domingo, 19 de abril de 2015

Aos trabalhadores do metropolitano de Lisboa, poucos dias antes do 25 de abril de 2015

Aos trabalhadores do metropolitano de Lisboa , poucos dias antes do 25 de abril de 2015


Escrevo-vos na qualidade de reformado do metropolitano, que sou desde há 4 anos.
Não posso apoiar-vos em tudo o que disse a Raquel Varela, a quem envio um beijinho pela frontalidade da sua posição (se ela pode enviar-vos publicamente um beijinho eu também posso enviar-lho).
Concordo que a greve, para além de um direito, é um dever e um ato de civilização nas atuais circunstancias, e já digo porquê.
Mas não posso, por acreditar que os técnicos de equipamentos e sistemas deviam ter um  juramento como os técnicos de medicina, de tudo fazer para que a “máquina” não pare, por mais degradadas que estejam as condições, que sejam outros a decidir “desligar a máquina”, não os técnicos.
Por acreditar que só por motivos que excedam as possibilidades humanas o serviço de transporte possa parar.
Eu sei que assim a greve perde força, mas reparem que é como no judo. O atual governo está a fazer o mesmo que o judoca que aproveita a força do adversário para o desequilibrar.
O atual governo está a virar a força da greve contra os próprios trabalhadores, destacando os prejuízos para os passageiros, também trabalhadores e muitas vezes mais precários e mal pagos.
Também devia informar-se melhor e não admitir serviços mínimos de 25% e, se acha que o prejuízo é grande, cumprir a lei e assumir a responsabilidade pela requisição civil.
Também devia informar-se melhor porque em Portugal é tão elevada a percentagem de deslocações em transporte automóvel em detrimento do transporte coletivo, mais eficiente energeticamente (“país desenvolvido não é aquele em que pobre anda de carro, é aquele em que rico anda de transporte coletivo”).  
É fácil explicar que a privatização ou sub-concessão do serviço de operação é um mau negócio para os contribuintes: os indicadores da exploração do metro estão e estiveram, ao longo dos anos e quando comparados com os outros metropolitanos, dentro ou acima da média.
Por isso, por mais que os grupos privados e o senhor secretário de Estado repitam que “os privados sabem gerir melhor”, é difícil acreditar que os custos da operação privada mais os lucros que os seus acionistas vão exigir (a menos que estejam a praticar “dumping”, o que é proibido pela lei internacional) sejam menores do que os custos da operação pública.
Eu penso que uma greve apenas com perturbações (pequenos atrasos nas estações) para explicar os motivos aos passageiros e aproveitar para recordar as medidas de segurança (tal como se faz nos aviões) e o desinvestimento no metro seria eficaz, com uma boa preparação da opinião pública nos dias anteriores (denunciando os vencimentos inflacionados que a senhora Moura Guedes expôs na televisão, por exemplo).
É evidente que ficaria claro que as sub-concessões se integram na estratégia geral da transferência da parte lucrativa pública para o privado e da redução da parte do trabalho no rendimento, coisa vista com bons olhos pelos burocratas de Bruxelas, do BCE e do FMI.
Explico agora porque penso que a greve é um ato de civilização nas atuais circunstancias.
Ser reformado há uns anos já me dá uma perspetiva abrangente sobre o que foi a evolução do metro nos últimos 40 anos.
Embora seja uma rede relativamente pequena e tenham sido cometidos erros por gastos supérfluos e por incoerência do desenvolvimento da rede (evidentemente não imputáveis a quem trabalhava no metro), o nível de exigência de qualificação dos trabalhadores para o projeto e construção (partilha com os trabalhadores das firmas de construção civil e de fornecedores de equipamentos e sistemas), e para a operação e manutenção da rede foi e é muito elevado.
Transportar pessoas em metropolitanos com requisitos de segurança é uma função complexa e de grande responsabilidade.
É possível que os senhores da secretaria de Estado, do governo em geral e dos comentadores que os servem não tenham experiencia profissional que lhes permita compreender isso, ou pelo menos aceitar quando tal colide com a sua política de desvalorização de quem trabalha. Mas eu posso atestar, tendo conhecido diretamente na minha vida profissional mais metropolitanos do que os consultores que trabalham para aqueles senhores, que é complexo construir, operar e manter um metropolitano.
Os trabalhadores do metro, ao longo desses 40 anos e atualmente, têm assim direito ao reconhecimento da comunidade e não merecem o tratamento que lhes é dado pelo governo e seus mandatados.
Era isto, mais ou menos, que vos queria dizer, desejando-vos sucesso.
Com consideração,

Fernando Santos e Silva
reformado do metropolitano de Lisboa, onde teve o número 3071


2 comentários:

  1. Quem manda é Bruxelas..!
    Só depois é que vão ver... o erro monumental..!!
    Dentro de alguns anos..(meia dúzia..!?) levar-se-á tudo ao caos
    e ruina..! e depois aparecem uns "génios" para refazer tudo, modernizar,
    e...à custa do ...Estado..!!?

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    1. É a destruição criativa do Schumpeter, ou a crença na Fenix a renascer das cinzas, ou a suprema realização do ser no "aneantissement" existencialista do Sartre. Só que eu não sou existencialista...

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