sábado, 31 de agosto de 2019

Consulta pública sobre o aeroporto do Montijo e acessibilidades

Terminando em 19 de setembro o periodo de consulta pública, enviei à APA o seguinte comentário através do site participa
https://participa.pt/pt/consulta/aeroporto-do-montijo-e-respetivas-acessibilidades

Exprimi a minha discordancia sobre a localização do aeroporto complementar, principalmente por se tratar de uma pista pequena suscetível de problemas em dias de intempérie, para além dos reconhecidos pelo próprio EIA inconvenientes devidos  ao ruido e ao risco de colisão com aves. Não houve assim a coragem de fundamentar do ponto de vista técnico de engenharia de construção, de manutenção e de operação (cujas disciplinas aliás o EIA evita) uma recusa ou, pelo menos, se esta é uma imposição, uma avaliação negativa da solução.


Comentário:
1 – Como o próprio nome indica, um EIA baseia-se nas especialidades do Ambiente. No entanto, dada a sua relevância para a tomada de decisões definitivas a experiencia tem demonstrado que as especialidades mais ligadas às técnicas de engenharia de construção, manutenção e operação têm sido desprezadas e não consideradas como relevantes para essas tomadas de decisão. No caso da engenharia de operação, destaque para a ausência de análises de risco para condições climatéricas adversas para o reduzido comprimento da pista e proximidade do rio. O presente EIA mantem essa inconformidade, ao omitir qualquer comparação segundo critérios de engenharia de construção, manutenção ou operação com outras localizações para o aeroporto complementar , ou para uma primeira fase de um aeroporto de substituição do aeroporto HD. Discorda-se portanto das conclusões e, naturalmente, do procedimento até agora seguido pelas autoridades de fuga a essa comparação.
2 – Ao fundamentar a escolha da BA6 como única solução de acordo com o critério de urgência, o EIA comete uma incorreção ao atribuir à solução CTA um tempo de construção de 10 anos e um avultado investimento, ao qual se adicionaria o custo de uma travessia ferroviária do Tejo, porque essa solução seria um aeroporto de substituição do AHD e não um aeroporto complementar. Complementar seria uma primeira fase de menor custo e sem necessidade da nova travessia do Tejo. Aliás, as novas travessias ferroviárias do Tejo justificam-se enquanto elemento de coesão da área metropolitana independentemente de um novo aeroporto. A primeira fase do aeroporto no CTA poderia aproveitar a estrada existente, com capacidade de escoamento para a primeira fase do aeroporto do Montijo (7,8 milhões de passageiros/ano) necessitando por isso de uma intervenção menor do que a ligação da BA6 à A12, e com uma extensão adicional de 15 km (35 km para Lisboa, comparando com 47 km para Gatwick-Londres).  Essa seria a comparação correta, cuja omissão invalida a conclusão de que o Montijo é a única solução conforme afirmado.
3 – Obviamente que o país não dispõe de dinheiro para um aeroporto de substituição do AHD mas o EIA deveria recordar que o contrato de concessão com a Vinci previa uma solução de 90 a 95 movimentos por hora e nada justifica (nem a “opinião” referida pelo senhor CEO da Vinci de companhias aéreas “low-cost”, de elevada volatilidade) a desistência desse objetivo em troca da imposição unilateral de um local  quando haveria sempre a hipótese de uma primeira fase para o CTA (além de que a localização deste aeroporto não seria obrigatoriamente a nascente, podendo aproximar-se de Alcochete) com uma pista de 4000 m e não uma pequena pista de 2400m
4 – Tal como o próprio EIA reconhece, a poluição tem efeitos muito significativos e muito negativos sobre a população, reconhecendo até que os limites de poluição sonora para os voos noturnos baixaram . Como tal, deveria também reconhecer que a proximidade de um aeroporto de grandes aglomerados populacionais não é uma vantagem, é um inconveniente. Os inconvenientes para a saúde elencados e o otimismo com que se acredita na eficácia das referidas medidas minimizadoras são suficientes para justificar a reprovação do projeto.
5 – O cálculo de 600 milhóes de euros de perdas de turistas por ano por falta do aeroporto complementar deveria ter sido no EIA mais bem fundamentada e não apenas citando números do MIH, parte interessada,  contabilizando as reduções devidas ao volume de importações necessárias para suportar esses turistas, às emissóes de gases com efeito de estufa e aos efeitos nocivos sobre a saúde associados. Igualmente se poderia argumentar que ter protelado a inviabilização da 1ª fase do CTA  (a qual poderia ter-se desenvolvido com menos expropriações e avaliações ambientais necessárias) para privilegiar a solução Montijo, constituiu perda de receitas de turismo.
