terça-feira, 19 de abril de 2016

A rede de transportes urbanos como componente do ordenamento do território - estratégia aplicável ao caso de Lisboa



É comumente aceite que na organização do território de uma área metropolitana, como tal base para a habitação de uma população significativa, para instalações industriais e comerciais, para escritórios e serviços, e ainda para atividades agrícolas, silvícolas e piscatórias, deverão ser planeadas e construídas redes de alimentação elétrica, de gás e de água,  de telecomunicações e de saneamento.
Relativamente ao escoamento e aproveitamento de resíduos urbanos e ao sistema de transportes, a postura dos cidadãos será um pouco difusa.
Não se nota uma opinião pública exigente em termos de recolha dos resíduos que possibilite o aproveitamento dos resíduos para produção de energia e para utilização agrícola.  A autarquia arranjará maneira de recolher o lixo e depois as sociedades intermunicipais que se preocupem com isso. Não se exige que nas novas urbanizações se prevejam infraestruturas para o aproveitamento dos resíduos e, muito menos produção local de energia.
De modo análogo, os transportes são considerados exteriores à organização do território em si. Os habitantes consideram normalmente o automóvel como solução para as suas deslocações casa-emprego, ou então há-de haver uma carreira de autocarros ou uma linha férrea tradicional e a pressão da opinião pública privilegiará a reivindicação de uma via rápida. A ineficiência do transporte individual face ao transporte coletivo ferroviário gera assim prejuízos para a economia nacional que se adicionam aos custos das vias rápidas.
Infelizmente, para o orgulho humano, as deslocações de pessoas obedecem às mesma leis da dinâmica dos fluidos, guardadas as devidas distancias e as diferenças de unidades. Isto é, tal como uma rede de saneamento subdimensionada satura e extravasa  ao mais pequeno excesso de afluência, assim uma rede de transportes deficiente e sobrecarregada prejudica seriamente os passageiros, quer estes se concentrem no transporte individual, quer no transporte coletivo. As crises de saturação ocorrem mais rapidamente no transporte individual para valores inferiores do volume de passageiros transportados, e são mais penalizadoras no caso de transporte coletivo subdimensionado.
É assim necessário planear uma rede de transportes quando se pensa em organizar o território, quer a construir-se uma nova urbanização, quer ao tentar corrigir a organização existente.   
No caso da área metropolitana de Lisboa o problema agrava-se com a desertificação da cidade intramuros (limites do município), a deslocação da habitação e de muitos serviços e atividades industriais para os subúrbios e a preferência pelo transporte individual.
A população da área metropolitana de Lisboa, cerca de 2,3 milhões de pessoas, distribui-se pelo município de Lisboa, cerca de 500 mil habitantes (nos anos 90 do século passado eram cerca de 800 mil), e pelos municípios envolventes.
A rede de comunicações  é composta principalmente por rodovias rápidas radiais e secantes relativamente à capital. Não existe a prática sistemática de realização de inquéritos de tráfego. No entanto, estima-se que as deslocações diárias em transporte individual no sentido habitação-emprego são da ordem de 160 mil automóveis entrados em Lisboa e 240 mil no tráfego secante, de um município envolvente para outro.
Um critério empírico, resultante de inquéritos de tráfego e de confirmação dependente da repetição desses inquéritos, admite que para uma população de 2,3 milhões de habitantes se espera um montante de 1,7 x 2,3 ~ 4 milhões de deslocações diárias motorizadas. O que daria uma carga na hora de ponta de um décimo (ou outro valor resultante de inquéritos de tráfego) ou 400.000 deslocações motorizadas na hora de ponta.
Aparentemente, a estrutura da habitação e do emprego na área metropolitana está distorcida em termos de ordenamento territorial. O facto de 60% das deslocações ser em transporte individual é um sintoma de uma mobilidade degradada, consequência do crescimento urbanístico desordenado.
Nestas condições, a utilização dos modelos normais para determinação das redes de comunicações ideais, nomeadamente as matrizes origem-destino ou habitação-emprego poderá ser irrelevante.
