quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Ligações ferroviárias à Europa – situação em26 de dezembro de 2018




Ligações ferroviárias à Europa – situação em 26 de dezembro de 2018

Considerando o anuncio pelo governo em 22 de dezembro de 2018 do plano de investimentos até 2030, verifica-se:
- ausência de qualquer plano para construção de vias férreas com bitola UIC para passageiros (alta velocidade) e mercadorias (1,2% de gradiante máximo), inviabilizando assim o cumprimento dos compromissos com a CE relativos à rede transeuropeia de transportes RTE-T (ligações Sines-Poceirão-Lisboa-Aveiro-Porto-Leixões, + Poceirão-Caia-Badajoz, + Aveiro-Almeida-Salamanca)
- ausência de plano para construção da terceira travessia do Tejo, agravando o transporte de mercadorias para a margem norte, a mobilidade entre as margens e um novo aeroporto na margem sul
- em vez de linha nova Lisboa-Porto libertando a atual linha do norte para mercadorias e tráfego regional e suburbano,  intenção de construção de 4 troços totalizando 163km  by-passando os troços atualmente mais sobrecarregados da linha do norte (Alverca-Azambuja, Santarem-Entroncamento, Soure-Coimbra e Cacia-Gaia)
- intenção de construção de linha nova em bitola ibérica entre Sines e Grandola (para evitar os gradiantes da atual  ligação Sines-Ermidas; espera-se que em travessas de 3 fixações e não de 4 fixações, por ser mais rápida a transição da bitola ibérica para a UIC, além de permitir, no caso de instalação do 3ºcarril, a exploração partilhada por comboios de bitolas diferentes)
- intenção de construção de linha nova em bitola ibérica Aveiro-Mangualde (idem, como o anterior)
- intenção de investimento de 1000 milhões de euros nos metros do Porto e Lisboa (tot.20km?)
- intenção de investimento em busway (metrobus)


Comentários:
1 - Linha Lisboa-Porto
A experiência com esta linha tem sido a ineficiência dos investimentos na sua renovação, principalmente porque muitos dos seus troços são partilhados com tráfego suburbano, regional e de mercadorias, e as vias não estão devidamente isoladas do tráfego pedonal. Compreende-se a ideia de 4 novos by-passes, mas a sua inserção nos troços antigos vai gerar constrangimentos de circulação porque nos troços antigos vai manter-se a partilha com os modos regionais e de mercadorias (e suburbano, no caso de Coimbra-Aveiro), além de que a operação das agulhas implica sempre intervalos de tempo para segurança das circulações.
Não se teria entendido, por exemplo, que a construção da totalidade da autoestrada Lisboa -Porto tivesse sido preterida relativamente à inserção de 4 novos troços de autoestrada na estrada antiga. O diferencial de custos (4500-1500 milhões de euros) seria compensado, em princípio, pelo menor tempo de percurso e maior fluidez de tráfego e fiabilidade (recorda-se a responsabilidade do tráfego de mercadorias nos descarrilamentos verificados).
2 – Porque mantem o governo a recusa obstinada de ligação à Europa em bitola UIC?
Hipóteses explicativas:
2.1 - tendo delegado na IP, Medway e Takargo, através da sua participação no AEIE-AVEP – agrupamento europeu de interesse económico alta velocidade Espanha-Portugal), o governo refletirá o receio destas entidades da penetração de operadores estrangeiros se o acesso aos portos nacionais for possível aos operadores estrangeiros pelo cumprimento de todos os parâmetros da interoperabilidade europeia (é a teoria da barreira natural de proteção da bitola ibérica).
Este argumento porém também é aplicável à manutenção da bitola ibérica, uma vez que a rede nacional ficará dependente do material circulante espanhol de bitola ibérica à medida que troços de bitola ibérica em Espanha forem sendo substituídos por bitola UIC (qualquer fabricante europeu pode fabricar bogies para a bitola ibérica, mas serão sempre séries pequenas e portanto mais caras; igualmente só há fabricantes espanhois de veículos de eixos variáveis)
2.2 – o governo e a IP afirmam que Espanha nada está a fazer para desenvolver a rede que já tem de bitola UIC e alta velocidade para serviço de passageiros e de mercadorias.