6 – O reduzido comprimento da pista poderá ser justificado pela opção “ponto a ponto” para o Montijo, com utilização de aviões de médio porte, cada vez mais eficientes e requerendo menos espaço. Contudo, a generalização desse tipo de aviões pode demorar, a eventualidade de carga máxima para os aviões com condições meteorológicas adversas e a necessidade de muitos lugares de estacionamento para o regime “ponto a ponto” e a volatilidade das decisões das “low cost” colocam reservas ao comprimento da pista e ao referido regime. Em caso de vento sudoeste, e de necessidade de utilização de toda a pista 19 , convirá esclarecer caso não o tenha sido, se a manobra de saída da pista, dadas as suas carateristicas geométricas, introduzirá atrasos na utilização da pista . Apesar das elevadas taxas de crescimento do volume de passageiros devido em grande parte às condições atuais do turismo nas regiões mediterrânicas e à estratégia atual das companhias aéreas de privilegiar o “ponto a ponto” (não há razões técnicas que impeçam os fabricantes de produzir aviões de maior porte para o regime hub com consumo de energia por passageiro-km igual ou inferior aos aviões mais recentes de pequeno e médio porte) afigura-se pouco prudente (o que milita contra a escolha da localização do aeroporto) acreditar num aeroporto fundamentalmente para “ponto a ponto”, quando podem mudar as condições que o justificam do turismo, da estratégia dos fabricantes de aviões e ainda do movimento para redução das viagens aéreas para contenção das alterações climáticas (o objetivo será um regime do tipo “hub” com a distribuição para as cidades secundárias por via férrea).
7 – Por razões técnicas, a solução 1 de aterro para o prolongamento da pista para sul deve ser evitada devido à natureza de lodos e areias e às correntes e consequente instabilidade dos fundos. A solução correta é a de estacas. Deverá ser considerada em análise de riscos a situação de simultaneidade de vento sudoeste, marés vivas, chuva forte e riscos de chegada de água do rio à pista e drenagem insuficiente, parecendo otimista naquela situação a previsão de 3,42m de cota de inundação no ponto 5/Alterações climáticas do RNT do EIA . Salvo melhor opinião, e ressalvando o meu lapso caso o tenha sido, deveria ser apresentado o estudo fundamentador. Na referida análise de risco deverão ser consideradas as restrições (recusa de aterragem) em caso de avaria num reverser e garantido o estriamento do pavimento da pista.
8 – Na relação de perturbações devidas ao ruído faltou, se não erro,  a referência ao hospital do Barreiro, embora a rota de aproximação ou descolagem não o sobrevoe diretamente. Convirá ainda esclarecer que segundo as regras da EU não deverão ser urbanizados nenhuns terrenos sob essas rotas, o que condiciona o planeamento demográfico das respetivas câmaras.
9 – No parágrafo “Energia e combustíveis” deverão ser corretamente indicadas as unidades de energia: kilowatt-hora e não quilowatts (esta é uma unidade de potencia ou consumo de energia por unidade de tempo, e não de energia), de acordo com as convenções internacionais e indicado o período do consumo (diário, julgo).
10 - O EIA deveria propor, por razões ambientais e de segurança (redução do volume dos tanques), o fornecimento de combustível por oleoduto (sugestão: desde o terminal da Trafaria/Cova do Vapor) e, em alternativa, por via férrea reconstruindo o ramal Montijo-Pinhal Novo. Julga-se de completar nestes termos o ponto 7/Substancias perigosas do RNT do EIA.
11 - A reconstrução do ramal Montijo-Pinhal Novo e o seu prolongamento até junto do edifício principal do aeroporto permitiria para passageiros a ligação da BA6 a Entrecampos em 50 minutos  por via férrea (eventual transbordo em Pinhal Novo se o ramal integrasse a futura rede do metro de superfície da margem sul)
12 – No parágrafo Qualidade do ar e emissão de gases com efeito de estufa ao referir-se a hipótese duma central fotovoltaica para produção anual de 1200 MWh convirá informar que se tratará duma contribuição pouco significativa, em cerca de 1 hectare, podendo pensar-se em utilizar uma superfície maior, incluindo coberturas dos edifícios, pormenorizando a respetiva medida minimizadora.
13 - Conviria esclarecer o local exato previsto para a instalação de portagens no sentido aeroporto-PVG para se avaliar as suas condições de segurança (distancia de visibilidade, fundamentalmente)
14 – Embora anunciados no ponto 7 do RNT do EIA exemplos de medidas minimizadoras do risco de colisão com aves e de listadas no ponto 8 várias medidas e planos de monitorização ambientais, não são exemplificadas no RNT as medidas concretas para afastamento das aves ou deteção de aproximação de bandos referidas nos anexos temáticos do EIA. Também não parece clara a atribuição da responsabilidade da implementação e financiamento das medidas, nomeadamente da deslocalização dos aterros sanitários e da aquisição de salinas (temendo-se que seja para eliminar zonas aquáticas a menos de 13 km) e dos planos de monitorização, temendo-se assim que fiquem esquecidos pela inércia. No caso das barreiras acústicas deverão ser definidas a atenuação e fiabilidade requeridas.
15 – Para além do plano de monitorização dos efeitos nos transportes envolventes referido no ponto 8 do RNT do EIA, deveria este recomendar desde já o estudo, na dependência do ministério das infraestruturas, do reforço das ligações ferroviárias de travessia do Tejo e do metro de superfície da margem sul, numa perspetiva de descarbonização dos transportes na AML. Neste tema alerta-se contra o facilitismo (que ignora os efeitos de redução da segurança de circulação e de longevidade das pontes) do aproveitamento da PVG com acrescento de vias de rodagem, reduzindo a largura destas, sacrificando parcialmente a faixa de emergência e propondo vias dedicadas para metrobuses (de consumo específico por passageiro-km superior ao metro de superfície), em vez de nova travessia ferroviária (ponte ou túnel). 


