PLANO FERROVIARIO NACIONAL - contributo
Para muitos empresários, técnicos e académicos interessados na problemática da ferrovia e na
sua contribuição para o progresso da economia portuguesa, causa espanto a política oficial de
manutenção da exclusividade da bitola ibérica, política que recusamos. Quando por definição
no regulamento europeu 1315/2013 de redes integradas na rede única europeia, a bitola UIC é,
juntamente com outros requisitos regulamentares, condição essencial para pertença à rede
única. Porque, para o objetivo da rede única ferroviária europeia, todos os requisitos são
importantes, em conformidade com um dos princípios básicos da engenharia, amplamente
comprovado ao longo da sua evolução tecnológica e industrial, que consiste na normalização.
A
recusa em saber aceitar este princípio e em estudar desde já a implementação de linhas novas
em bitola UIC, sabendo-se que o intervalo de tempo entre a decisão de projetar uma linha e a
sua colocação em serviço pode ser de 10 anos, constitui para o grupo subscritor deste
documento um fator de desilusão relativamente ao governo, o que o torna responsável pelo
estrangulamento das exportações portuguesas, pela inviabilização de um serviço competitivo
de comboios de mercadorias com acesso à Europa central, por adiar o cumprimento da diretriz
ambiental de transferência de carga rodoviária para a ferrovia e, vice versa, por impedir a
entrada de comboios europeus de bitola UIC no território nacional, incluindo todos os portos
nacionais, porque nenhum operador europeu investirá em material especial, forçosamente mais
caro, para servir apenas um mercado pequeno como o nosso, que teima em manter uma bitola
única, como uma ilha ferroviária na Europa.
Não se pretende acabar com a bitola ibérica nas próximas décadas, pretende-se tão só não
correr os riscos de isolamento por deficiente e mais caro acesso à rede europeia, aceitando o
imperativo comunitário de construção de uma rede de bitola UIC de acesso à Europa e não
apenas à Espanha, país de que, apenas com bitola ibérica, passarão a depender as nossas
exportações em todos os planos: tempos e prioridades de transbordo e de chegada aos destinos;
planeamento de cargas; custos do transporte; interesses concorrenciais da indústria espanhola.
Algo que em oito séculos de história nunca aceitámos. Que se assumam também as dificuldades
de interligação entre as duas redes, a ibérica e a UIC enquanto coexistirem.
Assim, para que não se diga que ignoramos as dificuldades, ou que não conhecemos aquilo que
afirmamos, propomos:
1 - Sugestões e propostas:
1 – Aprecia-se o esforço e a dedicação a todos os níveis que se vem verificando na recuperação
de material circulante e na operação e manutenção das ligações ferroviárias. Sem alterar a
política atual de recuperação da ferrovia existente, propõe-se a elaboração não de um mas de
dois planos ferroviários, a exemplo do praticado em Espanha (rede convencional e rede AV), a
serem executados por entidades hierarquicamente independentes embora de mútuo contacto
fácil :
1.1 - um plano para a manutenção, recuperação e modernização da rede existente que não seja
integrada nem na rede básica (rede “core”) TEN-T (“trans european networks – transport”,
designada por RTE-T na tradução portuguesa) para 2030 nem na rede complementar (rede
“comprehensive”) para 2050, e
1.2 um plano para a construção de linhas interoperáveis no sentido estrito (cumprimento da
totalidade dos requisitos de interoperabilidade – 25 kVAC, ERTMS, comprimento comboios
740m, bitola UIC, 25 ton/eixo, 1,25% gradiente, alta velocidade), conforme o plano das
redes TEN-T dos regulamentos 1315 e 1316/2013/CE, para integração na rede única
europeia (Sines-Lisboa-Caia-Madrid; Lisboa-Porto/Leixões; Aveiro-fronteira portuguesaSalamanca.
Esta subdivisão corresponde ao reconhecimento de duas redes ferroviárias distintas que
coexistirão nas próximas décadas (custo estimado da obra de conversão da bitola ibérica na rede
existente em bitola UIC excluindo material circulante e custos adicionais como interrupção de
tráfego: 0,6 a 3 M€/km):
- a rede actual existente de bitola ibérica.
- a nova rede, integrando o corredor transeuropeu denominado Corredor Atlântico, conforme
o traçado existente na Rede Principal (Core) do programa TEN-T de 2013, a construir de raiz,
interoperável com toda a restante rede europeia, em bitola UIC, dimensionada para velocidades
máximas de 350km/h ou 250 km/h (em função da orografia do troço) e 120 km/h e 25 ton/eixo
para mercadorias.