Este argumento é típico da técnica de contar apenas parte da verdade e com essa parte da verdade enganar quem não dispõe da totalidade da informação.
Efetivamente, considerando o corredor atlantico na sua componente norte (Aveiro-Salamanca) e componente sul (Sines-Caia-Badajoz) não existem planos espanhois para ligar Valladolid a Salamanca em bitola UIC (já existe desde 2007 a ligação Madrid-Valladolid).
No entanto, existem planos para a ligação em bitola UIC (alta velocidade e mercadorias) de Madrid  a Valladolid – Vitoria-Irun-França para estar operacional em 2023.
Existem ainda planos para ligação em alta velocidade, incluindo os parâmetros de interoperabilidade europeus, de Madrid, por Toledo a Cáceres, Mérida e Badajoz, embora inicialmente com instalação de bitola ibérica e transição posterior para bitola UIC (inclusive por pressão do governo regional da Extremadura), independentemente do que vier a ser acordado com o governo português.
De assinalar ainda que o governo espanhol já pediu à CE  a inclusão, no planeamento da rede principal RTE-T, da ligação para mercadorias da Galiza ao corredor atlantico, em Palencia/Valladolid. Esta ligação poderá comprometer o cofinanciamento da ligação Aveiro-Salamanca e evidencia o contraste da atitude espanhola relativamente à portuguesa.
É curioso observar que as soluções de eixos variáveis e de 3ºcarril que são utilizadas em Espanha o são pontualmente e transitoriamente como complemento do plano de transição ou de instalação da bitola UIC e não como soluções definitivas.
(informação sobre as linhas de alta velocidade/bitola UIC em Espanha ver http://www.adifaltavelocidad.es/es_ES/infraestructuras/lineas_de_alta_velocidad/lineas_de_alta_velocidad.shtml  ; na parte relativa à ligação Madrid-fronteira portuguesa, a ADIF aguarda a definição do traçado final Badajoz-fronteira portuguesa pelo agrupamento AEIE-AVEP; talvez seja nisto que a IP e o governo português se baseiam para dizer que Espanha nada faz em bitola UIC)
Compreende-se a ideia da IP, Medway e Takargo de restringirem a operação a material circulante e a redes de bitola ibérica servindo as plataformas logísticas de Vigo, Salamanca, Badajoz, Huelva e Vitoria (esta plataforma logistica manterá uma ligação em bitola ibéria mesmo depois de 2023), aproveitando a permanência de alguma rede ibérica em Espanha e a progressiva libertação de material circulante de bitola ibérica.
No entanto, a rede nacional ibérica tem limitações de capacidade, nomeadamente por ser de via única e com gradiantes elevados.  Mais uma vez, se se pretende aumentar a capacidade de uma ligação para aumentar as exportações, mais vale construir uma linha nova em via dupla e em bitola UIC (para evitar os custos do transbordo em Irun) do que renovar pequenos troços ou by-passar os troços piores.
Nesta questão, é importante a posição da CIP e dos principais exportadores reclamando a ligação Aveiro-Salamanca, incluindo a análise expedita de custos benefícios para um plano de crescimento do tráfego ferroviário. Ver :  https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/09/olhar-para-o-problema-da-ferrovia.html 
  3 – contrariamente aos compromissos ambientais com a EU e ao que ele próprio afirma, o governo não estará interessado em  transferir tráfego da rodovia para a ferrovia (a orientação europeia refere-se a percursos superiores a 300km e a uma transferência de 30% até 2030), eventualmente para não reduzir as receitas das portagens e para não aumentar os encargos com as PPP das auto-estradas. Do ponto de vista exclusivamente económico, esta posição é defensável porque as plataformas logísticas da Vigo, Salamanca, Badajoz e Huelva se encontram normalmente a menos de 300km dos centros nacionais de produção exportada. Mas do ponto de vista ambiental é altamente reprovável.