16 - No caso de continuar a verificar-se o crescimento do volume de passageiros de e para Lisboa, contrariamente às hipóteses do ponto 6 deste parecer, deveria ficar taxativamente previsto no texto final do EIA que não será autorizada uma segunda pista no aeroporto do Montijo, quer do lado de terra, quer do lado do rio, neste caso obrigando à ocupação do leito do rio.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Sinistralidade rodoviária


Com a devida vénia ao Público de 27 de agosto de 2019

Depois de uma redução no período da troika devido à diminuição do tráfego, a sinistralidade voltou a subir, sendo evidente a gravidade dos acidentes, nomeadamente atropelamentos, com o aumento das mortes a 30 dias. Não existem ainda dados fiáveis com os acidentes devidos às bicicletas e trotinetas urbanas porque a CML ou não tem interesse em recolhe-los ou em divulgá-los. Aguarda-se que sejam os hospitais ortopédicos a fazê-lo (recorda-se que foi o hospital do Alcoitão o primeiro a chamar a atenção há anos para a gravidade da moda das motos)


É um desgosto verificar que as sinistralidade rodoviária continua intolerável, apesar dos progressos das condições de segurança dos veículos e das estradas. A responsabilidade é portanto imputável aos condutores e ao seu comportamento egocentrico, voluntarista e de quem se julga imune aos acidentes.
O principal sintoma do comportamento inconsciente é o desrespeito dos limites de velocidade, agravdo com a agressevidade evidenciada contra quem tenta cumprir esses limites. Recorda-se que a definição dos limites de velocidade não pretende questionar a possibilidade física de uma velocidade superior nem a habilidade do condutor, mas resulta duma análise de riscos, que conjuga a probabilidade de ocorrencia de um acidente com a gravidade das consequencias. Por exemplo, numa reta em que a estrada assenta num aterro sem guardas, a velociade deve ser limitada a 70 km/h não porque a reta não o permita, mas porque as consequencias de um despiste são gravosas nesse caso.
Entre as medidas que a ANSR tem proposto, existem duas que são essenciais e sem as quais não haverá melhorias significativas: 1 - uma campanha publicitária intensiva, com obrigatoriedade dos canais televisivos de passá-la em horário nobre, pela positiva, mostrando os comportamentos corretos (por exemplo, o abrandamento da velocidade à aproximação e a cortesia nas passadeiras para peões) e não imagens de acidentados, porque a reação das pessoas é que "isso só acontece aos outros".~;
2 - fiscalização do cumprimento do código da estrada, coisa que não se consegue eliminando a brigada de transito nem reduzindo custos com o pessoal e o equipamemto de fiscalização.
Propus a um dos anteriores diretores da ANSR que esta pressionasse o governo para vincar bem a necessidade destas duas ações. Ao que ele me respondeu que faziam o possível, mas o governo não queria ouvir. Provavelmente porque obrigar os condutores a cumprir o código não dá votos e cria neles uma (falsa) ilusão de liberdade. Liberdade para matar e para morrer.
Aliás, em termos de conceito próprio de liberdade, basta ver a sobranceria e a prepotencia de alguns utilizadores de duas rodas que se deslocam pelos passeios pondo em risco a segurança de crianças e idosos e que reagem mal, como meninos mal educados que não gostam de ser contrariados quando se lhes chama a atenção para o que código da estrada impõe como limite a idade de 10 anos e que exigem a construção intensiva de ciclovias que beneficiam uma pequena percentagem de contribuintes (com a desculpa da descarbonização, esquecendo que existem outras medidas para a necessária e indispensável acalmia do tráfego automóvel, desde o desenvolvimento do transporte coletivo às portagens no accesso ao centro da cidade)

Aplicação de energia solar diretamente à ferrovia

https://revistacargo.pt/primeira-linha-ferrea-totalmente-movida-a-energia-solar-ja-entrou-em-accao-no-sudoeste-de-londres/?utm_source=Revista+Cargo+%7C+Site&utm_campaign=e4547e1e29-RSS_EMAIL_CAMPAIGN&utm_medium=email&utm_term=0_294add96a1-e4547e1e29-53314843

Com a devida vénia à Revista Cargo. Não é ainda a alimentação direta da tração, mas apenas a alimentação da sinalização e dos auxiliares, mas a ideia é autonomizar o troço incluindo a tração, sem passar pela rede elétrica. A analisar, na eliminação do diesel, a possível substituição pelo hidrogénio ou pelas baterias. Na Holanda já se pratica a alimentação integral a partir da energia eólica. Também curiosa uma noticia da Railway Gazette, o operador principal canadiano decidiu instalar colmeias nos telhados das suas estações para proteger as abelhas. Por cá, onde há 50 anos  CP vendia figos dos quintais das suas estações e ganhava dinheiro com isso, discutimos o sexo dos anjos e há quem acredite firmemente no metrobus para substituir linhas férreas suburbanas.