Segundo o art. 38º do Reg. 1315/2013, a Rede Principal (rede “Core”) que inclui o Corredor
Atlântico, deverá estar concluída até 31 dez 2030.
Nota 1 : Juridicamente, os Regulamentos europeus são de natureza “mandatória”.
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:l14522&from=PT
Regulamentos da União Europeia - Os regulamentos são atos legislativos definidos no artigo
288.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Têm caráter geral, são
obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os países da União
Europeia (UE).
Nota 2: Tendo já sido anunciada a construção de uma linha nova de alta velocidade
Lisboa-Porto, mas com bitola ibérica e travessas polivalentes, sem calendarização para
transição para bitola UIC, reitera-se aqui a recomendação para que, de raiz, seja
construída a nova linha em bitola UIC, com as necessárias interligações, nomeadamente
em estações com ambas as bitolas, com a rede convencional existente, em particular
com a centenária linha do Norte de bitola ibérica, que é a coluna vertebral de toda a
nossa rede de bitola ibérica, a qual se terá de manter ao serviço nacional ainda por
algumas décadas.
Esta solução é compatível com as diretrizes dos regulamentos 1315 e 1316, que não são
satisfeitas pela bitola ibérica porque não se trata de uma linha isolada da rede Principal
(rede “Core”) europeia. As razões do proposto encontram-se muito bem explicadas no
artigo do eng. Arménio Matias para articulação com as linhas de bitola UIC AveiroSalamanca e com recurso a comboios bibitola e intercambiadores:
https://adfersit.pt/noticia/620/novas-linhas-ferroviarias-que-bitola
2 – A construção das novas linhas da rede Principal (rede “Core”) até 2030 deverá ser objeto
de negociações com a DG MOVE da Comissão Europeia e os governos espanhol e francês
para a necessária coordenação no tempo segundo os objetivos definidos nos Regulamentos,
1315 e 1316/2013, os quais não coincidem com as ações em curso, como ligação Évora-Caia.
3 - As ligações ferroviárias às capitais de distrito em Portugal, a introduzir na rede
complementar (rede “comprehensive”) a terminar até 2050, através de negociações com a
DG MOVE, deverão ser sujeitas aos competentes estudos prévios de ACB – Análise Custo
Benefício, para se demonstrar a sua competitividade relativamente à Rodovia a nível local e
nacional, no pressuposto que um plano ferroviário não é um mapa de ligações, é um
instrumento de coesão do território com as suas zonas de atração de população e de
movimentos.
4 - Para viabilizar a transferência de tráfego rodoviário para a ferrovia a nível internacional
(europeu), conforme o regulamento 1316, é indispensável iniciar desde já um processo de
preparação das empresas de camionagem, que levam as exportações portuguesas para a
Europa além Pirineus, e as operadoras ferroviárias de mercadorias, para se equiparem com
tratores e semirreboques e caixas móveis de transporte frigorífico por um lado, e vagões
para transporte de camiões ou semirreboques pelo outro. Isso permitirá evitar os
congestionamentos nas autoestradas para a Europa, e trará economia de combustível e
menos emissões. O trator levará numa primeira etapa o semirreboque até ao comboio e
este lavá-lo-á até uma estação de destino donde outro motorista e outro trator levarão o
semirreboque para o destino final, completando com maior economia e rapidez o sistema
“porta a porta”.
NOTA : - Não seria despiciendo que se convidassem as grandes transportadoras
rodoviárias nacionais, a formarem uma Associação Empresarial que incluísse nos seus
objetivos a exploração da Logística do Transporte Ferroviário a nível europeu,
preparando-se assim para melhor resistirem à concorrência futura dos seus congéneres
europeus.
5 – Afetar meios a uma estrutura pública independente, ou ao CSOP, se necessário, dada a
complexidade da matéria, com recurso a consultores externos mediante concurso público
internacional, para a tarefa de planeamento estratégico e de controle do estrito
cumprimento dos regulamentos 1315 e 1316/2013, com apoio efetivo da sociedade civil,
nomeadamente a Ordem dos Engenheiros, universidades, técnicos interessados,
associações empresariais e profissionais, imprensa especializada, com reuniões periódicas
de ponto da situação, abertas e participativas. Sugere-se como objetivo a elaboração dos 2
planos ferroviários (convencional e TEN-T Alta velocidade e mercadorias). A atribuição de
funções de controle à referida estrutura pública independente ou ao CSOP implicará
transferência dessas competências até agora cometidas por delegação à IP e agrupamentos
europeus de interesse económico AVEP (Alta velocidade Espanha Portugal) e RFC4/Atlantic
corridor (mercadorias).
