segunda-feira, 2 de março de 2015

Ponto de vista sobre o terminal de contentores do Barreiro

A Administração do Porto de Lisboa apoia a construção de um terminal de contentores no Barreiro.
A sua presidente participou numa deslocação a Bruxelas para patrocínio da candidatura a fundos comunitários (lamento, a propósito, o silencio do governo sobre a eventual apresentação de outras candidaturas ao programa CEF - conneting Europe facility, cujo prazo terminava em 26 de fevereiro de 2015 e foi prorrogado a 3 de março).
A presidente da APL teve a prudência de afirmar que só concordará com a construção do terminal se os seus custos forem assumidos pelo concessionário.
Tendo-a conhecido e admirado a sua atuação em diversas áreas do transporte, nomeadamente na implementação de radares de controle de velocidade em rodovias, tenho pena de a ver associada a um deficiente processo de tomada  de decisão sobre um investimento de interesse público (duvido que um empreendimento desta  natureza seja suportado na prática exclusivamente por capitais privados).

1 - Como em qualquer país desenvolvido, os empreendimentos de interesse público deveriam ser objeto de um planeamento a longo prazo e de uma divulgação atempada que permitisse um debate aberto baseado em análise de custos-benefícios para várias alternativas. Para que estejam integrados na estrutura económica do país e não sejam iniciativas avulsas e descoordenadas. O caso do terminal do Barreiro é típico, nunca fez parte de um estudo estratégico do porto de Lisboa e só recentemente surgiu como alternativa ao local estudado e proposto desde os anos 90: no fecho da Golada.

2 - Convem recordar três evidencias históricas que provam o desprezo dos decisores do país pelo interesse estratégico dos portos marítimos: 1 - até ao século XV Coimbra foi porto marítimo, pois o Mondego era navegável até a Raiva, a montante de Coimbra, pelos navios de navegação oceânica. O assoreamento posterior, em parte devido á deflorestação das margens do rio, acelerando a sua erosão, tornou impraticável a navegação no rio. 2 - a rota mercantil utilizada pelos romanos para o sul de Lisboa consistia no transporte fluvial de Lisboa a Aqua bona (Coina), seguindo por via terrestre para Setúbal e daí atravessando o rio Sado. No século XVIII, numa altura em que se desenvolviam as comunicações fluviais e por canais em Inglaterra, França e Alemanha (porque o transporte em meio aquático é mais eficientemente energeticamente, isto é, exige menos energia para transportar o mesmo peso de mercadorias), não foi julgado importante construir um canal de ligação entre os estuários do Tejo e do Sado. 3 - o frete e o seguro do transporte marítimo do ouro do Brasil, no século XVIII, foi entregue a frotas e companhias holandesas; foram raros os navios portugueses que participaram nesse transporte, porque os decisores da altura resolveram poupar no investimento em navios.

3 - Convem também tomar uma vista aérea do estuário do Tejo e, pensando nos exemplos de portos por essa Europa fora, imaginar como seria a configuração dos portos de Lisboa se a gestão deste território estivesse entregue a holandeses.




4 - Vale ainda recordar as condições reais do estuário do Tejo em termos de fundos de pouca profundidade. Nos anos 90, houve um conflito entre o ministério dos transportes e os pilotos (qualquer navio que demande o porto precisa de embarcar antes da barra um piloto que conhece o estuário). O senhor ministro os transportes achou que podia dispensar os pilotos em greve. Logo um cargueiro foi encalhar ao largo do Barreiro, mais ou menos nas mesmas coordenadas onde podemos imaginar um navio de 8000 TEUs fazendo manobras de atracagem ou desatracagem com os seus 300 metros de comprimento, 43 de largura e 14,5 de calado. Ou mais modestamente, contentar-se-á o porto de Lisboa em movimentar navios de cabotagem de 215m de comprimento, 20m de largura e 10m de calado, quando Algeciras ou Sines podem movimentar navios de 18000 TEus (400m - 53m - 15,5m)?





5 - Já é do domínio público que os estudos prévios para a localização do terminal de contentores no Barreiro foram sujeitos a candidatura dos fundos europeus do CEF (connecting Europe facility), não a construção do porto. Segundo afirmações do senhor secretário de Estado e da presidente da APL, não serão gastos dinheiros públicos, pelo que estaremos dependentes do investimento de um operador concorrente do que detem o monopólio do porto e ampliação de Sines (até os 4 milhões de TEUs). Com as dúvidas sobre os custos anuais das dragagens e dos limites impostos aos navios, parece incerto o interesse dos grandes operadores. A utilidade deste porto seria assim para abastecimento e exportação da área geográfica envolvente, eventualmente até Madrid.