Isto é, encontrando-se distorcida a estrutura urbanística, a estratégia para o planeamento das redes de transporte deverá associar-se fortemente ao planeamento urbanístico, neste caso essencialmente corretor do existente, embora haja ainda algumas zonas extensas urbanizáveis intramuros (Vale Formoso/Comendadeiras, Chelas, Alta de Lisboa) em cuja construção nova deverá ser dada prioridade ao setor secundário (fábricas e oficinas pouco poluentes) relativamente à habitação e  aos setores terciário e quaternário .
A correção urbanística deverá ocupar-se da reabilitação dos edifícios, integrando-os e emparcelando-os de modo a melhorar o conforto, com áreas suficientes, em cada fogo, além das zonas de quartos e salas, para instalações sanitárias, logradouro e garagem. Terão de ser urbanizadas áreas abandonadas e remodelados os bairros, com uma percentagem de áreas verdes, assegurando no conjuntos dos edifícios uma distribuição  por habitação, serviços, comércio e oficinas. 
Considerando a área restrita do município de Lisboa, para o planeamento da rede de transporte urbano ferroviário, o metropolitano, terá de se partir da situação atual em que as deslocações internas são menos significativas do que as deslocações pendulares de entrada e saída do centro da cidade nas horas de ponta.
Isto é, a prioridade para novas obras parecerá ter de responder a duas tendências contraditórias.
Por um lado, deverão melhorar-se os canais radiais de penetração na cidade, o que implica  intervenções menores no centro da cidade, aumentando o conforto e a quota dos passageiros vindos do exterior da cidade e reduzindo em consequencia o consumo de combustíveis fósseis associado ao transporte individual.
Por outro lado, para redução dos movimentos pendulares, deverá favorecer-se a aproximação entre os locais de habitação e os de emprego, nomeadamente promovendo o repovoamento de Lisboa de acordo com os princípios de reabilitação urbanística referidos.
 Dado que não convém que do ponto de vista demográfico haja deslocações da população do interior do país para as áreas metropolitanas, parecerá que os municípios envolventes de Lisboa não deverão autorizar mais construção. Nestas condições, a força de produção das empresas de construção civil deverá ser reconvertida nas técnicas de reabilitação dos edifícios, compensando o aumento de preços de habitação nos subúrbios decorrente da diminuição da oferta com a diminuição do preço no interior da cidade por aumento da oferta (coisa alcançável igualmente com a manipulação dos IMIs e do IMTs).
Ao mesmo tempo, a deslocação de população para o centro de Lisboa será limitada pelo emparcelamento dos fogos disponíveis e pela contenção da componente habitacional nas novas urbanizações (para garantir a instalação dos setores secundário, terciário e quaternário), pelo que a população de Lisboa não deverá voltar a atingir o milhão de habitantes, impedindo-se na cidade a nova construção enquanto o parque habitacional se encontrar degradado ou utilizando a nova construção para substituir habitação degradada ou para instalar, por ordem de preferência, setores  secundário, quaternário e terciário.
É desejável que seja estudada a relação entre a disponibilização de mais percursos em transportes coletivos e a resposta da procura do transporte individual. Isto é, nas curvas de procura do TC e do TI, saber em que ponto ocorre a descompressão da oferta do TI (aumento da procura do TI por motivo de aumento da oferta do TC).
Dada a deficiente condição financeira do país, não será demais destacar a importância, nesta estratégia, de recurso aos fundos comunitários  (considerando a grave situação do desemprego, o nível do rendimento per capita da área metropolitana não poderá ser obstáculo a esse recurso).
A expansão da rede deverá fazer-se progressivamente de acordo com as possibilidades financeiras e estar integrada num plano global e coerente, de modo a evitar os desencontros sucessivos das estratégias anteriores de avanços por remendos dependentes de opções localizadas no tempo e decididas por políticos sem formação técnica para isso.
À medida que:
- forem sendo disponibilizados fundos comunitários mediante a elaboração o mais cedo possível, desde já, de projetos de expansão, da rede de metro e das redes de modos complementares, suscetíveis de aprovação pela comissão europeia atendendo às caraterísticas de sustentabilidade energética do modo de transporte ferroviário urbano, ou
- o tecido urbanístico da cidade for sendo recuperado e beneficiado, aumentando a densidade populacional intramuros,
será desejável a ampliação da rede de metro interna da cidade.