6 – Considerando a diretriz comunitária que não financia a construção de aeroportos mas
impõe o serviço dos sistemas aeroportuários pelo modo ferroviário de forma integrada,
deverá estudar-se a integração do projeto de qualquer expansão do sistema aeroportuário
4
nos projetos das novas linhas de alta velocidade e de mercadorias em bitola UIC, da terceira
travessia do Tejo, do serviço urbano/suburbano entre as margens sul e norte de Lisboa (ver
lista de hipóteses de atravessamento do Tejo, sugerindo-se a comparação entre elas em
termos de análise de custos-benefícios com estudos prévios que permitam estimar com
segurança os custos de construção, em
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/03/novas-travessias-do-tejo-tracado-de.html )
Idêntica preocupação deverá existir em relação à expansão do aeroporto de Pedras Rubras,
sugerindo-se a reserva dos terrenos para eventual construção de segunda pista em
Berrossos.
O estudo da integração das expansões da rede ferroviária e do sistema aeroportuário deverá
ser compatível com o referido no ponto 5.
7 – Numa perspetiva mais operacional, propõe-se a consideração do contributo do eng. Luis
Cabral da Silva, em:
https://sites.google.com/view/planoferroviario/home
2 – Análise do contexto atual
Louva-se o trabalho desenvolvido para recuperação de material circulante anteriormente posto
de lado. Apesar dos atrasos verificados no programa Ferrovia 2020 e de inconformidades como
a exploração da linha do Minho sem sinalização automática, concorda-se com a maioria do
programa, exceto no que se sobrepõe ao plano das redes TEN_T para Portugal, do corredor
Atlântico dos regulamentos 1315 e 1316/2013/CE, não se concordando com a construção do
troço Évora-Caia em via única e bitola ibérica (apesar das travessas polivalentes, uma vez que é
mais económico fazer uma obra do princípio ao fim do que dividi-la em duas fases , considerando
os custos de estaleiro e a evolução dos preços) e para velocidade de projeto inferior ao
anteriormente acordado com Espanha, dado que não se traduz em qualquer poupança
relevante.
Para levantar esta contradição propôs-se a subdivisão do PFN em dois planos, a executar
seguidamente por entidades hierarquicamente independentes, a exemplo do que se faz em
Espanha (ADIF para a rede convencional e ADIF Alta Velocidade para as novas linhas em bitola
UIC).
Cingindo-nos ao contexto atual, a análise do balanço da presidência portuguesa no domínio
ferroviário parece-nos uma oportunidade perdida de reivindicação coletiva de medidas efetivas
de promoção da rede Principal (rede “Core”) ferroviária europeia, de bitola UIC, com o
cumprimento dos regulamentos 1315 e 1316/2013, que no ano internacional da ferrovia deveria
ter sido de reprovação da inércia partilhada com Espanha e França e a própria Comissão
Europeia, ao invés de que foi, uma série de declarações de intenções e de autossatisfação pelos
trabalhos em curso e pelas decisões tomadas. A iniciativa do comboio Europe Express,
assinalando a transição da presidência de Portugal para a Eslovénia, em setembro de 2021, num
percurso por toda a Europa vai mostrar as limitações da rede ferroviária e do planeamento das
suas correções, começando pela mudança de bitola em Irun.
2.1 - Nestas circunstâncias, a defesa de um programa para a construção de linhas novas em
bitola UIC de ligação e integração com a Europa (Sines/Lisboa-Badajoz; Aveiro-Vila Franca das
Naves-Salamanca; Sines/Lisboa-Porto/Leixões) radica principalmente nos seguintes pontos:
2.1.1 - substituição das viagens aéreas de passageiros entre Lisboa/Porto - Madrid, e entre
Lisboa - Porto, considerando o maior consumo energético por passageiro-km e poluente do
modo aéreo, mesmo considerando os biocombustíveis e combustíveis sintéticos.
2.1.2 - transferência de carga exportada do modo rodoviário para o ferroviário e marítimo,
que segundo o Regulamento 1316 / 2013 terá de ser, para distâncias de transporte de cargas
superiores a 300 Km, de 30 % até 2030 e de 50% até 2050.
A experiência em Portugal, do transporte ferroviário internacional para a Europa Além-Pirenéus,
face à diferença das bitolas ibérica / europeia na Orla Atlântica, tem sido ineficiente, como o
mostrou a experiência da operadora alemã DB Schenker – Portugal em 2012, relatada neste
trabalho:
https://pt.linkedin.com/pulse/transporte-ferrovi%C3%A1rio-de-mercadorias-al%C3%A9m-piren%C3%A9us-e-sena-e-silva
É ainda de muito interesse a leitura deste documento informativo de 2011 da União Europeia
https://ec.europa.eu/transport/sites/default/files/themes/strategies/doc/2011_white_pap
er/sec-2011-391-unofficial-translation_pt.pdf
Tradução não oficial: documento divulgado exclusivamente para fins informativos.