domingo, 18 de agosto de 2019

A escola primária de Manta Rota



Manta Rota é uma pequena localidade da freguesia de Vila Nova de Cacela, entre Tavira e Vila Real de Santo António, com uma praia atualmente muito procurada.
Tentando reconstituir a história das três últimas gerações, talvez possa dizer-se que a geração mais antiga se dedicava predominantemente à agricultura. A terra junto da costa é boa, existiam muitos poços de água doce, e a estrada 125 para Vila Real e par Tavira não estava saturada e facilmente escoava os produtos. Alguns grandes proprietários dos terrenos até à serra exploravam calmamente as suas amendoeiras e alfarrobeiras. Lembro-me de ver pequenos proprietários cultivando batatas a 300 metros da praia. Havia também um grupo de pescadores, de pesca artesanal, que saiam à noite para aproveitar a acalmia do vento (forte de norte de manhã e forte de sudoeste de tarde), em canoas de 5 metros, de tábuas embricadas, construídas ali ao lado, na praia de Altura, e reparadas em barracões das artes da pesca. Os barcos eram retirados da água já por tratores que substituíram as juntas de bois da geração anterior. Os veraneantes eram poucos, predominantemente da classe de grandes proprietários de terras ou da classe alta alentejana que preferiam o sossego da Manta Rota ao casino de Monte Gordo.
A segunda geração poucas alterações teve relativamente à mais antiga, continuaram a cultivar-se batatas junto da praia, mas por cidadãos cada vez mais idosos, e começou  a assistir-se ao aparecimento de novas construções que paulatinamente, muito lentamente, foram ocupando os terrenos de cultivo no interior da povoação porque as preferências da classe média emergente do país orientavam-se mais para o Barlavento, Albufeira, Quarteira, enquanto a classe alta se entretinha por urbanizações seletivas .
A geração atual é diferente, já desistiu da pesca artesanal o último pescador, ainda jovem. Dedica-se agora a um restaurante de apoio de praia. Assa peixe e frangos no grelhador do restaurante, abandonadas as armadilhas para polvos que se amontoam junto dos barracões que foram das artes da pesca. Formou-se uma pequena classe média na povoação de quem aluga casas e apartamentos aos veraneantes, depois da explosão construtiva desde os anos 80 e 90 do século XX. Outros exploram cafés e restaurantes e empresas de limpeza e manutenção. Ainda existe uma pequena quinta incrustada na povoação, com animais de quinta e produção vegetal. Mas a ameaça é a cobertura total dos terrenos por moradias e blocos de apartamentos. Esta geração tinha uma escola para os seus filhos pequenos, a 200 metros do acesso da praia principal. Quando alguém, com poder para isso mas sem legitimidade humana para o fazer, decidiu que as escolas primárias com menos de 20 alunos fechariam, eu vi, num intervalo das aulas, 21 crianças no recreio da escola. Mas a escola foi fechada, com os retransmissores dos decisores poderosos a tranquilizar os pais, que um autocarro da câmara faria a ligação até à escola de Vila Nova de Cacela. Este é o problema fundamental da logística, comparar os custos de transporte para o centro com os custos de manutenção das unidades deslocalizadas, só que é difícil os decisores de educação terem noções de transportes, nomeadamente do valor, não custo, da economia do transporte para o centro, embora gostem de falar em “descarbonização”. E assim a última geração assistiu ao fecho da sua escola primária e ao surgimento em seu lugar de uma série de moradias muito orgulhosas da sua proximidade da praia, de uma ribeira e do centro da povoação, para usufruto dos veraneantes da classe média de Lisboa, do centro e do Porto, apenas nas 6 semanas de férias, penando solitárias nos restantes meses do ano.
Será bom para economia este estilo? Talvez estejam na hora de ponta na praia 10.000 pessoas. O que significará uma rotação de 6 (semanas) x 10.000 = 60.000 pessoas por verão. Não há dúvida, contribui para o PIB, só arranjar alimentação para tantas bocas, mas os agricultores, os pescadores que deixaram de produzir?
Ou vendo de outra perspetiva, como se fosse uma metáfora, fecharam a escola, cortaram na proximidade das 21 crianças, que sobrecarregaram com duas deslocações diárias dispensáveis. A metáfora é que se isto terá sido como  economizar na construção de uma pista de um aeroporto, em vez de a fazer com 4000 metros, fazê-la com 2400 metros. Economizaram, mas cortaram nas possibilidades da pista. Fechar uma escola é cortar nas possibilidades de uma comunidade, e dispersar as crianças é limitá-las nos seus voos.
Mas que importa isso? O ambiente da Manta Rota no verão é brilhante, a multidão, feliz, preenche os próprios requisitos de felicidade e de cumprimento de rituais, que o próximo, pelo menos é o que se ouve discutir mas conversas próximas, é onde vão passar a primeira semana de setembro, uns aos Açores, outros a Budapeste, outros  à Estónia. Alegremente se esquecem os sinais de prudencia e se reverenciam as virtudes cristãs da fé e da esperança em cada vez melhores dias, graças às maravilhas da internet e das companhias aéreas low-cost. Pedi numa esplanada uma tosta mista, uma cerveja e um café, e paguei 4,10 euros. É barato. Não admira que a inflação vá atrás das taxas de juro negativas e já é deflação nos produtos alimentares. Os senhores economistas que nos governam, ou, como a metáfora da escola, nos limitam e desgovernam, tinham obrigação de perceber que algo vai mal. É muito bom ter um baixo custo de vida, mas isso significa que os salários são baixos e que ninguém investe para ter de vender o seu produto abaixo do custo de produção e distribuição. E deveriam especialmente ouvir a senhora que se sentou a meu lado na sala de espera do hospital de Faro, perguntou-me se eu era estrangeiro, porque precisava de falar, de desabafar. Que era a quarta vez que lá ia por causa do pé que tinha torcido ou partido, tinha caído em casa e mostrava-me os dois pés. Levantando-os à altura do assento da cadeira, numa posição que seria cómica se não fosse ultrajante, para que eu visse como o entrapado e com uma ligadura estava inchado. Mas os médicos náo tinham querido engessar e ela com o RSI de 190 euros não conseguia pagar a luz e a água e nem sequer lhe tinham emprestado uma canadiana porque assim não podia andar, era de Matosinhos mas há sete anos que vive no Algarve. Contou-me quem eu fui acompanhar à ortopedia que o médico, de forma simpática e triste, afirmou que eram 21 ortopedistas no hospital de Faro, mas agora eram só 6, e que não havia ambulância durante a noite para transportar o doente para Lisboa onde poderia ser operado se quiser esperar uma duas semanas, por causa das prevenções contra os incêndios e os acidentes rodoviários. No fundo, é a metáfora da escola primária de Manta Rota, entre cortes e cativações fecha-se o que for necessário para ficar com o que for possível, no triunfo das desigualdades.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Problema: recuperar ou fazer de novo?