4 – o governo e a IP aguardam os desenvolvimentos dos camiões elétricos e por isso não estão preocupados com o conflito ambiental da não transferência do tráfego rodoviário para a ferrovia.
Este argumento esconde a realidade física que mesmo com tração elétrica ou condução autónoma a eficiência energética do transporte rodoviário é inferior devido ao maior atrito do pneu com o asfalto comparativamente com a roda de aço com o carril, e devido à maior capacidade do comboio de 750m/1500 ton.  Para grandes volumes de exportação existe ainda o problema do congestionamento que levou o governo francês e o da região basca a impor taxas ambientais à circulação de camiões. A solução de mega-camiões ou de agrupamento de reboques (platooning) não resolve obviamente o congestionamento, limitando-se a casos pontuais.   Parecendo o transporte de camiões em vagões (as autopistas ferroviárias) uma solução sustentável ambientalmente, aceitar-se-ia o respetivo investimento, sendo os vagões de bitola UIC.  
5 -  É provável que o governo se identifique com a preocupação já revelada por algumas entidades partidárias e sindicais de que as ligações à europa em bitola UIC provocarão a falência dos operadores atuais (aliás detidos maioritariamente por grupos estrangeiros, sendo real a ameaça de absorção parcial da CP Passageiros pela RENFE e da EMEF pela Medway), comprometendo os postos de trabalho existentes.
Esta posição contraria os princípios fundamentais do comércio internacional contidos, por exemplo, nas teorias de David Ricardo das vantagens comparativas, as quais provavelmente fundamentaram a posição clara dos exportadores da CIP em defesa da linha nova em bitola UIC e via dupla Aveiro-Salamanca. Também esses princípios podem ser associados aos princípios do internacionalismo defendidos por muitas associações sindicais, ilustradas, por exemplo, pela solidariedade de sindicatos estrangeiros para com sindicatos nacionais em questões de transportes internacionais. Dum ponto de vista sindical, considerando o peso de grupos internacionais na estrutura acionista dos operadores, será conveniente manter as melhores relações com os sindicatos estrangeiros.
Não parece portanto ser aceitável a defesa de uma atitude isolacionista que só aparentemente será protecionista, porque com a evolução internacional aumentará o fosso de desenvolvimento entre o setor economicamente isolado e a globalização. Numa Europa que tende a valorizar o transporte ferroviário com critérios ambientais, assume importância nessa perspetiva a imagem de ilha ferroviária e a percentagem do PIB destinada a infraestruturas de transporte que em Portugal  é comparativamente menor. 
6 – É razoável a intenção de investir 600 milhões no metro do Porto e 400 milhões no de Lisboa. Deverá no entanto rever-se rigorosamente os critérios de traçados de modo a integrá-los na organização do território reduzindo as deslocações em transporte individual mas com construção e operação económicas, implicando recurso sempre que possível a viadutos, e evitando curvas apertadas, gradiantes elevados e estações profundas ou próximas umas das outras (definir o critério da distancia máxima de qualquer habitação ou ponto de emprego a uma estação). Essencial projetar redes de modos complementares como frotas partilháveis ou autónomas a pedido, baseadas nas estações servindo as zonas menos populosas.
Considerando as deficiências de projeto do mapa de expansão do metro de Lisboa de 2009 do ponto de vista de operação e fiabilidade (maior dificuldade de regulação da linha circular e excesso de bifurcações, maiores custos de manutenção devido ao desgaste em curvas apertadas, maiores custos de energia devido aos gradiantes elevados) é desejável a suspensão do atual processo de expansão com a linha circular, e revisão acompanhada pelo Conselho superior das obras públicas de todo o mapa de 2009 (recorda-se que a aprovação deste em 2009 não foi sujeita a consulta pública e que o estudo de impacto ambiental da linha circular induziu a aprovação apenas dessa linha, sem que o estudo tivesse analisado traçados alternativos funcionalmente equivalentes, isto é, garantindo interface com a linha de Cascais)
Essencial ainda continuar o estudo da redução dos custos financeiros por passageiro-km , desde a preocupação com a redução dos custos de construção, operação e manutenção à preocupação com a elaboração atempada dos projetos para obtenção de cofinanciamento comunitário.