Documento de trabalho dos serviços da Comissão Europeia. Roteiro do espaço único
europeu dos transportes – Rumo a um sistema de transportes competitivo e
económico em recursos.
Considerando ainda o congestionamento rodoviário e a sua poluição, e também a poluição e
tempo maior de viagem do marítimo, mesmo considerando o GNL (do ponto de vista energético
poderá discutir-se a eficiência da propulsão por hidrogénio produzido a partir de renováveis,
mas não se prevê a disponibilização da tecnologia no marítimo; no rodoviário considerar que
por razões de resistência ao rolamento, a eficiência do camião será inferior à do comboio que
cumpra os parâmetros da interoperabilidade). É urgente, e importante do ponto de vista social,
preparar as empresas de camionagem para o recurso ao transporte de semirreboques em
vagões já utilizado nas ligações Espanha-Inglaterra.
2.2 - Resumo dos argumentos oficiais:
Os argumentos sistematicamente utilizados pelo XXII governo, IP, AVEP (Alta velocidade
Espanha Portugal) e RFC4/Atlantic corridor (estes dois últimos são encarregados pelo governo
para o representar nos organismos de coordenação da CE/DG MOVE), não têm sido debatidos
publicamente em igualdade de condições. Isto é, os pedidos de audiência ao MIH têm sido
recusados e nos webinars que se realizam, apesar de serem apresentados por vezes argumentos
contrários aos oficiais, não tem havido tempo para os discutir, isto é, tem faltado uma das
condições básicas do método científico, a discussão e escrutínio pelos pares:
2.2.1 - só interessa a Portugal instalar a bitola UIC quando Espanha a trouxer até à fronteira,
mudando-se então os carris nas travessas polivalentes instaladas nos troços dos corredores
TEN-T que entretanto tenham sido construídos – trata-se de uma estratégia de curto prazo que
resolve parcialmente e permite esconder problemas imediatos de angariação de financiamentos
6
europeus mas sem capacidade para, a médio prazo, suportar a transferência de carga da rodovia
para a ferrovia, em particular construindo-se o troço Évora-Caia em bitola ibérica e em via única,
que serve principalmente um nosso operador privado, e se renovar a linha da Beira Alta também
em via única e com elevadas pendentes. Acresce que, contrariamente ao oficialmente divulgado,
não é uma tarefa fácil mudar os carris da posição ibérica para a UIC; o ritmo da mudança é de
1km por dia por equipa autónoma, tornando todo o resto da linha pouco operacional ou
obrigando a dividir o percurso em troços de obra onde terá de se fazer o transbordo de cargas
ou de passageiros.
Esta situação em Portugal é bem diferente da situação em Espanha, em que a nova linha de Alta
velocidade Madrid-Badajoz em bitola UIC, corre em paralelo com a linha convencional existente
em bitola ibérica.
2.2.2 - a tecnologia de eixos variáveis para passageiros e para mercadorias é compatível com
a existência exclusiva de bitola ibérica em Portugal – é verdade, tem havido progressos nesta
tecnologia, mas o argumento é válido, em tese, para o oposto, isto é, uma linha em bitola UIC
em Portugal (por exemplo, Poceirão-Caia cumprindo os parâmetros da interoperabilidade, o que
não se verifica no troço Évora-Caia, em via única e bitola ibérica), em série com uma linha em
bitola ibérica em Espanha. A tecnologia eixos variáveis é muito útil para utilização dentro da
península ibérica para permitir a ligação entre a rede convencional e a rede nova UIC.
Inconvenientes: nenhum operador concorrente europeu além-Pirenéus se equipará com este
fabrico específico face à limitação do nosso mercado, limitando a concorrência; os vagões são
mais caros, com menor carga útil e exigindo medidas contra emergências à distância, ou seja,
locais de manutenção ao longo dos percursos fora da península ibérica, provavelmente com
custos incompatíveis com um serviço competitivo. Os fretes ficam em situação de monopólio,
com consequente aumento de custos e consequente redução da competitividade das nossas
empresas produtoras de bens transacionáveis, agravada pela nossa situação periférica em
relação ao centro da Europa.