É um problema técnico interessante, qualquer que seja a especialidade. Recuperar uma estrada, um edifício, uma linha de caminho de ferro, uma ponte, ou construir de raiz, uma infraestrutura completamente nova?
Para o consumidor direto é fácil, até porque vive submetido ao bombardeamento de propostas de atualização como mudar de carro quando ele ainda viveria uns milhares de quilómetros.
No caso de edifícios também não é difícil resolver, porque são muito poucas as empresas habilitadas a fazer uma reabilitação tecnicamente correta. Logo, é mais barato destruir o existente e construir de novo.
Mas no caso de linhas de caminho de ferro os dados da questão são outros. O traçado de uma linha antiga era compatível com as caraterísticas do material circulante e dos comboios de mercadorias contemporâneos. Atualmente, os níveis de velocidade (máxima de 250 ou 350 km/h consoante a dificuldade de construção da linha nova) , raios de curvatura e gradiantes desejados são incompatíveis com os traçados de linhas concebidas para velocidades inferiores a 100 km/h.
Logo, em princípio, dificilmente se poderá justificar a reabilitação de uma linha em vez da construção de uma nova, independentemente de se manter a linha antiga para complemento de um serviço de alta velocidade, nomeadamente para mercadorias e tráfego suburbano.
No caso da inclusão pelo XXI governo no PNI 2030 da construção de 164 km de by-passes na linha do norte sem a adaptar aos critérios de interoperabilidade dos acordos com a EU e as suas redes transeuropeias TEN-T em vez da construção de uma linha nova, parece aplicar-se o referido anteriormente.
Os 4 by-passes irão melhorar o serviço, mas tornarão mais distante o objetivo de uma linha de alta velocidade eficiente entre Lisboa e Porto.
Análogo problema se colocou aos decisores alemães para a ligação Bielefeld-Hannover, num troço de cerca de 200 km destinado a encurtar a viagem Koln-Berlim para menos de 4 horas. Pensaram primeiro recuperar a linha existente mas depois decidiram fazer uma nova. Provavelmente escaldados com o exemplo do aproveitamento do aeroporto de Schonefeld que ainda não conseguiram inaugurar (estranho em Portugal não se usar este argumento para refrear o entusiasmo pelo aeroporto aproveitado do Montijo – não é que soluções de aproveitamento não funcionem, só que tecnicamente são pouco eficientes).
Assunto a seguir, na esperança cada vez mais remota de que seja ainda possível incluir no PNI 2030 linhas férreas de carateristicas europeias.

sábado, 10 de agosto de 2019

Ponto de situação da ligação ferroviária às redes transeuropeias de transporte em agosto de 2019




Em plena época de verão, felizmente sem grandes preocupações sobre incêndios depois do incendio de Mação, mas imersos na antevisão das eleições e nos jogos de tática quase militar devidos ao conflito do transporte de mercadorias perigosas (as mercadorias são perigosas e e são transportadas por estrada, no meio dos automóveis ligeiros? Deuses… perdoai-lhes, e não estou a pensar nos que executam), fala-se menos da questão da ferrovia, mas fala-se.
O senhor primeiro ministro, no início de agosto, afirmou:
“Vamos ter um quadro institucional mais robusto para que daqui a sete anos (i.é, 2026) possamos ter essa discussão (do TGV) com calma e serenidade, já estudada”
Curiosamente, um jornal económico tratou este acontecimento com uma notícia laudatória, enaltecendo as qualidades do chefe que analise uma questão, pondera as ameaças e as fragilidades, sossega os imobilistas que querem manter a bitola ibérica, dizendo-lhes que o assunto ainda não está maduro, e tranquiliza os que querem as ligações à rede europeia em bitola UIC e restantes parâmetros da interoperabilidade, dizendo-lhes que daqui a sete anos falaremos disso com serenidade.
É provável que no partido do governo já alguém se tenha apercebido da estratégia errada de ignorar as ligações à Europa e os parâmetros de interoperabilidade, incluindo a bitola UIC. Se se repetisse o debate de fevereiro de 2019 na AR sobre a questão talvez tivesse aparecido um discurso mais contemporizador por um deputado do PS, como aconteceu mais tarde no debate sobre a expansão do Metropolitano. Não defenderam o erro do plano de expansão, limitaram-se a prometer investimentos na mobilidade urbana no PNI 2030.
Observe-se que o discurso do senhor primeiro ministro, há dois anos atrás, era o de que se poderia falar disso em 2023, o que ilustra o habitual escorregamento de datas.
Estas datas resultarão provavelmente de conversas mal assimiladas com os homólogos espanhois e mediadas pelos decisores da IP. Ao contrário da propaganda do XXI governo, Espanha investe vários milhares de euros por ano na sua rede de alta velocidade, para passageiros e mercadorias, mas aproveitando a inércia portuguesa, canaliza as verbas para outras regiões que não as de ligação a Portugal.
Perante as promessas, retenho uma afirmação de Cipriano Justo, a propósito da aproximação do ato eleitoral:
“Prometer colmatar o que ficou em aberto pode ter tanto de arbitrário como de fantasia, principalmente quando a inércia politica serviu como linha invisível onde o que contava era impedido de a ultrapassar.”
Julgo que se aplica perfeitamente ao anúncio dos sete anos de calma e serenidade prometidos agora. Compreendemos que a formação do senhor primeiro ministro limite a sua capacidade para entender o problema e até para selecionar convenientemente os assessores da especialidade (simples, contrariamente ao senso comum, a engenharia não é uma ciência exata, aliás é difícil encontrar na natureza uma coisa exata, tirando as duas exceções de Einstein), mas também sabemos o que ele entende por discutir uma coisa com calma e serenidade. Primeiro diz que é um tabu, depois que é tóxico, depois que não está maduro, mas depois que o seu grupo fechado de assessores e apoiantes divulgará as decisões e simulará um debate público (exemplo: a lista de investimentos do PNI 2030 – se nem sequer acusam a receção dos contributos, onde está o debate? Se os gabinetes dos secretários de Estado recusam propostas de reuniões de trabalho específicas, onde está o debate? Se nas sessões públicas não há espaço para o debate, como pode afirmar-se que há debate?).

Como contributo pessoal para a discussão calma e serena, passo a expor o ponto de situação
da ligação ferroviária às redes transeuropeias de transporte em agosto de 2019, na remota esperança de que seja isso mesmo, um contributo sujeito a análise e contraditório.
Não será leitura doce, mas o estado de calamidade da ferrovia nacional também não tem nada de doce.