Propõe-se assim como expressão da estratégia para o metropolitano de Lisboa, de acordo com o cumprimento progressivo de um plano integrado e como exemplos de aplicação de fundos comunitários :
- a adaptação dos cais a 6 carruagens, acesso a pessoas de mobilidade reduzida (elevadores e instalações sanitárias adaptadas) e remodelação da ventilação principal nas estações de Areeiro (incluindo ligação hectométrica subterrânea à estação da CP) e Arroios,
- acesso de pessoas com mobilidade reduzida e instalações sanitárias adaptadas nas principais estações que dele ainda não dispõem, nomeadamente nas estações de correspondência (Campo Grande, Colégio Militar, Baixa Chiado, Jardim Zoológico, Entrecampos),
- reforço dos níveis de segurança da circulação com sistemas de proteção automáticos do tipo ATP/ATO e CBTC para redução da probabilidade de ocorrência de acidentes,
- completamento do  esquema básico da rede:
·  prolongamento da linha vermelha de São Sebastião até à linha suburbana de Cascais,  com correspondência em Alcântara e Algés e com correspondência com parque de estacionamento em Campolide para o transporte individual da A5
·        prolongamento da estação Aeroporto a Campo Grande em viaduto
·      prolongamento de Telheiras a Pontinha com viaduto entre o Eixo Norte-Sul e a estação Pontinha passando pela nova feira popular
·  prolongamento Rato – Santos com correspondência com Cais Sodré e com desenvolvimento circular para reduzir a pendente, servindo Alcantara com futura extensão a Cacilhas
·    prolongamento de Santa Apolónia às Comendadeiras com futura ligação por metro ligeiro a Olaias
·     ligação na estação Moscavide a uma linha de metro ligeiro servindo a zona de Sacavém

- estudo de uma linha circular externa de metro de superfície, preferencialmente em viaduto, em sítio próprio, com correspondência com as estações de metro e das linhas suburbanas, de Algés, por Miraflores, Hospital Amadora-Sintra, Odivelas, Loures, Sacavém, Gare do Oriente
- estudo de novo material circulante para satisfação do previsível aumento da procura a médio prazo (por um lado é expetável que a economia venha a crescer com consistência, e por outro lado é provável que o preço do petróleo suba, desincentivando o transporte individual)
- estudo da cobertura de bairros de menor carga de deslocações por meio de linhas de modos ligeiros de transporte, guiados ou não, de condução integralmente automatizada (driverless, condução autónoma).


2 comentários:

  1. Trabalho meritório mas cheio de contradições no que se refere às propostas de ordenamento do território...fundamentação vaga e meramente opinativa...

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    1. Grato pelo comentário.
      O texto refere explicitamente a natureza contraditória da questão e serão bem vindas outras propostas. Por um lado proponho o aumento da população intramuros, e por outro lado proponho a sua contenção. Não há de facto fundamento em nemhum modelo sistematicamente construido, apenas não querer desertificar os subúrbios, nem o interior do país, nem sobrepovoar a cidade, ao mesmo tempo que proponho o reforço do setor secubdário intramuros. E aí não há um modelo construido mas a experiencia histórica: o sucesso de urbanizações como a de Alvalade e, em parte, de Telheiras, em comparação com o insucesso das urbanizações de Olivais, Portela e, em parte Alta de Lisboa. Isto pode ser opinativo, de facto, mas os mais de 60% de deslocações em transporte individual, que constituem um gigantesco desperdício energético são um fundamento real par corrigir a organização territorial da área metropolitana gravemente distorcida (tão gravemente que duvido que haja um modelo académico com eficácia para tratá-la). Trata-se de um numero que revela, como as análises médicas de um doente, a necessidade de intervenção.
      Cumprimentos

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