2.2.3 - a ligação ferroviária China-Madrid/Lisboa passa por 4 bitolas diferentes – não
corresponde à verdade, são utilizadas 3 bitolas diferentes: 1435mm (a UIC), 1524mm (a russa)
e 1668mm (a ibérica) com 3 transbordos ou roturas de carga; 4 é o número de troços antes ou
depois da mudança de bitola (China-Kasaquistão 1435mm + Kasaquistão-Polónia 1524mm +
Polónia-Espanha 1435mm + Espanha-Portugal 1668mm). Admitindo 5 horas para o tempo de
transbordo de 50 vagões e 16 dias para o percurso China-Portugal, será cerca de 3% o peso da
rotura de carga, o que compara com um percurso de 2 dias para a Alemanha, ou um peso no
tempo de 10%. Além disso a importância relativa deste fator face à concorrência é
completamente diferente: no caso da ligação Portugal-EU a competição é usar a rodovia nos
percursos em Portugal até ao transbordo nas plataformas logísticas espanholas para comboios
de bitola europeia e no caso da ligação à China é a via marítima, muito mais lenta.
2.2.4 – Dizer que a Espanha nada faz no campo das mercadorias não é verdade - Desde 2011
que a orientação oficial para as novas linhas em bitola UIC e Alta Velocidade é serem projetadas
para Tráfego Misto, como já o é há anos a sua ligação Além Pirinéus pela Orla Mediterrânica
(túnel de Perthus), que se agora tem apenas 14 comboios diários é porque o corredor
mediterrânico ainda não está concluído. Igualmente o “Y Basco” antes de 2030 irá fazer a sua
ligação pela Orla Atlântica com os países Além-Pirenéus (ligação da plataforma de Vitoria em
bitola UIC à rede francesa prevista para 2026), permitindo que a vizinha Espanha se torne
totalmente interoperável ferroviariamente com toda a restante Europa , após extensão da
bitola europeia aos seus principais portos e plataformas logísticas.
Como Portugal abandonou unilateralmente o seu compromisso com Espanha para a sua ligação
Badajoz/Caia - Sines/Lisboa, que constava do projecto ELOS para o corredor internacional Sul
adjudicado em 2009 (cujo incumprimento motivou a condenação do Estado português ao
pagamento de 150 milhões de euros de indemnização mais 50 milhões de juros) e que
corresponde no Corredor Atlântico transeuropeu ao ramo português da sua ligação a Madrid, é
natural que os espanhóis se preocupem agora mais em construir o seu “porto seco” na
Plataforma Logística de Badajoz, para aí se transferirem as mercadorias dos nossos comboios
em bitola ibérica, ou mesmo diretamente dos nossos camiões com carga para os países Além
Pirenéus, para os seus comboios de bitola UIC .
Assim se compreende que não exista uma
coordenação com Portugal (com grandes culpas por omissão do governo português nas cimeiras
ibéricas).
A construção dos troços Évora-Évora Norte e Évora Norte-Caia, em via única de bitola ibérica
com travessas polivalentes para velocidade 250 km/h é um exemplo de desrespeito dos
regulamentos 1315 e 1316 ao não cumprir as suas especificações, ver adiante ponto 3.2 .
Embora a construção seja em plataforma para via dupla e com as bases dos pilares, dos futuros
viadutos paralelos, construídas em espera de uma segunda fase que não está calendarizada,
levantam-se sérias reservas quanto à possibilidade de economia, apesar de haver financiamento
comunitário de 80% , recordando que os 167 km Poceirão-Caia em via dupla, bitola UIC, para
velocidade de 350 km/h foi negociado por 1200 milhões de euros (sensivelmente o mesmo
preço por km da obra atual)e sabendo-se que voltar a uma obra tem sempre custos elevados,
incluindo os custos de interrupção de tráfego (o que não se põe em Espanha onde a linha nova
segue de perto o traçado da linha pré existente).
Não é pois curial continuar a afirmar-se, como membros do XXII governo já o fizeram, que a
ligação Lisboa-Madrid seria uma imposição espanhola e que a prioridade portuguesa é Lisboa-Porto-Vigo, ao arrepio dos regulamentos 1315 e 1316.
O corredor atlântico foi concebido para assegurar o transporte de carga em bitola UIC dos portos
e plataformas logísticas portugueses à Europa central e defronta-se efetivamente com muito
trabalho para fazer ao longo do seu percurso; a ligação Madrid-Badajoz de Alta velocidade tem
troços exclusivos para passageiros, tal como Valladolid-Vitoria. Do lado francês há grande
relutância, devido ao regionalismo da zona de Toulouse, na duplicação da linha Bordeus-Dax-Hendaye. Mas tudo isso contradiz o regulamento 1315. Aqui sim, há lugar a que ambos os países
protestem vigorosamente junto da Comissão Europeia, contra este afunilamento do Corredor
Atlântico, no território francês.