7 – Ligação da linha de Cascais à linha da cintura – do ponto de vista da matriz global de origens-destinos da área metropolitana de Lisboa, é razoável esta ligação. Porém, a ligação subterrânea em Alcântara é muito onerosa devido à natureza do terreno e a inserção na linha de cintura contraindicada, apesar da sua quadruplicação, devido ao excesso de tráfego (linhas suburbanas de Sintra, Azambuja, margem sul do Tejo, linhas interurbanas, serviço regional, tráfego de mercadorias, período noturno para manutenção). Nada obrigando a que a linha de Cascais se integre na rede geral (o atual estado da linha e do material circulante requer uma reforma total; a extensão da linha de Cascais justifica a existência de um parque próprio; a sua natureza de serviço urbano justifica material circulante com carateristicas dimensionais e de tração urbanas; a atmosfera salina e corrosiva devido à proximidade do mar contraindica a utilização da tensão de 25 kVAC; as recentes carencias de material circulante da rede geral demonstraram que elas ocorrem por falta de planeamento), o mesmo objetivo de otimização da matriz de origens-destinos poderá ser atingido através da ligação direta e fusão da linha de Cascais com a linha vermelha do metro ou, pelo menos, com o interface comum no Jamor, em Algés ou Alcântara.
É ainda preocupante assistir-se à propagação da crença no metrobus para ligação das zonas servidas pela linha de Cascais e pela A5. Esta solução tem sido adotada com sucesso em países ricos em petróleo, uma vez que o consumo específico por passageiro-km, devido ao atrito do pneu com o asfalto, é superior ao atito da roda de aço com o carril. Deve recordar-se que a solução metrobus exige a mesma infraestrutura dum LRT em termos de sítio próprio livre de interferências com o restante transito rodoviário, e que o pavimento de asfalto ou cimento exige também manutenção, especialmente se forem transportadas grandes massas de passageiros. No caso de uma solução tipo trólei-bus a infraestrutura da catenária até é mais complexa. Não pode pois recomendar-se esta solução num país altamente dependente da importação de combustíveis fósseis.
8 - Concorda-se com o governo quanto à urgência na elaboração dos estudos prévios ou anteprojetos necessários á obtenção do cofinanciamento comunitário, mas considerando a experiência anterior, apesar da confiança com que o governo afirma que promoveu e promove um debate alargado sobre quais os investimentos até 2030 (desconhece-se por exemplo, das 1500 contribuições recebidas, quantas foram acolhidas, e se foi aprovada interligação energética por cabo submarino direta de Portugal a França pelo golfo da Biscaia para exportação da produção renovável), receia-se que a utilização de argumentos enganosos como o de que a Espanha nada faz pela bitola UIC, ou da natureza protecionista da bitola ibérica, induzam os deputados a aceitar a proposta do governo.
Para tentar evitá-lo, desejar-se-á uma clara intervenção do Conselho Superior de obras públicas com assunção do parecer individual por cada um dos seus membros, sem prejuízo da emissão e divulgação pública de pareceres por entidades como associações profissionais, universidades e imprensa especializada.
Este procedimento deverá ser extensivo às propostas de extensão dos metropolitanos e ao recurso ao modo metrobus, considerando a conveniência de revisão total do plano de expansão de 2009 do metropolitano de Lisboa e o maior consumo específico de energia do modo metrobus.


Sugestões de atuação prante a política do XXI governo:
- obter o orçamento espanhol para a alta velocidade
- obter os últimos relatórios do corredor atlantico/Carlo Secchi
- atualizar as ACB da linha da BA por Mangualde e Almeida
- repetir os contactos com os grupos parlamentares para revisão do plano de investimentos para 2030 , revisão da forma de representação de Portugal no programa RTE-T/corredor atlântico, revisão do mapa de expansão de metropolitano de Lisboa de 2009, e valorização do papel,  no debate público, do Conselho superior de obras públicas, associações profissionais, universidade , imprensa especializada




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