terça-feira, 14 de março de 2017

O buraco da avenida de Ceuta e o caneiro de Alcântara

E que me diz o estimado amigo, especialista de saneamento urbano e drenagem, do caneiro, perdão, do buraco na avenida de Ceuta?
Fiquei extasiado com a rapidez do vereador da CML a dizer aos jornalistas que o buraco nada tinha a haver com o caneiro. Que capacidade e velocidade de análise e de testar hipóteses e experimentá-las.
Depois veio uma senhora engenheira da mesma CML dizer o mesmo. Que segurança, de invejar.
Eu, infiel na perspetiva maometana e incréu na perspetiva ocidental, a duvidar de tudo e a pôr hipóteses que escandalizam os decisores ocultadores (e há lá coisa mais ocultada que o caneiro, camuflado nas margens soterradas, pronto a dar o bote como a giboia, quando menos se espera, então se se aproximam eleições, que incómodo, agora que as pessoas já se tinham esquecido dos autocarros a enfiarem-se pelo cano abaixo ali em Campolide estação de taludes e talvegues cercado... ), dei umas voltas pelo PUA, o desvelado pela CML plano de urbanização de Alcântara.
Mas os documentos do PUA vão pouco acima da ETAR, e a bifurcação eixo N-S/avenida Gulbenkian para quem vem do lado sul da avenida de Ceuta fica a uns 470m depois do viaduto Duarte Pacheco. E o PUA já não liga muito a essa zona.
Pelo que fui até ao plano de drenagem de Lisboa e topei com estas imagens com o traçado do caneiro a seguir, no sentido sul-norte, à ETAR. 

imagem retirada do google earth

a azul linhas de água de drenagem; notar os meandros da ribeira/caneiro de Alcântara a norte do viaduto Duarte Pacheco

extrato do mapa de intervenções no caneiro; notar a intervenção 5 em 2002 na zona do buraco de março de 2017


Primeiro o caneiro (caminhando para montante) contorna a ETAR (ou a ETAR chega-se ao caneiro) e inflete para nascente e depois, em meandros, vira para poente, cruzando a projeção da avenida de ceuta, bingo, na vertical do buraco entretanto tapado.
Claro que tenho de pôr a hipótese de que o buraco abriu sem ter nada que ver com o caneiro. E contudo (como terá dito Galileu em circunstâncias mais dramáticas e perigosas para a respetiva integridade física) dificilmente se poderá arranjar alguma coisa nas encostas e nos baixos do vale de Alcântara que não tenha que ver com o caneiro, ou pobre ribeira entubada, assoreada, torturada, asfixiada, obstipada, hipertensa. 
Mas também ponho a hipótese de uma infiltração no caneiro, na vertical do buraco, ter ido nos últimos meses, com  a pressão freática a aumentar com as  chuvadas, aumentando o caudal de infiltração. Não estou a ver que possa haver aqui exfiltrações, nem caminhos de escoamento paralelos ao caneiro pelo exterior, mas nunca se sabe, só vendo no local, por dentro e com sondagens, que eu confesso não sei fazer. E com a infiltração deu-se o arrastamento de inertes para dentro do caneiro, que diligentemente foi depositando os aluviões no leito do caneiro e na saída no cais de Alcântara. Esta do arrastamento dos inerte aprendi em Entrecampos, no metro. O coletor sob a soleira fendilhou e foi chupando a base sobre que assentava o balastro e sobre estes os carris que fletiram valentemente e obedientemente conforme a lei da elasticidade de Hooke.  Imagino no caso do buraco da avenida de Ceuta a reunião preparatória dos deuses anunciando que iam abrir um buraco, e São Cristovão e a senhora de Fátima a pedir que não. Mas que tinha de ser, porque os pobres lusos tinham sido imprudentes, ou negligentes, ou irresponsáveis, conforme o  grau de exigência do deus que falava relativamente ao respeito devido às leis da Física, quando tinham entubado a pobre ribeira no caneiro, com tantas bacias hidrográficas a despejar para a ribeira e eles a fecharem-na, a ocultarem-na, a varrê-la para debaixo do tapete só porque cheirava mal e era um foco de febre tifóide e  a direção geral de saúde não queria ficar mal vista junto do governo do homem de Santa Comba e os colegas da especialidade não conseguiram convencer os decisores de que o melhor seria reforçar e limpar as margens e construir uma série de ETARes e bacias de retenção (pois, nos anos 30 pouca gente entendia como funciona uma ETAR, os deuses deviam compreender isso, diziam São Cristovão e a senhora de Fátima). Mas lá conseguiram convencer os deuses. O buraco não precisava de ficar no meio da via, podia ficar na bifurcação, e ser aberto por evidente falta de aluvião por baixo do asfalto, depois da passagem de um camião. Só depois  abriria. E assim foi, mais uma vez graças à proteção hagiológica perante os deuses malvados que do exterior nos querem impor desgraças.

Que acha o estimado colega especialista de saneamento urbano e drenagem desta hipótese?
Mas claro que posso estar enganado. Só se pode afirmar alguma coisa com segurança depois de vistoriar por dentro o caneiro, de sondar por fora e de tentar injetar amostras no caneiro e no terreno à volta e rastreá-las. Duvido que a colega que tão assertivamente disse que o buraco nada tinha a ver com o caneiro o tivesse feito, mas sou eu que sou incréu.
É que se a hipótese tem fundamento, duvido que as toneladas de cimento que foram despejadas tenham resolvido. Será que o cimento colmatou as fendas da infiltração? a pressão freática não vai abrir outras fendas ao lado? haverá relação com as reparação neste troço em 2002?

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