Claramente o governo espanhol está comprometido com as ligações de alta velocidade
passageiros em bitola UIC, mesmo recorrendo temporária e pontualmente às soluções de eixos
variáveis ou de vias de 3 carris, para a Galiza, Asturias e País Basco, e, no campo das mercadorias,
estima-se 2026 para as ligações em UIC à rede francesa da plataforma de Vitoria e dos portos
do corredor mediterrânico, por Barcelona e túnel de Perthus. O orçamento de Estado espanhol
prevê para 2021 para investimento em linhas de AV de 3000 milhões de euros, na rede
convencional 1800 milhões e em manutenção 0,9 milhões. Embora não com o ritmo desejado,
o corredor mediterrânico avançou no primeiro semestre de 2021 conforme descrito em
https://elcorredormediterraneo.com/obras-corredor-mediterraneo-junio-2021/
A implementação do corredor mediterrânico, prevista pelo regulamento 1315 para 2030, em
detrimento do corredor atlântico com as suas limitações inerentes às vias de bitola ibérica de
traçado antigo, será um fator que afetará a competitividade dos portos nacionais. A própria IP tem um estudo que estima uma redução de custos de 7% graças à utilização da bitola UIC para
percursos entre o porto de Leixões e Paris. Por seu lado, a operadora privada Medway estima
incomportável o transbordo em Irun se o tráfego diário atingir dois comboios, juntando-se à
Takargo na enumeração das limitações da rede existente (nesta perspetiva, a beneficiação da
linha da Beira Alta e o novo troço Évora-Caia, ambos em via simples, constituem um paliativo;
por analogia, as autoestradas constroem-se com traçados distintos das estradas pré-existentes).
2.2.5 - recentemente tem sido, pelos defensores da política oficial, posta a tónica nas
dificuldades de gestão e interligação numa rede dual, de bitola ibérica e de bitola UIC. Estranha-se esta posição, com as soluções possíveis, exemplificadas para cada tipo de circunstância na
progressão do corredor mediterrânico, com recurso a via de 3 carris e no túnel de Pajares para
as Asturias, com uma via em bitola UIC e outra em bitola ibérica.
Tal como em Espanha, a existência de rede dual implica adaptação dos processos de aquisição
de material circulante, ou repartir o novo material pelas duas bitolas, ou encomendar eixos
variáveis, ou especificar no caderno de encargos que o material será fornecido com bogies para
uma bitola mas com a possibilidade de futura substituição por bogies ou rodados de outra bitola.
O custo das ligações entre as duas redes, cujo funcionamento em simultâneo será longo mas
temporário, poderá ser compensado com o aumento da competitividade graças ao aumento das
exportações e da utilização dos portos portugueses pelas indústrias exportadoras da
Extremadura e da região de Salamanca e ao aumento das ligações marítimas em Sines aos
destinos mais afastados do Atlântico, por via do aumento do seu hinterland.
2.2.6 - para além da progressão em Espanha do corredor mediterrânico em bitola UIC, a que
não é alheio o esforço da associação de empresários valencianos, destaca-se na Europa de leste
o desenvolvimento do projeto do Rail Baltica
https://www.railbaltica.org/about-rail-baltica/tehnical-parametrs/
o que para Portugal tem muito interesse, uma vez que a rede ferroviária dos países bálticos tem
a bitola russa de 1524mm e a nova linha, em construção de raiz para ligação à Polónia, será de
bitola UIC de 1435mm . O comprimento da nova linha de Talin à fronteira polaca é de 870km, a
velocidade de projeto 249km/h (120 km/h para mercadorias) e o comprimento máximo dos
comboios de mercadorias de 1050 m (o que é um fator, só por si, indutor de maior eficiência em
percursos de gradientes inferiores a 1,25%).
2.2.7 - a política do governo português está em sintonia com o programa de ação da Comissão
Europeia - por cortesia, o coordenador do corredor atlântico, Carlo Secchi, não contradiz o
representante de Portugal na DG MOVE e nos AVEP e RFC4/Atlantic corridor, mas nos seus
relatórios (“workplan”)vem o óbvio, a diferença de bitolas na península ibérica é uma barreira a
abater, aliás a frase mais importante de Carlo Borghini, diretor do Shift2Rail, no congresso em
2fev2021 do ano internacional da ferrovia em Lisboa. Uma troca de correspondência com
Isabelle Maes, assessora de Carlo Secchi na DG MOVE veio confirmar o apoio da DG MOVE à
política de exclusividade da bitola ibérica do XXII governo ao desvalorizar a ausência de
calendarização das interligações do corredor Atlântico conforme todos os parâmetros de
interoperabilidade. Por violar as diretrizes dos regulamentos 1315 e 1316, considera-se que, a
manter-se esta situação, será assunto para a Provedoria europeia (sem esquecer as repetidas
críticas do ECA, tribunal de contas europeu à condução da política ferroviária comunitária) por
comportamento de um órgão da CE que prejudica a economia de um país pelos
constrangimentos impostos à competitividade das suas exportações.