6 - Para serviço da área geográfica envolvente pareceria prioritária, sem prejuízo da futura construção de um pequeno porto no Barreiro, a ampliação com estacaria do porto de Santa Apolónia e a melhoria dos fundos do porto de Setúbal. Sobre o Barreiro, Santa Apolónia tem a vantagem das ligações ferroviárias mais próximas do centro de gravidade da área de consumo, a norte de Lisboa (a ligação ferroviária do Barreiro terá de dar a volta pelo Setil). E Setúbal tem  a vantagem de estar mais próxima da plataforma do Poceirão, para o tráfego de exportação.

7 - Tem circulado pela internet a informação de que toda a zona da ex-Quimigal, adjacente ao local do projetado terminal de contentores do Barreiro, já foi alvo de um estudo prévio de urbanização por um gabinete de arquitetura associado a um vereador da câmara de Lisboa. Não sendo ilegal, tal facto, a não ser verdade, deveria ser objeto de desmentido formal e esclarecedor. Sendo verdade, comprova a promiscuidade entre negócios privados e a coisa pública com a respetiva informação assimétrica e a repulsa por concursos públicos. E comprovaria também que o principal motivo para a localização do porto do Barreiro é a recuperação urbanística da área da ex-Quimigal, o que na verdade tem vantagens para o concelho, mas não é uma boa solução técnica do ponto de vista portuário e de ligação à Europa.

8 - A engenharia existe para, com recurso à ciência e à técnica, vencer dificuldades e tornar possíveis empreendimentos. Mas deve fazer isso sob compromisso económico e após análise dos custos (incluindo prejuízos sociais e ambientais) e dos benefícios (não apenas económicos).
No caso vertente, não é possível neste momento, dadas as caraterísticas do Tejo, prever com exatidão a taxa de reassoreamento após dragagens. O modelo teórico existente, sendo certo que quanto mais profundas as dragagens mais rápido o reassoreamento e a necessidade de novas dragagens, precisa de ser confirmado com dragagens experimentais, o que se aplica também à avaliação do grau de contaminação e dos custos de tratamento dos lodos contaminados.



9 - Localizações do terminal de contentores de águas profundas propostas anteriormente para a Trafaria e para a Cova do Vapor, a poente do terminal cerealífero da Silopor, na Trafaria

visto de Lisboa, ao fundo, o terminal cerealífero da Silopor, na Trafaria. O terminal de contentores na localização Trafaria ou Cova do Vapor ficaria mais à direita



visto da Trafaria, o terminal cerealífero da Silopor. Existe neste momento um contencioso com o concessionário. O terminal de contentores da Trafaria ou da Cova do Vapor ficaria por trás, a poente

o terminal cerealífero da Silopor visto da Cova do Vapor. Localização do terminal de contentores chumbada pela camara de Almada

comparação das duas localizações propostas para o terminal de contentores da águas profundas na Trafaria ou na Cova do Vapor


comparação das duas localizações propostas para o terminal de contentores da águas profundas na Trafaria ou na Cova do Vapor. Notar que o baixio imediatamente a NE do Bugio vai-se assoreando, no sentido do estreitamento da barra do Tejo, à medida que a Caparica perde areia. O processo só será interrompido com o fecho da Golada 

10 - Cartas náuticas com as linhas de igual profundidade

porto de Lisboa - a azul escuro as zonas de baixios; a branco os bancos de areia (imediatamente a NE do Bugio, o banco de areia vai avançando para norte, estreitando a foz, à medida que a Caparica perde areia; consequentemente, a construção de um porto de águas profundas aqui  implica o fecho da Golada

devido à presença do banco de areia a NE do Bugio, o porto de águas profundas teria de estar alinhado com a margem sul para apanhar a linha de profundidade de 20m; na zona do Barreiro verifica-se uma profundidade inferior a 5m e extensas zonas lodosas; o assoreamento é devido não só ao Tejo mas também às ribeiras afluentes dos canais do Seixal, do Barreiro, da Moita e do Montijo


Finalmente, reproduzo o "post" de 1 de julho de 2014 neste blogue. Pouco se avançou, e o que se avançou foi no caminho, segundo este blogue, do erro:

terça-feira, 1 de julho de 2014


Os localizadores. O porto do Barreiro, o aeroporto da Ota e o aeroporto do Montijo