               A REDE TRANSEUROPEIA FERROVIÁRIA EM PORTUGAL E O PNI 2030

 Atualização em 28 de abril de 2019 – relatório da DG-MOVE (CE) de março de 2019;  anteprojeto do plano ferroviário até 2040 do BE; cofinanciamentos da CE do programa CEF (Connecting Europe Facility) 2014-2020; declarações do ministro de Infraestruturas de 23 de abril de 2019
Atualização em 8 de agosto de 2019 - declarações do primeiro ministro de agosto de 2019; análises OCDE e Boston Consulting; movimentações pelo corredor mediterrânico; recomendações de junho de 2019 da EU para mais investimento na ferrovia interoperável em Portugal e Espanha; investigação inter-universidades sobre a alta velocidade ferroviária; inquérito aos cidadãos da EU sobre o planeamento ferroviário; controle da Alitalia pela FS italiana

A campanha eleitoral para o Parlamento europeu não deu o devido destaque à questão do financiamento comunitário de infraestruturas pela sua importância para a economia do país, numa altura em que seria exigível preparar as candidaturas aos financiamentos comunitários, em que já foi definida a missão do CSOP (Conselho superior de Obras públicas) e em que a lista de investimentos em infraestruturas do PNI 2030 é imprecisa e claramente insuficiente.

Depois da sessão no plenário da Assembleia da República de 14 de fevereiro de 2019, em que foi discutida a questão da interoperabilidade ferroviária e da bitola UIC, mantem-se o anteriormente anunciado pelo primeiro ministro – “a alta velocidade ferroviária em Portugal será um tabu por muito tempo”.

Ficou patente no debate que a posição do XXI governo de não planear qualquer instalação de bitola UIC em território nacional é apoiada pelo PS, pelo BE (embora posteriormente este partido tenha apresentado o anteprojeto de um plano ferroviário até 2040 muito interessante por prever a rede transeuropeia em Portugal), pelo PCP e pelo PEV. Opuseram-se a esta posição o PSD e o CDS.

A melhor definição da posição do governo tinha sido dada pelo próprio ex-ministro do planeamento e infraestruturas, ao declarar que a bitola ibérica servia de proteção natural contra a concorrência de operadores estrangeiros.

Isto é, a posição oficial dá cobertura efetiva à atividade das operadoras de transporte ferroviário de mercadorias cuja estratégia assenta no aproveitamento da rede de bitola ibérica remanescente, incluindo em Espanha. Assinale-se que isto configura uma incompatibilidade com os princípios do tratado de funcionamento da União Europeia e pode dar origem a uma multa da Comissão, havendo já um precedente.

Em contraste com esta posição estão posteriores afirmações do primeiro ministro, criticando o protecionismo da UE e defendendo a colaboração com a China para desenvolver o papel do porto de Sines tanto no eventual prolongamento da nova rota da seda (“one belt, one road”) de Madrid a Sines, como na receção de produtos por via marítima e sua reexportação para a Europa (caso do gás natural de origem nos USA, por exemplo).

No entanto, estas declarações do primeiro ministro não são suficientes para alterar a posição oficial, que poderá sintetizar-se na frase do ex secretário de Estado no referido debate na AR: “Portugal terá a bitola UIC quando Espanha o decidir”, coisa que soa a limitação de soberania. E de facto, tal como na questão das interligações energéticas e da gestão das águas, parece ser esse o acordo entre os governos português e espanhol, permitindo assim a Espanha adiar os investimentos nas ligações transfronteiriças com Portugal e concentrar-se em outras regiões suas e nas ligações a França.  Ver o programa da ADIF para o corredor atlantico para 2019-2025 em:

vêm confirmar a recusa de enfrentar a questão da bitola UIC adiando a sua discussão, na melhor das hipóteses, para 2026  ( contudo, em 2017, a previsão do primeiro ministro para o início do debate sobre a bitola UIC era 2023:

Nestas circunstâncias, considerando ainda que o PNI 2030 é omisso na previsão da introdução da totalidade dos parâmetros da interoperabilidade UIC, incluindo a respetiva bitola, parece muito pouco provável que Portugal cumpra a sua parte do corredor atlântico da rede básica de 2030 das redes transeuropeias TEN-T definido pelos regulamentos da CE 1315 e 1316, desprezando assim a oportunidade do quadro comunitário 2021-2017.

O relatório da Direção Geral da Comissão Europeia da Mobilidade e Transportes, de março de 2019,