3 – Justificação das propostas
Pelo menos três áreas são cruciais para fundamentar as críticas à exclusividade da bitola ibérica
nas ligações internacionais e a ausência de plano para as concretizar conforme as definições de
interoperabilidade na rede única europeia (não confundir com a interoperabilidade em
situações particulares de redes isoladas nacionais, situação prevista na legislação comunitária
mas não aplicável quando se pretende a integração na rede principal ou rede “Core”).
3.1 - Regulamentos 1315 e 1316/2013 - observância de critérios fundamentais de engenharia e
jurídicos como a normalização para fins de eficiência e de interesse público, o que é expresso
pelos regulamentos 1315 e 1316, que são de natureza vinculativa (mandatória) e definem todos
os parâmetros de interoperabilidade exigidos para integração na rede única ferroviária
europeia. Sendo os regulamentos vinculativos, terá cabimento, conforme referido, a reclamação
junto da CE, eventualmente a sua ombudswoman, contra o seu incumprimento ou tentativas de
rever o regulamento no sentido da política oficial portuguesa até agora de exclusividade da
bitola ibérica.
3.2 - Condição para exportações - a existência de ligações ferroviárias à Europa além Pirenéus
eficientes em termos energéticos (o rendimento em termos de energia primária por toneladakm da tração elétrica ferroviária tecnologicamente atualizada é superior ao rendimento da
tração na rodovia com combustíveis fósseis ou baterias) e de custos de operação como condição
essencial para o aumento das exportações de bens. Em 2020, apesar da pandemia, o total de
importações e exportações para a EU atingiu 89.514 milhões de euros, distribuídos em
percentagem pelos seguintes modos, conforme o INE: rodoviário 78,8%, marítimo 9% ,
ferroviário 0,9% . Isto mostra que a atual rede ferroviária em via única para exportação não tem
capacidade para suportar a transferência de carga rodoviária imposta pelo regulamento 1316.
Convém também desmontar a ideia de que a Espanha é o principal destino das exportações.
Isso é verdade considerando o peso dos produtos mas não considerando o seu valor, o que aliás
mostra o pouco valor acrescentado das exportações para Espanha quando comparado com as
exportações para a Europa além Pirinéus.
De janeiro a abril de 2021, inclusive, o valor das exportações por todos os modos para o conjunto
Alemanha, França e Bélgica foi de 5647 milhões de euro, contra 5402 para Espanha,
confirmando a tendência de 2020.
Ainda segundo o INE, em 2020 as exportações para o conjunto Alemanha, França e Bélgica foram
12.116 M€ , sendo 11.639 M€ por modo rodoviário, 512 M€ por modo ferroviário e 1863 M€
por modo marítimo; para Espanha os valores foram 11.852 M€ por modo rodoviário, 47 M€ por
modo ferroviário e 734 M€ por modo marítimo :
https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008596&
contexto=bd&selTab=tab2
Distribuição da origem das exportações por todos os modos em 2020 em M€:
Norte intra EU 15.300 ; extra EU 5300
Centro intra EU 8000 ; extra EU 2400
AML+Sul intra EU 13.300 ; extra EU 6400
Informação sobre as fontes dos números:
https://onedrive.live.com/edit.aspx?resid=1EBC954ED8AE7F5F!7972&ithint=file%2cxlsx&auth
key=!ACeQoMgXYcfK1m8
Estes números (destaca-se a quota perto de 80% do transporte rodoviário para a EU) mostram
o interesse em, a médio prazo, preferentemente 2030 como consta dos regulamentos 1315 e
1316, ter o corredor Atlântico nas componentes norte e sul construído para tráfego misto, com
via dupla, bitola UIC e restantes parâmetros da interoperabilidade, em série com as suas ligações
em Espanha para a Europa além Pirinéus. Caso contrário incumprir-se-ão as diretivas da
transferência da carga rodoviária e do Green Deal. A visão do PFN a 30 anos com exclusividade
da bitola ibérica pelo XXII governo, em investimentos que exigem prazos de execução após
decisão superiores a 10 anos, remete de facto para um muito longo prazo a integração plena de
Portugal na rede única europeia.
