quarta-feira, 25 de março de 2015

Conferências Portugal 2020

O DN/Dinheiro Vivo organizou um ciclo de conferências sobre a aplicação de fundos comunitários.
Salvo melhor opinião, a orientação é ignorar que, contrariamente à perceção geral, às ideias do governo e ao interesse de alguns grupos económicos, o país de encontra carente de investimento em infraestruturas, nomeadamente portuárias, ferroviárias e energéticas que o liguem minimamente à Europa.
Registo assim 3 documentos sobre a questão:

1 – email enviado em 25 de março de 2015:

Exmo Senhor Diretor

Referindo-me ao vosso anúncio do ciclo de conferências Portugal 2020, iniciativa certamente meritória, venho chamar a sua atenção para o que, salvo melhor opinião, constitui uma desinformação.
Cito do anúncio: “A prioridade é a deslocação do investimento das infraestruturas, onde estamos acima da média europeia, para a competitividade …”
Ora, se é verdade que os nossos indicadores de autoestradas estão acima da média europeia, já na ferrovia o país se encontra muito atrasado, com cerca de 31km de via férrea por 1000 km2 de superfície do país, quando a média europeia é de cerca de 46 km/1000 km2.
De referir ainda que, contrariamente á perceção geral (sem que a comunicação social se tenha preocupado em esclarecer a questão) a aplicação de fundos comunitários entre 2000 e 2009 foi, de acordo com Marvão Pereira em Investimento públicos, ed.Fundação Manuel dos Santos, de 13,15% para autoestradas e de 16,19% para infraestruturas de telecomunicações.
E segundo o boletim de monitorização dos fundos QREN de 2007-2013, apenas 28% das verbas foram aplicadas em “Valorização do território”.
Foram ainda desaproveitados 600 milhões de euros.
Com base neste números, não parece assim ser verdadeira a afirmação do vosso anúncio, encontrando-se o nosso país gravemente carente de infraestruturas portuárias e ferroviárias, onde se deveria investir com o apoio da União Europeia.
Cito Juncker: “«Estes investimentos suplementares devem centrar-se nas infraestruturas, nomeadamente nas redes de banda larga e redes de energia, bem como nas infraestruturas de transporte em centros industriais; na educação, investigação e inovação; nas energias renováveis e na eficiência energética. É conveniente afetar recursos significativos a projetos suscetíveis de ajudar os jovens a voltarem a encontrar empregos.»

Por tudo isto, julgo que os termos do vosso anúncio deveriam ser corrigidos.

Com os melhores cumprimentos




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2 - Email enviado em 14 de novembro de 2014:

A propósito do anuncio na imprensa da vossa iniciativa "Conferencias Portugal 2020", a  qual merece aplauso pela oportunidade e pela utilidade, venho sugerir uma correção ao texto do anuncio.
Referem V.Exas no anuncio que "A prioridade é a deslocação do investimento das infraestruturas, onde estamos acima da média europeia, para a competitividade e internacionalização das empresas".
Ora, sendo certo que os índices de auto-estradas nacionais estão acima da média europeia, já não se poderá dizer o mesmo de setores essenciais para a economia como as infraestruturas ferroviárias, de águas e saneamento, portuárias ou aero-portuárias.
Nestas condições, os termos referidos do anuncio podem induzir em erro a opinião pública, fazendo-a crer que também nos setores em que Portugal ostenta um atraso enorme relativamente à Europa o investimento deveria deslocar-se das infraestruturas para o apoio às empresas.
Deve ainda referir-se que o atraso nas comunicações ferroviárias, quer de passageiros, quer de mercadorias, se traduz em grave desperdício energético considerando a menor eficiencia energética dos modos aéreo ou rodoviário e a grave dependencia do setor de transportes relativamente à importação de combustíveis fosseis.
Acresce que o investimento no setor ferroviário é suscetível de contribuição a 85% de fundos comunitários, o que contribuirá para a redução do defice orçamental. Chama-se a atenção para que o seu aproveitamento exige a apresentaçãoà comissão europeia  de programas-base de empreendimentos credíveis até ao mês de fevereiro de 2015, o que, pela proximidade, exigiria que já se estivesse vivendo um período de amplo debate público sobre as escolhas a fazer.
Pelas razões expostas me parece que seria útil alterar o texto do anuncio.

Melhores cumprimentos e votos de sessões produtivas.