Acredito na boa fé do senhor ministro da Economia.
E que ele acredite sinceramente nos mecanismos intangíveis e invisíveis que transformam o interesse no lucro das empresas no benefício coletivo, desde que não me obrigue a acreditar em tal coisa.
Por isso me trouxe mais um desgosto a sua afirmação de que o novo terminal de contentores de Lisboa ficaria no concelho do Barreiro, embora ainda estivessem a decorrer estudos.
Se estão a decorrer estudos, não se pode concluir que a localização será no Barreiro, a menos que se aplique a velha história: "Faça-me aí um relatório para demonstrar o que eu quero".
Desgosta-me a ingenuidade com que o senhor ministro dará ouvidos a quem lhe diz que sim, o terminal pode ser no Barreiro.
Lamento dizer claramente que é um disparate. Um porto no Barreiro será muito útil como porto de distribuição, de cabotagem e ele já lá existiria se Portugal tivesse marinha mercante que se visse. Mas não como porto de águas profundas. Claro que se pode dragar. Mas custa caro e entra nas despesas de exploração. Além de que está longe do mar e o acesso afunilado pelo estreito de Cacilhas. Os especialistas já estudaram a melhor localização nos anos 90. É o fecho da Golada, para grande desgosto dos ambientalistas. O fecho da Golada reteria as areias da Caparica e protegeria Lisboa do risco de maremotos. Há espaço para poupar a Trafaria. O acesso ferroviário será caro, mas razoável economicamente. O porto de águas profundas da Golada aliviaria Alcantara, vocacionada para cruzeiros. Projetos bem feitos beneficiariam de fundos comunitários.
Mas a corte que rodeia os ministros não quer.
Recordo a história da localização do novo aeroporto na Ota para demonstrar a inépcia dos localizadores de grandes infraestruturas em Portugal quando se constituem em cortes de bonzos a isolar os ministros da realidade.
Era primeiro ministro o atual presidente da República, quando a Força Aérea apresentou o plano de racionalização das suas bases aéreas a propósito do estacionamento dos F-16.
Tudo ponderado, considerando as deficientes condições meteorológicas e aeronáuticas da Ota, a Frça Aérea desistia dela.
Foi quando o senhor primeiro ministro, contente por poder fazer economias, disse que então podia lá ficar o novo aeroporto. A corte de bonzos apoiou, dizendo que até podia ser servido pela linha do norte (ignorantes, nem sequer sabiam que a linha do norte já estava saturada). Um grande gabinete de arquitetura fez um projeto muito bonito, com uma estação de correspondencia com alinha do Norte digna de revistas de arquitetura. Outro grande gabinete de engenharia rejubilou, considerando a tabela de honorários, programando a movimentação de terras e cursos de água, o corte de um morro e dois anos consecutivos de aterros. Passados uns anos e alguns governos, perante o protesto de alguns técnicos que desde os anos 70 sabiam que a localização correta era na zona de Rio Frio (era o mesmo programa do inicio da década de 70 retomado pelo V governo provisório, de que faziam parte o porto de Sines e o aproveitamento do Alqueva), um ministro de obras públicas perguntou à ministra do ambiente se havia contraindicações ambientais em Rio Frio, mas não perguntou se as havia na Ota (com a quantidade de aterros de cursos de água, imagine-se). Claro que a ministra disse que sim, que havia, há sempre prejuízos ambientais, o que quer que se faça ou deixe de se fazer). E assim se decidiu que ficava na Ota. Grandes investidores asiáticos já tinham comprado hectares e hectares à volta. Um grupo de técnicos não desistiu e lá conseguiu demonstrar ao governo contemporaneo da crise do Lehman Brothers que era melhor Alcochete (Rio Frio, Canha). Mas era tarde, tinha-se esgotado o financiamento do QREN para essas coisas.
Vem agora o senhor secretário de Estado dos transportes e a Ryan Air, entusiasmados com a gestão privada da ANA, que estão abertos à localização no aeroporto do Montijo do "apêndice" do aeroporto da Portela ,enquanto não atinge os 22 milhões de passageiros, mas já saturado com 16 milhões .
Relembra-se que as pistas do Montijo são curtas (2100 m a norte-sul, no enfiamento da ponteVasco da Gama, e 2400 m a Leste-oeste, no enfiamento da povoação). E que qualquer adaptação da base aérea custa muito dinheiro. Como estão a custar as "melhorias" na Portela. Faz pena ver  a falta que faz uma ligação ferroviária suburbana à margem sul pelo Montijo (para não falar que na terceira travessia deveria estar incluida a alta velocidade para Madrid, passageiros e mercadorias. Coisas que projetos bem feitos teriam financiamento dos programas QREN.
Mas é exigir demais aos localizadores que tomam decisões.



2 comentários:

  1. O meu reconhecimento sobre o material publicado. Permita-se a seguinte achega. Relativamente à utilização do aeroporto do Montijo pelas Low Cost, existe acessibilidade ferroviária através do antigo Ramal do Montijo, o qual embora desactivado ainda mantém a plataforma ferroviária, possibilitando a ligação desse aeroporto à restante rede ferroviária nacional através do Pinhal Novo. Para a operação ferroviária, basta a actual situação de "via única", velocidades até 80Km/h, com tempos de percurso não superiores a 10 minutos. Assim ficará ligado a todo o sul, bem como a Setúbal e Lisboa (Porto). A. Rui

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  2. Agradecido pela informação. As ligações ferroviárias de serviço urbano e suburbano em toda a margem su e na ligação à margem norte mereciam um estudo integrado para execução faseada e candidata aos fundos comunitários.

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