Na edição de Março/Abril da revista Eurotransporte foi publicada uma entrevista do presidente do metro pela diretora da revista Catia Mogo, a propósito dos 75 anos da empresa e 63 anos de exploração. A entrevista é oportuna, numa altura em que a mobilidade em Lisboa padece do excesso do transporte individual, em que se verifica algum investimento, mas em que subsistem dúvidas sobre as decisões tomadas e sobre a forma como elas são tomadas, em claro desrespeito pelas normas de gestão da organização do território e e pelos princípios da participação cidadã nos assuntos de interesse público.
Enviei à diretora da revista os seguintes comentários.
Cara Diretora
Como antigo técnico do metropolitano de Lisboa,
de 1974 a 2010, li com interesse a entrevista do atual presidente.
Apesar dos temas propostos serem uma boa
cobertura da problemática do metro, julgo ser útil comentar algumas das informações.
Assim, contrariamente à afirmação do senhor presidente de que após 2010 o único desenvolvimento foi acabar a estação Reboleira, inaugurou-se em 2012 o troço entre Oriente e Aeroporto, para além da extensão a Reboleira em 2016.
Na resposta sobre o CBTC, um excelente sistema, é
dito que se trata dos primeiros passos no caminho da condução automática. Ora,
desde 2000 a 2009 funcionou na linha vermelha um ATO (Automatic Train
Operation), sistema de condução automática de nível GoA2 (grade of
automation 2, com a presença dum maquinista na cabina e supervisão dum ATP -
Automatic Train Protection ). Nestas condições, não são os primeiros passos
para a condução automática.
Sobre a linha em laço, ou em espiral, como passou
a ser em 2009 a antiga linha circular de Londres, convirá esclarecer na
resposta do senhor presidente que os estudos referidos compararam a linha
circular com duas linhas independentes, não com uma linha em laço, que teria a
grande vantagem de evitar a construção dos novos viadutos de Campo Grande,
contrariamente à linha circular e às duas linhas independentes.
Na entrevista o senhor presidente do metro mais uma vez argumenta que os "estudos efetuados foram claramente favoráveis à opção linha circular". Há muito que foram pedidos esses "estudos" para avaliação, até pela Assembleia Municipal de Lisboa. Nunca o metropolitano os forneceu e uma hipótese para isso ter acontecido é que não existe nenhum estudo (perigosa analogia com a inexistência do parecer jurídico adicional de fundamentação da demissão de gestores públicos na TAP, ou de como governantes e seus missi dominici se acham dispensados do cumprimento do art.48 da CRP - direito dos cidadãos a participarem e a serem informados sobre assuntos públicos) que compare a linha circular com alternativas válidas. Por exemplo, é dito que foi comparada com a extensão S.Sebastião-Campo de Ourique, quando a comparação deveria ser com a extensão S.Sebastião-Alcântara Mar, em viaduto e com correspondência com a linha de Cascais. Não existe portanto estudo comparativo válido, o que também é ilustrado com as estimativas de acréscimo anual de passageiros: 9 milhões para a linha circular e 11 milhões para a extensão S.Sebastião-Alcântara Terra. Porquê então ter dado prioridade à linha circular, mais barata na totalidade, mas mais cara por km ?
Sobre o Jardim da Parada em Campo de Ourique registo a confirmação de que vai ser destruido o sanitário público existente como o metro se recusa a ter instalações sanitárias operacionais, contrariamente à concessão original, esquecida com o pretexto de poupar, quando é possível rentabilizar as instalações sanitárias desde que bem projetadas (ver uma pequena crónica sobre o assunto em https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewxG1Z3DyUwz6bFK_?e=wGQFec ).
Sobre a linha violeta e a opção do traçado à
superfície, convirá esclarecer que dada a orografia do terreno, a ligação de 5
km entre Odivelas e o Hospital Beatriz Ângelo, segundo o EIA, cerca de 3,4 km
serão em túnel, pelo que se justificaria este percurso ser o prolongamento da
atual linha de metro em túnel.
Sobre as próximas fases de expansão, sem
contestar a mais valia da segunda ligação ao parque de material e oficinas de
Carnide, anota-se a grave inconformidade da curva de pequeno raio junto da
praça Francisco de Assis, se se quiser ir para Colégio Militar, e a ausência de
discussão pública numa fase em que ainda possam ser alterados os traçados a
estudar, verificando-se assim a continuação da não observância dos
procedimentos SUMP (Sustainable Urban Mobility Plans) definidos pelos
regulamentos comunitários (até como argumentação para se beneficiar de fundos comunitários), e a sucessão de extensões da rede sem a obediência a um PROTAML e sem a coerência de
um plano de mobilidade da AML sujeito a discussão pública.
Por curiosidade, a importância do respeito daqueles instrumentos de gestão do território foi reconhecida pelo procurador do Gabinete de Interesses Difusos, relator da queixa apresentada contra a linha circular, mas que não quis hostilizar o governo, mandando arquivar o processo.
Saúda-se por fim o objetivo de revisão do
Contrato de Serviço Público em conformidade com a regulamentação
comunitária.
Com os melhores cumprimentos
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