Aos trabalhadores do metropolitano de Lisboa , poucos dias
antes do 25 de abril de 2015
Escrevo-vos na qualidade de reformado do metropolitano, que
sou desde há 4 anos.
Não posso apoiar-vos em tudo o que disse a Raquel Varela, a
quem envio um beijinho pela frontalidade da sua posição (se ela pode enviar-vos
publicamente um beijinho eu também posso enviar-lho).
Concordo que a greve, para além de um direito, é um dever e
um ato de civilização nas atuais circunstancias, e já digo porquê.
Mas não posso, por acreditar que os técnicos de equipamentos
e sistemas deviam ter um juramento como
os técnicos de medicina, de tudo fazer para que a “máquina” não pare, por mais
degradadas que estejam as condições, que sejam outros a decidir “desligar a
máquina”, não os técnicos.
Por acreditar que só por motivos que excedam as
possibilidades humanas o serviço de transporte possa parar.
Eu sei que assim a greve perde força, mas reparem que é como
no judo. O atual governo está a fazer o mesmo que o judoca que aproveita a
força do adversário para o desequilibrar.
O atual governo está a virar a força da greve contra os
próprios trabalhadores, destacando os prejuízos para os passageiros, também
trabalhadores e muitas vezes mais precários e mal pagos.
Também devia informar-se melhor e não admitir serviços
mínimos de 25% e, se acha que o prejuízo é grande, cumprir a lei e assumir a
responsabilidade pela requisição civil.
Também devia informar-se melhor porque em Portugal é tão
elevada a percentagem de deslocações em transporte automóvel em detrimento do
transporte coletivo, mais eficiente energeticamente (“país desenvolvido não é
aquele em que pobre anda de carro, é aquele em que rico anda de transporte coletivo”).
É fácil explicar que a privatização ou sub-concessão do
serviço de operação é um mau negócio para os contribuintes: os indicadores da
exploração do metro estão e estiveram, ao longo dos anos e quando comparados
com os outros metropolitanos, dentro ou acima da média.
Por isso, por mais que os grupos privados e o senhor
secretário de Estado repitam que “os privados sabem gerir melhor”, é difícil
acreditar que os custos da operação privada mais os lucros que os seus acionistas
vão exigir (a menos que estejam a praticar “dumping”, o que é proibido pela lei
internacional) sejam menores do que os custos da operação pública.
Eu penso que uma greve apenas com perturbações (pequenos
atrasos nas estações) para explicar os motivos aos passageiros e aproveitar
para recordar as medidas de segurança (tal como se faz nos aviões) e o
desinvestimento no metro seria eficaz, com uma boa preparação da opinião
pública nos dias anteriores (denunciando os vencimentos inflacionados que a
senhora Moura Guedes expôs na televisão, por exemplo).
É evidente que ficaria claro que as sub-concessões se
integram na estratégia geral da transferência da parte lucrativa pública para o
privado e da redução da parte do trabalho no rendimento, coisa vista com bons
olhos pelos burocratas de Bruxelas, do BCE e do FMI.
Explico agora porque penso que a greve é um ato de
civilização nas atuais circunstancias.
Ser reformado há uns anos já me dá uma perspetiva abrangente
sobre o que foi a evolução do metro nos últimos 40 anos.
Embora seja uma rede relativamente pequena e tenham sido
cometidos erros por gastos supérfluos e por incoerência do desenvolvimento da
rede (evidentemente não imputáveis a quem trabalhava no metro), o nível de exigência
de qualificação dos trabalhadores para o projeto e construção (partilha com os
trabalhadores das firmas de construção civil e de fornecedores de equipamentos e
sistemas), e para a operação e manutenção da rede foi e é muito elevado.
Transportar pessoas em metropolitanos com requisitos de
segurança é uma função complexa e de grande responsabilidade.
É possível que os senhores da secretaria de Estado, do
governo em geral e dos comentadores que os servem não tenham experiencia profissional
que lhes permita compreender isso, ou pelo menos aceitar quando tal colide com
a sua política de desvalorização de quem trabalha. Mas eu posso atestar, tendo
conhecido diretamente na minha vida profissional mais metropolitanos do que os
consultores que trabalham para aqueles senhores, que é complexo construir,
operar e manter um metropolitano.
Os trabalhadores do metro, ao longo desses 40 anos e atualmente,
têm assim direito ao reconhecimento da comunidade e não merecem o tratamento
que lhes é dado pelo governo e seus mandatados.
Era isto, mais ou menos, que vos queria dizer, desejando-vos
sucesso.
Com consideração,
Fernando Santos e Silva
reformado do metropolitano de Lisboa, onde teve o número
3071
Quem manda é Bruxelas..!
ResponderEliminarSó depois é que vão ver... o erro monumental..!!
Dentro de alguns anos..(meia dúzia..!?) levar-se-á tudo ao caos
e ruina..! e depois aparecem uns "génios" para refazer tudo, modernizar,
e...à custa do ...Estado..!!?
É a destruição criativa do Schumpeter, ou a crença na Fenix a renascer das cinzas, ou a suprema realização do ser no "aneantissement" existencialista do Sartre. Só que eu não sou existencialista...
Eliminar