3 – “post” no blogue em domingo, 18 de janeiro de 2015

O fim da linha - os fundos comunitários


O fim da linha, ou o fim da estrada, são expressões coloquiais usadas para marcar o fim de uma atividade, de uma empresa, de um projeto, de uma vida.
O fim da linha chega a 26 de fevereiro.
Ou pelo menos parece, porque o secretismo do governo é grande.
E os decisores, qualquer que seja o seu nível, no governo ou nas instituições, continuam a seguir o costume mau português de segregar a informação, para que a sua insegurança seja compensada com a sensação de superioridade por deterem informação que a maioria desconhece.
26 de fevereiro é o prazo para apresentação de candidaturas aos fundos comunitários.
Atempadamente (outubro de 2013) foi divulgado pela comissão europeia que seriam disponibilizados fundos comunitários, que poderiam atingir 85%  a fundo perdido,  para investimento, nomeadamente nos corredores ferroviários de ligação à Europa, de que o atlântico, Lisboa-França, detinha a 3ª prioridade em 30.
Este é o programa europeu CEF - connecting Europe facility, a que estão alocados numa primeira fase 11,9 mil milhões de euros, como seed-capital (capital semente), e que considera as ligações ferroviárias Lisboa-Caia-Madrid-Irun e Aveiro-Salamanca.
Para além deste programa, o presidente da comissão europeia Juncker propôs um plano para 3 anos de investimento para a Europa com uma garantia de 21 mil milhões de euros (16 mil milhões para investimentos de longo prazo, mais 5 mil milhões para PME) a induzir investimentos de 315 mil milhões.
Há ainda o novo QREN para 2014-2020 (Horizonte 2020), dotado com 25 mil milhões de euros, incluindo agricultura e pescas.
Os bonzos, porém (que me perdoem os bonzos chineses) acharam que o país já tinha infraestruturas demais.
É natural que achassem.

Bonzos ocidentais não constroem caminhos de ferro, nem portos para porta-contentores de grande capacidade, nem compreendem as variáveis que entram nessas questões, e andam muito, muito pouco, de comboio.
Consta que ainda houve bem intencionados que reenviaram a Bruxelas, para o plano de Juncker,  a lista de investimentos do GT-IEVA (grupo de trabalho para investimentos de elevado valor acrescentado, em que parte significativa são investimentos específicos da conta da respetiva empresa), num montante de 16 mil milhões de euros.

Bonzos ocidentais preferem debitar receitas neo-liberais apreendidas nas faculdade de cursos de "papel e lápis" com as doutrinas de Haiek ou Friedman, sempre muito preocupados com o individualismo e a livre iniciativa, nada preocupados com a informação assimétrica, a escassez e as externalidades, que como se sabe, dão cabo de qualquer funcionamento de mercado.
Os atuais governantes insistem que só as empresas funcionando em mercado livre podem fazer o país sair da armadilha económico-financeira em que se encontra.
Por isso aplaudem os seminários que se fazem com os empreendedores ansiosos por beneficiarem de financiamentos europeus, e académicos e divulgadores/comentadores, a maioria com irrelevante experiencia nas frentes de trabalho das empresas, a explicarem as virtudes da competitividade e da inovação como panaceia.
A mensagem que sistematicamente divulgam através da comunicação social é a de que no QREN de 2007-2013 o país desperdiçou os fundos comunitários em infraestruturas de reduzida utilização, nomeadamente autoestradas.
Justificam assim a aplicação dos fundos do programa para 2014-2020.
Só que ... mentem.
De acordo com Marvão Pereira, em "Os investimentos públicos em Portugal", ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 2000 e 2009 os investimentos públicos em infraestruturas foram em média anual 4,52% do PIB, repartindo-se por:

- infraestruturas rodoviárias convencionais.......................................... 20,16%
- ferroviárias .........................................................................................12,37%
- autoestradas ......................................................................................13,15%
- portos e aeroportos ............................................................................ .2,58%
- infraestruturas de saúde ......................................................................5,83%
- de educação ....................................................................................... 5,21%
- de telecomunicações .........................................................................16,19%
- básicas (refinarias, redes de gás, eletricidade, águas e residuos......24,51%

Isto é, gastou-se mais em infraestruturas de telecomunicações do que em autoestradas (a preços atuais, sem contar com os custos financeiros posteriores das PPP, elimináveis se se resgatassem as dívidas pelo valor da obra).