Um exemplo do que se considera um bom trabalho dos executantes a par de, a nível decisório,
uma deficiente estratégia para o médio prazo é o da ligação Évora-Caia: no webinar de 15jul2021
de divulgação pelo governo e a IP do corredor internacional sul foi apresentada como razão de
apenas se construir uma via a estimativa que uma das valências da obra seria o aumento do
volume de mercadorias exportadas para a Europa dos atuais 10 milhões para 13 milhões de
toneladas, quando, segundo as estatísticas do INE, em 2020 o seu valor foi de 15,7 milhões, o
que, juntamente com o facto da linha dever ser usada para a ligação a Madrid por passageiros,
parece condenar a decisão de via única.
Igualmente foi afirmado no webinar que Espanha
também construiu via única em plataforma dupla (e travessas polivalentes). É verdade, mas
apenas no troço Caceres-Badajoz, porque no troço Plasencia-Caceres construiu de raiz em via
dupla. Isto indicia tratamento diferenciado entre a massa crítica de Caceres e a sua ausência em
Badajoz-Extremadura, condenada a contentar-se, em termos ferroviários, com a modernização
da rede ibérica de Puertollano, e por arrasto, a economia portuguesa. Isto não é o corredor
atlântico que está nos regulamentos 1315 e 1316 e não é admissível, nem a cobertura dada no
próprio webinar por Carlo Secchi, coordenador do corredor atlântico, que nomeou
expressamente as suas duas assessoras. Trata-se de uma estratégia que, em nome da economia
nacional, deve ser mudada.
3.3 - Eficiência energética – A existência nas linhas existentes de troços com pendentes
superiores a 1,25% reduz o rendimento energético do transporte de mercadorias, impondo
comboios curtos ou segunda tração.
Segundo cálculos que já deveriam ter sido contestados ou confirmados por escrutínio de pares,
uma vez que foram publicados em 2018, a energia na linha necessária para o transporte de 1400
toneladas de mercadorias por um comboio num percurso com as caraterísticas de traçado
conforme as especificações do regulamento 1315 (gradiente inferior a 1,25%) será da ordem de
32 Wh/ton-km, o que compara com 52 Wh/ton-km para uma linha convencional existente,
estimando-se uma economia operacional da ordem de 25% na transição da linha existente para
a nova linha: https://manifestoferrovia.blogspot.com/2021/04/sessao-de-19abr2021-no-lnec-sobre-o.html
Isto mostra bem a importância da nova linha Sines-Grândola Norte, aliás prevista no PRR mas
com bitola ibérica, quando comparada com a beneficiação da ligação Sines-Ermidas, com os
gradientes da serra de S.Bartolomeu.
A própria IP desenvolveu estudos de estimativas da economia por adoção dos parâmetros da
interoperabilidade. Evidentemente que para Espanha não se põe a questão da bitola, mas como
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visto a propósito das exportações, interessa analisar o que se passa em percursos como Leixões-Paris: https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwevEQfwy9-CwmTgxNR?e=lCiHNI
A conclusão do estudo da IP é que no percurso Leixões-Paris os comboios de 740 m permitiriam
uma redução de custos de 10%, a bitola UIC 7%, a alimentação de 25 kVAC 2% e o sistema de
controle de movimento ERTMS 2% .
Estes números confirmam a importância que tem para a competitividade e consequente
crescimento das nossas exportações, o rigoroso cumprimento das especificações da
interoperabilidade.
Informação adicional:
Comentários à sessão de lançamento do PFN em 19abr2021:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/04/sessao-de-19abr2021-no-lnec-sobre-o.html
Repositório de argumentos justificativos das redes TEN-T em Portugal:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=VD33mQ
Sugestões enviadas à senhora presidente do CSOP em agosto de 2020:
https://manifestoferrovia.blogspot.com/2020/09/sugestoes-para-o-2030pt.html
Subscrevem
Arménio Matias, eng.eletrotécnico, ex administrador da CP e da RAVE
Eugénio Sequeira, eng.agrónomo, investigador-coordenador, ex presidente da Liga de
Proteção da Natureza
Fernando Santos e Silva, eng.eletrotécnico, ex técnico do ML
Fernando Teixeira Mendes, eng.eletrotécnico, empresário, ex administrador da SOREFAME
Henrique Neto, empresário
Luis Cabral da Silva, eng.eletrotécnico, ex técnico da REFER
Luis Mira Amaral, engenheiro e economista
Mario Lopes, eng.civil, professor do IST
Mario Ribeiro, eng.mecânico, ex chefe de Gab. de Eng. de Motores da TAP
Rui Rodrigues, consultor de transportes