciclovias, pode andar-se calmamente nos passeios. O que é natural, as ladeiras são íngremes, nalgumas ruas o declive chega aos 15%, por mais eletrificada que seja a bicicleta, é muito.  

Temos assim uma densidade elevada porque a urbanização baseia-se em blocos habitacionais com um número significativo de andares.  A tónica dominante é a do transporte individual, que a estação de metro ainda está longe. Mais para cima, no caminho para a Ramada, os Bons Dias e Caneças, o tipo de habitação é de menor densidade; possivelmente as pessoas, nos anos 60, quando a migração do  interior para a capital se agravou, terão construído as suas moradias sem projeto de arquitetura nem de infraestruturas nem plano de urbanização. Por maioria de razão, predomina o transporte individual. De vez em quando, passa um autocarro de uma de várias empresas de camionagem.

Como servir toda aquela área de terreno acidentado? Como reduzir a quota do transporte individual?

Bem, certamente que o meu amigo, inspirado nos sucessos de Karlsruhe, encontrará soluções, mas eu insisto, poderíamos definir uns percursos segregados para cabinas autónomas requisitadas a pedido a partir da internet ou das estações de metro, onde estarão sediadas frotas de aluguer, de bicicletas e automóveis e, naturalmente, os parques de estacionamento para o transporte privado. Isto é, onde outros municípios alegremente projetam ciclovias, reduzindo a largura das vias para automóveis, aqui poderiam projetar-se podlanes. Pod de casulo, ou cabina, e lane, ou via. Claro que para concretizar esta ideia seria necessário que o próprio metro desenvolvesse os estudos prévios de integração modal, modo pesado-modo ligeiro-modo muito ligeiro. 

Tenho de voltar a Odivelas, a nossa Transit Village

  


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O mapa das redes ferroviárias transeuropeias TEN_T e o proposto alargamento do Corredor Atlântico (dez2020)

 

mapa dos corredores ferroviários das redes transeuropeias TEN_T: o corredor atlântico está representado a amarelo

Aumento proposto para o corredor atlântico para 2030 (rede core), incluindo ligações ferry de e para a Irlanda e Canárias, e novos troços galaico-cantábrico, sudoeste andaluz e Zaragoça-Vitoria; representada a via fluvial do Douro


sábado, 2 de janeiro de 2021

Intervenção política sob a forma de comentário sobre duas questões técnicas a que estou ligado

 Há duas questões a que atribuo grande importancia pelos constrangimentos que introduzem no desenvolvimento de empreendimentos:

1 - o secretismo dos decisores, a quase todos os niveis, com particular gravidade ao nivel ministerial e ao nivel da alta direção das empresas, quer públicas, quer privadas

2 - a reivindicação, a nível do governo, da exclusividade de competências, quando constitucionalmente não é assim

Em consequencia destas duas atitudes, graves prejuizos são provocados em atividades de interesse público.

1 - o secretismo

Existe de facto uma cultura do segredo. O provérbio diz que "o segredo é a alma do negócio". Mas não será, pelo contrário pode ser a morte do negócio. Graças ao desenvolvimento do método científico, aquilo que se descobre deve ser posto ao serviço das comunidades (século XVIII, criação da Academia das Ciencias na Inglaterra, com essa obrigatoriedade). Nesta perspetiva, a apropriação de um segredo para fins lucrativos constitui crime contra o interesse público. O argumento que o interesse do lucro estimula a criatividade e a concorrencia e acaba por beneficiar o interesse público tem consistência, mas recorda-se o exemplo do criador da vacina contra a poliomielite, já recebo o meu ordenado no laboratório da minha universidade, não preciso de registar nenhuma patente.

Mas não é preciso discutir motivações, consideremos o artigo de Paulo Pena/Investigate Europe no Público de 2020-12-19:

https://www.publico.pt/2020/12/19/mundo/noticia/conselho-ue-segredo-regra-atinge-legitimidade-ue-1943521

de que destaco as críticas da provedora (European Ombudsman) da União Europeia, Emily O'Reilly : a falta de transparência torna  " praticamente impossível que os cidadãos saibam como surgiu uma lei", o que " mina o seu direito de pedir contas aos seus representantes eleitos" e "visa o próprio cerne da legitimidade da União Europeia".

Trata-se de uma situação muito grave que contraria os artigos do TFUE (tratado de funcionamento da UE) :

-  o art.10.3 : "Todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da UE. As decisões são tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível "

- o art.15.3 :  "Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ... que residam ... num Estado-Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União,"

É desgostante ver os governantes continuarem a invocar o segredo. Apesar das insistências dos partidos, continua a ignorar-se o conteúdo do contrato de venda do BES. É ilegal, porque as disposições legais da União prevalecem de per si sobre quaisquer cláusulas de confidencialidade, mas permanece a ilegalidade. Citando João Costa Pinto, também no Público, de 20 de dezembro: "Infelizmente continua a prevalecer entre nós uma cultura que muitas vezes não favorece o escrutínio público e a avaliação transparente de atos e decisões que envolvem interesses públicos relevantes. Questão de importância crítica em democracia."

É desgostante ver, à medida que se desce na escala hierárquica de decisões, o zelo secretista dos funcionários.

Os deputados municipais da câmara de Lisboa requisitaram há anos ao metropolitano de Lisboa os "estudos" que fundamentaram o EIA e a aprovação da linha circular. Não foram fornecidos.

Pessoalmente solicitei à CML informação sobre os procedimentos de monitorização da estabilidade do túnel do metro e dos edificios envolventes nas obras de remodelação. Não recebi a informação.