Por outro lado, de acordo com o boletim governamental de monitorização dos fundos QREN 2007-2013 de setembro de 2014, a execução, por grande tema, foi:
- potencial humano......................... 47%,
- fatores de competitividade .......... 25%,
- valorização territorial .................. 28%.
Sendo que na repartição das verbas para o potencial humano se incluem:
- 24%   para a rede escolar
- 27%   para qualificação de jovens
- 20%   para qualificação de adultos
Para os fatores de competitividade foram:
- 62%   para inovação e renovação empresarial
Para a valorização territorial:
- 34%   para a mobilidade (ferrovia Sines-Caia, metro do Porto, CRIL Buraca-Pontinha, autoestrada transmontana)
- 26%   para ambiente e águas urbanas
- 18%   para cidades
- 14%   para equipamentos sociais, cultura e lazer
Isto é, a aplicação dos fundos em infraestruturas foi minoritária, ao contrário do que a propaganda oficial quer fazer crer.

Receia-se assim, fundadamente, que Portugal perca a oportunidade, por ultrapassagem do prazo de 26 de fevereiro de 2015, de desenvolver as ligações ferroviárias em bitola europeia para passageiros e mercadorias Lisboa/Sines-Poceirão-Caia-Irun e Aveiro-Salamanca (exigindo esta ligação uma linha quase toda nova), ampliação das infraestruturas portuárias de Aveiro e Lisboa (se não construido o terminal de contentores a jusante da Cova do Vapor, pelo menos executar o fecho da Golada), o reforço das interligações de linhas de transmissão com Espanha, a ligação em muito alta tensão de corrente continua à rede elétrica francesa,  a construção de barragens com bombagem (potencial de 5 GW) para absorção do excesso de produção eólica, desenvolvimento de frotas de veículos elétricos rodoviários alimentação por baterias ou por hidrogénio produzido descentralizadamente a partir da energia eólica, reabilitação urbana com isolamento térmico e emparcelamento, proteção florestal e desenvolvimento de 
centrais de biomassa e de resíduos urbanos, desenvolvimento da aquacultura, etc, etc. (no caso do metropolitano de Lisboa, relembram-se as dificuldades burocráticas que têm impedido a alocação de verbas para conclusão da estação Reboleira de correspondência com a CP, da ampliação das estações de Areeiro e de Arroios, e da adaptação das principais estações a pessoas com mobilidade reduzida).

Ressalvo que, dada a natureza secretista do governo, é possivel que alguma coisa de útil se esteja fazendo quanto a infraestruturas, mas isso seria uma agradável surpresa.

Receio que seja mesmo o fim da linha, uma oportunidade perdida, com Espanha a resolver os seus problemas, nomeadamente ferrovia e portos, sem coordenação com a parte portuguesa.
O que apenas continuaria a melhor tradição das questões comuns com Espanha da água, da energia elétrica e vias de transporte rodoviário e ferroviário, e em conformidade com a referência histórica do embaixador de Filipe II ao regressar da sua viagem a Lisboa para apresentar a candidatura à coroa portuguesa: "os portugueses são gente estranha".

Como escreveu Daniel Gros, diretor no Centro de Estudos Politicos Europeu,  "
A razão pela qual ainda não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa."

Assenta como uma luva ao atual governo, a opor-se às ligações ferroviárias e a vender a esperança na competitividade das empresas...Depois ofendem-se muito quando a crítica é de que são opções ideológicas neo-liberais.

Sobre este assunto ver documentação, de que a maioria se deve à recolha atenta, que agradeço, pelo colega Mário Ribeiro, em: 

http://1drv.ms/1ue6zBE


PS em 19 de janeiro: É interessante comparar o discurso de propaganda, sobre os fundos comunitários, do senhor primeiro ministro e do senhor ministro Poiares Maduro, com o discurso do presidente da CE, Juncker:

«A minha primeira prioridade como Presidente da Comissão será reforçar a competitividade da
Europa e estimular o investimento para a criação de emprego.»
«Precisamos de um investimento mais inteligente e, aquando da utilização dos fundos públicos
[disponíveis a nível da UE], de mais precisão, menos legislação e mais flexibilidade.»
«Se assim atuarmos poderemos mobilizar até 300 mil milhões de EUR de investimento público e privado adicional na economia real nos próximos três anos.»
«Estes investimentos suplementares devem centrar-se nas infraestruturas, nomeadamente nas redes de banda larga e redes de energia, bem como nas infraestruturas de transporte em centros industriais; na educação, investigação e inovação; nas energias renováveis e na eficiência energética. É conveniente afetar recursos significativos a projetos suscetíveis de ajudar os jovens a voltarem a encontrar empregos.»
(Orientações políticas de Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, apresentadas ao Parlamento Europeu em 15 de julho de 2014).



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