Uma coisa que me encanta nas técnicas de engenharia (e de arquitetura) , é poder fazer-se uma espécie de reconstituição do que o autor da solução pensou quando estava à procura dela. Olha-se para a solução , vê-se como funciona e imagina-se o técnico ou a técnica a imaginar hipóteses de soluções, até que foi aquela a escolhida.
Como dizia o professor Carvalho Rodrigues, é também uma espécie de sonda no tempo que nos leva até ao ato da conceção e fabrico.
É o contacto com uma pessoa desconhecida, doutro tempo.
Mas permanece vivo o seu vestígio no pequeno ressalto que sobressai do bloco do motor, para servir de apoio a uma chave de fendas e assim facilitar a retirada da tampa do motor quando é preciso substituir a junta da cabeça; ou aquele carreto que foi acrescentado à transmissão para não ter de se inverter a posição do motor do mini de 1956, quando se verificou que o protótipo tinha 3 velocidades para trás e uma para a frente.
Isto a propósito duma coisa extraordinária que se passou em 2009 na tecnologia automóvel.
O motor de explosão utilizado no automóvel é uma máquina alternativa e, como tal, de rendimento limitado. Mas as preocupações de poupança energética e a concorrência têm conduzido os fabricantes a melhorar continuamente esse rendimento, isto é, a conseguir obter, reduzindo o consumo de combustível e a cilindrada, a mesma potência do motor (potência – capacidade de aplicar uma quantidade de energia num intervalo de tempo, isto é, a taxa de variação no tempo da produção duma forma de energia).
A definição de potência é importante para as preocupações de economia de energia. Se queremos economizar energia, então, para transportar uma massa M de um ponto A para um ponto B, como a resistencia do ar aumenta com o quadrado da velocidade, deveremos aumentar o intervalo de tempo durante o qual estamos a consumir energia entre os dois pontos. Isto é, deveremos estabelecer limites de velocidade efetivos nas auto-estradas e não requerer toda a potência que o motor é capaz de fornecer.
Não é esta a perspetiva dos vendedores de automóveis, que os promovem enquanto capazes de, num intervalo curto, retirarem do combustível elevadas quantidades de energia, isto é, capazes de se deslocarem entre dois pontos dissipando uma taxa elevada de consumo de energia.
Mas não há duvida, os fabricantes estão mesmo a melhorar a eficiência energética dos seus motores.
Foi o desenvolvimento espetacular dos motores diesel (tecnologia common rail, onde o combustível é submetido a alta pressão e donde é distribuido pelos cilindros por injetores com válvulas piezo-elétricas), que são de momento os mais eficientes, ainda mais do que a tecnologia híbrida comercializada atualmente; esta só poderá ser competitiva com baterias de maior capacidade e de melhor rendimento de peso do que as que equipam os híbridos em comercialização.
E foi também esta coisa extraordinária que motiva este texto: o ter sido possível, recentemente, desenvolver a tecnologia dos motores de gasolina no sentido da eficiência energética de modo a torná-los competitivos com a tecnologia diesel.
Trata-se da tecnologia multi-air desenvolvida pela FIAT desde 2000. O curioso é a FIAT apresentar-se na sua publicidade como o fabricante de motores de menor emissão de CO2, o que é verdade também, mas omite sistematicamente este feito extraordinário: investiu na investigação (como dizem os economistas, investiu, em período de crise, a contra-ciclo) e conseguiu melhorar o rendimento do motor de explosão de gasolina – com uma cilindrada menor, obtem a mesma potência.
Parecerá que tem pudor em publicitar o seu êxito.
Quando seria positivo fazê-lo.
Estimularia as empresas a investir na investigação.
Mas chamaria a atenção para uma coisa interessantíssima: o projeto multi-air esteve parado na FIAT entre 2001 e 2005.
Porquê? Porque nesse período a FIAT esteve associada à GM e os gestores acharam que não deviam perder dinheiro com investigações para melhoria de eficiências energéticas.
Eu, que como sabem tenho tendência para ser faccioso, retiro duas conclusões:
1 – os gestores têm muita dificuldade em ver para além do curto prazo; interessar-lhes-á obter resultados em menos tempo, possivelmente porque não terão a responsabilidade da gestão a médio ou longo prazo; donde a dificuldade em ver para além do curto prazo poderá significar que não querem ver; em termos marítimos, por razões de segurança, devem evitar-se os comandantes que navegam à vista e preferir-se os comandantes que estimam as rotas de longo curso; em termos económicos, por princípio convirá associar excelentes resultados a curto prazo a: atividades económicas especulativas, ou depreciadoras de ativos, ou contrárias à concorrência;
2 – a economia funciona, muitas vezes, em sentido contrário ao da ciência; ao longo da história, desde a afirmação do método científico no século XVII, de que a criação da academia das ciências britânica é um bom exemplo quando impôs aos seus membros a obrigatoriedade de partilha da informação adquirida, tem-se sucessivamente verificado que o segredo não é a alma do negócio; o que faz avançar a sociedade técnica e científica é a difusão da informação e a necessidade do bem estar coletivo. Não as leis do mercado que condicionam os gestores das multi-nacionais. Embora os economistas sejam depois os primeiros a querer que os mercados beneficiem das conquistas do método científico. Se queremos progresso científico, temos de refrear as leis de mercado;
3 - tudo indica que vale a pena, mesmo do ponto de vista da economia, investir na investigação sobre a eficiência energética (melhor utilização dos recursos, especialmente dos não renováveis)
Mas o sistema multi-air, o que faz?
Simples (só na ideia, claro, porque a realização técnica é complicada). Com recurso a árvores de cames clássicas (falharam as tentativas de comando "by wire", i.é, só elétrico) e dispositivos eletro-hidráulicos , comanda o tempo de duração, no ciclo, da abertura das válvulas de admissão (o que anteriores sistemas da Toyota, Honda e BMW fazem) e a extensão da abertura dessas válvulas (o que mais nenhum sistema faz). Assim se elimina a borboleta do acelerador (diminuíndo as perdas de carga na admissão) e se controlam as quantidades mínimas de combustível necessárias.
Uma maravilha, quase inesperada. Pena quando os beneficiários destas conquistas da tecnologia aceleram depois nas passadeiras de peões ao mesmo tempo que cidadãos idosos tentam atravessá-las.
http://www.fptmultiair.com/flash_multiair_eng/home.htm
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