Relativamente a grandes investimentos públicos de transportes, existe informação sobre os planos, por  exemplo o Ferrovia 2020 e o PNI 2030, mas é muito geral e não são patenteados os pormenores de projeto, ou pelo menos dos estudos prévios. Aliás, as decisões são tomadas em secretismo de modo a tornar irreversíveis as opções, sem que os cidadãos possam comparar com as alternativas. Por exemplo, o XXII governo e o metropolitano de Lisboa receberam a incumbência, pela lei 2/20 do orçamento de Estado para 2020, de estudarem planos de expansão para o metro e para a mobilidade na AML. Foi tornado público que o metropolitano estava a estudar o prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra/Santo Amaro, e que a CML tinha assinado um protocolo com 3 câmaras da AML. Mas todos os intervenientes se escusam a divulgar pormenores para que os cidadãos pudessem avaliar alternativas.

É a cultura do secretismo e da encenação de revelações fruto de um trabalho aturado e acima de qualquer crítica.

Eu diria que pode ser uma consequência da crença exgerada nas virtudes de pertença a um grupo restrito em cuja integração se compensam as inseguranças individuais, se vai consolidando a opinião dos membros em torno de uma opção do decisor máximo de inspiração ad hoc, e se ignora a gravidade de manifestações dissociativas em relação à realidade. 


2 - a reivindicação pelo governo da exclusividade de competências

Trata-se de uma opção classificada por muitos como arrogante e supremacista  a que o governo dá enfase quando contrariado por uma decisão da  Assembleia da República, queixando-se, como menino contrariado, que lhe querem usurpar as competências, que não respeitam o princípio da separação de poderes. 

Isso aconteceu , como referido acima, com a lei 2/20 do orçamento de Estado para 2020 aprovada pela AR. Imediatamente distintos dirigentes do partido do governo foram para a televisão dizer que decidir os traçados de uma rede de metro era uma competência exclusiva do governo. Será? Pensar que há dezenas de anos que nalguns países a decisão é por referendo popular...

Cito palavras do 1º ministro do XXII governo a propósito da hipótese de discutir o plano de reestruturação da TAP na Assembleia da República: "quem governa em Portugal é o governo" e "não vale a pena o governo ter a ilusão de que pode transferir para outro orgão de soberania aquilo que só a ele lhe compete fazer ... seria aliás um erro que assim fosse".

Não sei se o senhor primeiro ministro tem alguma cultura náutica, mas governar uma embarcação, ir ao leme, significa levar a embarcação segundo um rumo decidido por quem o deve decidir, e que muitas vezes não é quem vai a governar, ao leme (que tem, digamos, o poder executivo, de executar o dito rumo).

Mas centremo-nos no aspeto jurídico, que é aliás a formação do senhor primeiro ministro, começando pela Constituição da República Portuguesa :

- art.2º - "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático ... visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa"

Não queiramos uma utopia a curto prazo, contentemo-nos se o governo considerar o conceito de "participativo", ao menos para não desconsiderar quem acredita do artigo 2º .
- art.37º.1 - " Todos têm o direito ... de ser informados, sem impedimentos nem discriminações"

- art.48º.2 - "Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos

- art.65º.5 - "É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território"

- art.162º.a) - "Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização ... apreciar os atos do Governo e da Administração"

-art.165º - "É da exclusiva competencia da Assembleia da República legislar sobre ... m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social ... z) Bases do ordenamento do território e urbanismo"

Como diz em resumo a descrição de competências no site do Parlamento, a AR "Tem competência legislativa exclusiva em matérias constitucionalmente determinadas (para além de poder legislar concorrencialmente com outros órgãos em todas as restantes matérias, com exceção das relativas à organização e funcionamento do Governo), para além de ser sua a atribuição de fiscalização da atividade do Governo e da Administração".

Em correspondência com a postura do seu primero ministro, a senhora ministra da coesão territorial exprimiu claramente o sentimento de superioridade e de apropriação pelo governo da verdade única como solução de um problema técnico ao definir a prioridade da ligação ferroviária Lisboa-Porto-Vigo em detrimento do plano comunitário das redes transeuropeias:

Donde, perante estes exemplos, a proclamação pelo governo de que são competência exclusiva sua as decisões sobre as redes ferroviárias de ligação à Europa (privilegiando o litoral em detrimento da coesão do interior)  ou a linha circular do metro (que contraria o PROTAML como base do ordenamento do território) ou o plano de reestruturação da TAP (ligado essencialmente aos planos de desenvolvimento económico) , considerando as disposições da Constituição da República, um leigo jurídico como eu é levado a supor que se trata antes de um caso de Ministério Público (ou a separação de poderes é apenas uma ilusão).

Podemos sempre ensaiar uma interpretação do foro da psicologia do comportamento social, que não será simpática para o governo, por colocar a hipótese de uma perturbação dissociativa da realidade que o impede de reconhecer a ilegalidade dos seus atos. Um pouco como o criminoso que entende como normal o seu modo de vida de assaltar pessoas, e cujo advogado poderá invocar a inimputabilidade como consequencia do disturbio dissociativo, citando casos interessantes da história: 
- a fidelidade fundamentalista e cega da seita do século XI dos Asasiyun (origem da palavra assassino)
- a crença que esfregando as mezinhas recomendadas pelo grande chefe zulu as armas do inimigo seriam inúteis, 
- a síndroma de McArthur Wheeler que achava que a câmara de video não o reconheceria no assalto ao banco porque tinha esfregado o rosto com sumo de laranja, 
- a síndroma de Dunning-Kruger, autores da experiencia de grupo com a realização de vários testes e  o pedido aos participantes para estimarem a classificação que mereceriam em cada teste; os que tinham piores resultados eram os que melhor se autoavaliavam, isto é, quando se é demasiado incompetente, não se é capaz de reconhecer a própria incompetência (créditos: David Marçal no Público de 27dez2020).