não veio definir claramente um calendário da instalação das novas linhas ferroviárias de interoperabilidade plena em Portugal, mantendo o impasse da imobilizante descoordenação com Espanha do corredor atlântico, da incompreensão das vantagens da ligação Sines/Lisboa-Porto/Leixões em linha integralmente nova com bitola UIC para passageiros (com evidente vantagem comparativa relativamente à aérea) e para mercadorias e da repetida incorreção de considerar que a beneficiação de troços existentes se integra no empreendimento do corredor atlântico.
O XXI governo, em vez de dar ouvidos aos pareceres dos técnicos contrários à sua política ferroviária, mantem a confiança nos AEIE, em que se inclui a IP, e desenvolveu um “marketing” para iludir a questão da ligação à Europa querendo fazer crer à CE e aos cidadãos que está a trabalhar para essa ligação, nomeadamente através dos chamados “missing links”. Exemplo desta estratégia é a divulgação, como se fossem significativas ações para a ligação ao centro da Europa, do cofinanciamento no programa CEF2014-2020 de construção de 118 km de via única em bitola ibérica Evora-Caia (118km, cofinanciamento de 128 milhões de euros, 40%, corredor atlantico sul), e de melhoramentos na linha da Beira Alta Pampilhosa-Vilar Formoso (202km, 376 milhões de euros, configurando um desvio do conceito do corredor atlantico norte interoperável Aveiro-Mangualde-Almeida).
Enganadora publicidade, porque será irrelevante o aumento da capacidade de transporte e da competitividade dos portos de Sines, Aveiro e Leixões devido à via única, bitola ibérica, curvas e pendentes da rede existente (apesar da prevista construção de algumas zonas de cruzamento de comboios de 750m) , e porque continua muito longe a interoperabilidade plena UIC das ligações aos portos e a linha de alta velocidade para tráfego misto Lisboa-Madrid, ficando por cumprir o objetivo anteriormente assumido de 2030.
Em 23 de abril de 2019, na Assembleia da República, numa audição pública na Comissão de Economia e Obras Públicas, sobre o PNI2030, infelizmente não publicitada, o ministro das Infraestruturas classificou o tema da bitola como um fetiche de quem não quer debater a ferrovia (do dicionário: fetiche – objeto  a que se atribui poder sobrenatural e se presta culto), o que parece ser uma afirmação profundamente desconsideradora e injusta para os técnicos e cidadãos que defendem a interoperabilidade plena no cumprimento dos regulamentos da CE. Ver:                http://webrails.tv/tv/?p=39958

Existem em Portugal movimentos de opinião que tentam alterar a estratégia oficial e conseguir o planeamento da construção de linhas de plena interoperabilidade, incluindo portanto a bitola UIC, a concretizar com apoio de fundos comunitários o mais próximo possível de 2030. Citam-se os exemplos da CIP, Confederação Empresarial Portuguesa, da AFIA, Associação de Fabricantes para a Industria Automóvel e do setor exportador. Conhecem-se os riscos da melhoria dos canais de ligações internacionais de mercadorias para aumento das importações, mas numa ótica de vantagem comparativa de David Ricardo essa melhoria potencia também as exportações e o investimento estrangeiro e, no caso de Sines, permitirá cobrar uma taxa de passagem sobre as mercadorias chegadas ao porto e levadas depois por ferrovia para a Europa, incluindo as regiões espanholas diretamente interessadas da Extremadura, Madrid e Andaluzia. Aliás, basta ver na fórmula do PIB a relevância das exportações, do investimento (cofinanciamento) comunitário e do investimento privado (este estimulado pelo efeito multiplicador do investimento comunitário e pelo investimento público).  Como fator positivo refere-se o anteprojeto de um plano ferroviário até 2040 apresentado pelo Bloco de Esquerda em 13 de abril, prevendo a construção de linhas novas de plena interoperabilidade, incluindo bitola UIC, integradas no corredor atlantico norte e sul e na ligação Lisboa-Porto:

Por isso, para quem defende a política da interoperabilidade plena da ferrovia, foi bem-vinda a entrevista do diretor da DG Regio, a direção de política regional e urbana da Comissão Europeia, Rudolf Niessler. Foi muito claro o seu desejo que se concretize a ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid, que não seja apenas em Espanha que se desenvolvem redes de alta velocidade (bitola UIC para passageiros e mercadorias) e que se corrija a distorção do excesso de deslocações em transporte individual nas áreas metropolitanas. Espera por isso que seja aproveitado, para viabilizar o investimento necessário, o próximo quadro comunitário 2021-2027. Ver:

É de muito interesse observar, pelo contraste, as movimentações em Espanha de associações empresariais, poder autárquico e movimentos de cidadãos no sentido de acelerar a construção do corredor UIC mediterrânico de ligação a Barcelona e França dos portos de Algeciras, Malaga, Valencia :

São também conhecidas as diligencias do governo espanhol para incluir a ligação para mercadorias Leão-Galiza e a inclusão das ligações aos portos das Asturias e Cantabria no corredor atlantico, incluindo a mudança para a bitola UIC, o que poderá comprometer a execução da ligação Aveiro-Salamanca (a estratégia do governo espanhol privilegia a descentralização e o reforço das infraestruturas das regiões, o que poderá justificar as promessas do ministro de fomento, apesar das regiões recearem o corte do orçamento):

A recusa do XXI governo em estudar a adesão à rede UIC é inaceitável se atendermos aos diagnósticos da ferrovia portuguesa e propostas de medidas para reverter a situação, da OCDE e da Boston Consulting, não atendidas pela IP (que se limita a beneficiar a rede existente e a manter a bitola ibérica na ligação Évora-Caia) :

Também são factores reprovadores da política do XXI governo as recomendações da EU que perante a situação atual recomendam claramente a Portugal o investimento nas ligações ferroviárias às redes transeuropeias de normalização UIC:

Nesta perspetiva, apenas se compreenderá a posição do XXI governo enquanto sintonia com a estratégia da Medway/MSC, Takargo/Mota Engil e operadores ligados à RENFE, SNCF e DB através dos AEIE) interessados apenas em explorar a rede ibérica existente incumprindo os objetivos de transferência do transporte rodoviário superior a 300 km para a ferrovia definidos no considerando 11 do regulamento 1316. Igualmente se receia que, provavelmente por algum mal-entendido, as estruturas sindicais receiem a entrada de operadores estrangeiros através da rede UIC, quando já se verifica ou se espera a presença de operadores estrangeiros (MSC/Medway, Arriva). Por outras palavras, trata-se de uma estratégia de auto-limitação de objetivos contrastante com a política espanhola e de Espanha esperando o dia em que desenvolva as ligações UIC, de passageiros e para as plataformas logísticas, a Salamanca e Badajoz (esta provavelmente até 2026), não restando nessa altura alternativa ao governo português senão o prolongamento a Sines/Lisboa e Aveiro/Porto/Leixões em bitola UIC.

De assinalar a realização em julho de 2019 de um inquérito aos cidadãos da EU para recolha de opiniões sobre o estado da ferrovia e do planeamento das redes transeuropeias e de sugestões, o que poderá ser uma oportunidade de fazer chegar aos órgãos planeadores da EU uma visão diferente da oficial do governo português:

Também é importante dar conhecimento do interesse que internacionalmente já existe no estudo da economia do transporte ferroviário de alta velocidade ao nível universitário:

Igualmente curiosa a decisão dos caminhos de ferro estatais italianos FS de adquirir uma participação decisiva na Alitalia e substituir as ligações aéreas de curto curso por ligações de alta velocidade, numa política de descarbonização e de economia energética em termos de consumo específico de energia por passageiro-km, contrastante com a proteção dada à TAP nas ligações Lisboa-Porto e Lisboa- Madrid ao obstaculizar as respetivas ligações de alta velocidade:
No atual contexto de proximidade de ameaça de medidas de descarbonização penalizadoras do transporte rodoviário de mercadorias de longa distancia, surge como provavelmente uma solução na qual se deve investir as chamadas, em Espanha, auto pistas ferroviárias, ou transporte por comboio de semirreboques, camiões TIR ou caixas móveis. Em Espanha estão a alargar-se túneis para o permitir e desenvolve-se este serviço:

Em anexo  um pequeno folheto em que se tenta sintetizar a questão da ferrovia UIC em Portugal e das ligações à Europa além Pirinéus com integração nas redes transeuropeias,  com a argumentação e as questões associadas.


              FOLHETO  DE DIVULGAÇÃO DA QUESTÃO DA NOVA FERROVIA EM ABRIL DE 2019
“A razão pela qual não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa.   
                                                      Daniel Gros, em 2015, diretor do Centro de Estudos Políticos Europeus
Enunciado do problema:
Sabendo como são necessárias as interligações ferroviárias com a Europa além Pirineus, como eliminar a atual insuficiência dessas interligações?
Obs.- a inexistência de ligações ferroviárias competitivas, isto é directas, sem transbordos, ao centro da Europa, em particular para mercadorias, tem efeitos muito negativos na economia portuguesa exportadora
Situação atual
·         Incapacidade da rede ferroviária nacional e constrangimentos em Espanha e França
·         Bloqueio real por incumprimento do mapa da rede básica 2030 transeuropeia de transportes (TEN-T)           Obs.- os troços em construção Évora-Elvas não estão corretamente integrados, por não cumprirem os parâmetros da interoperabilidade integral, na ligação de alta velocidade/mercadorias Lisboa/Sines-Madrid;
           atrasos nas linhas de AV/mercadorias  Madrid-Badajoz, Madrid-Burgos, fronteira portuguesa-Salamanca-Valladolid, Hendaye-Dax-Bordeus
Qual a estratégia do XXI governo para o problema?  
       Não tem, melhor, não quer tratar da questão e delegou nos AEIE AVEP (passageiros) e Atlantic corridor RFC4
Obs.- AEIE - Agrupamentos europeus de interesse económico (IP,ADIF,SNCF,DB);  AVEP - Alta velocidade Espanha Portugal; RFC4 – rail freight corridor 4 (Atlantic Corridor)
Qual é a proposta dos AEIE?
Servir com bitola ibérica e por vezes com locomotivas diesel as plataformas logísticas de Vigo, Salamanca, Badajoz e, principalmente, Vitória, a 120km de Hendaye, ligada a França em bitola UIC após 2023
E qual é a solução da União Europeia?
É o mapa da rede básica  (TEN-T) para 2030, conforme os regulamentos da UE 1315 e 1316 (mecanismo interligar a Europa), cuja parte portuguesa inclui:
·         o corredor atlantico norte Aveiro-Salamanca
·         o corredor sul Lisboa/Sines-Madrid
·         a ligação Lisboa-Porto/Leixões
Obs.- como consequência da delegação nos AEIE, o coordenador da CE da rede TEN-T/corredor atlantico, já prevê para 2030 Portugal sem bitola UIC, isto é, sem interoperabilidade, o que deveria reverter-se
Porquê preferir a solução ferroviária de plena interoperabilidade, incluindo  bitola UIC?
·         porque o transporte ferroviário não tem as contraindicações ambientais do rodoviário nem a morosidade do marítimo
·         porque o consumo específico de energia por passageiro-km é inferior aos outros modos de transporte, incluindo o aéreo, e é de origem renovável
·         porque o consumo por tonelada-km de mercadorias é inferior em linhas novas e logo os custos operacionais inferiores
Obs.- linhas novas: menos curvas, menos declives; analogia rodoviária: não se aproveitam estradas antigas quando se constroem auto-estradas; considerando (11) do regulamento 1316: transferência até 2030 de 30% do tráfego rodoviário de mercadorias de mais de 300km para o modo ferroviário.     Ver:        https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwehzNhuEExKreHeAex

O que propomos?
·         A retirada da competência da definição estratégica aos AEIE
·         Sua atribuição ao CSOP apoiado em estrutura hierarquicamente autónoma com técnicos da CP/REFER e por concurso público
·         Realização pelo CSOP de sessões abertas de esclarecimento e recolha de sugestões num processo integrado na preparação do plano nacional de investimentos PNI 2030
·         Preparação urgente de um calendário de realização da parte portuguesa da rede básica TEN-T de 2030 para submissão a fundos comunitários, incluindo análise de custos benefícios e comparação com alternativas
                          Obs.- estimativa de 12.000 milhões de euros, construção até 2030 e financiamento por 30 anos
·         Ação diplomática junto de Espanha e França para desbloqueamento dos constrangimentos para cumprimento do objetivo 2030