https://participa.pt/pt/consulta/aeroporto-do-montijo-e-respetivas-acessibilidades
Exprimi a minha discordancia sobre a localização do aeroporto complementar, principalmente por se tratar de uma pista pequena suscetível de problemas em dias de intempérie, para além dos reconhecidos pelo próprio EIA inconvenientes devidos ao ruido e ao risco de colisão com aves. Não houve assim a coragem de fundamentar do ponto de vista técnico de engenharia de construção, de manutenção e de operação (cujas disciplinas aliás o EIA evita) uma recusa ou, pelo menos, se esta é uma imposição, uma avaliação negativa da solução.
Comentário:
1 – Como o próprio nome indica, um EIA baseia-se nas especialidades do Ambiente. No entanto, dada a sua relevância para a tomada de decisões definitivas a experiencia tem demonstrado que as especialidades mais ligadas às técnicas de engenharia de construção, manutenção e operação têm sido desprezadas e não consideradas como relevantes para essas tomadas de decisão. No caso da engenharia de operação, destaque para a ausência de análises de risco para condições climatéricas adversas para o reduzido comprimento da pista e proximidade do rio. O presente EIA mantem essa inconformidade, ao omitir qualquer comparação segundo critérios de engenharia de construção, manutenção ou operação com outras localizações para o aeroporto complementar , ou para uma primeira fase de um aeroporto de substituição do aeroporto HD. Discorda-se portanto das conclusões e, naturalmente, do procedimento até agora seguido pelas autoridades de fuga a essa comparação.
2 – Ao fundamentar a escolha da BA6 como única solução de acordo com o critério de urgência, o EIA comete uma incorreção ao atribuir à solução CTA um tempo de construção de 10 anos e um avultado investimento, ao qual se adicionaria o custo de uma travessia ferroviária do Tejo, porque essa solução seria um aeroporto de substituição do AHD e não um aeroporto complementar. Complementar seria uma primeira fase de menor custo e sem necessidade da nova travessia do Tejo. Aliás, as novas travessias ferroviárias do Tejo justificam-se enquanto elemento de coesão da área metropolitana independentemente de um novo aeroporto. A primeira fase do aeroporto no CTA poderia aproveitar a estrada existente, com capacidade de escoamento para a primeira fase do aeroporto do Montijo (7,8 milhões de passageiros/ano) necessitando por isso de uma intervenção menor do que a ligação da BA6 à A12, e com uma extensão adicional de 15 km (35 km para Lisboa, comparando com 47 km para Gatwick-Londres). Essa seria a comparação correta, cuja omissão invalida a conclusão de que o Montijo é a única solução conforme afirmado.
3 – Obviamente que o país não dispõe de dinheiro para um aeroporto de substituição do AHD mas o EIA deveria recordar que o contrato de concessão com a Vinci previa uma solução de 90 a 95 movimentos por hora e nada justifica (nem a “opinião” referida pelo senhor CEO da Vinci de companhias aéreas “low-cost”, de elevada volatilidade) a desistência desse objetivo em troca da imposição unilateral de um local quando haveria sempre a hipótese de uma primeira fase para o CTA (além de que a localização deste aeroporto não seria obrigatoriamente a nascente, podendo aproximar-se de Alcochete) com uma pista de 4000 m e não uma pequena pista de 2400m
4 – Tal como o próprio EIA reconhece, a poluição tem efeitos muito significativos e muito negativos sobre a população, reconhecendo até que os limites de poluição sonora para os voos noturnos baixaram . Como tal, deveria também reconhecer que a proximidade de um aeroporto de grandes aglomerados populacionais não é uma vantagem, é um inconveniente. Os inconvenientes para a saúde elencados e o otimismo com que se acredita na eficácia das referidas medidas minimizadoras são suficientes para justificar a reprovação do projeto.
5 – O cálculo de 600 milhóes de euros de perdas de turistas por ano por falta do aeroporto complementar deveria ter sido no EIA mais bem fundamentada e não apenas citando números do MIH, parte interessada, contabilizando as reduções devidas ao volume de importações necessárias para suportar esses turistas, às emissóes de gases com efeito de estufa e aos efeitos nocivos sobre a saúde associados. Igualmente se poderia argumentar que ter protelado a inviabilização da 1ª fase do CTA (a qual poderia ter-se desenvolvido com menos expropriações e avaliações ambientais necessárias) para privilegiar a solução Montijo, constituiu perda de receitas de turismo.
6 – O reduzido comprimento da pista poderá ser justificado pela opção “ponto a ponto” para o Montijo, com utilização de aviões de médio porte, cada vez mais eficientes e requerendo menos espaço. Contudo, a generalização desse tipo de aviões pode demorar, a eventualidade de carga máxima para os aviões com condições meteorológicas adversas e a necessidade de muitos lugares de estacionamento para o regime “ponto a ponto” e a volatilidade das decisões das “low cost” colocam reservas ao comprimento da pista e ao referido regime. Em caso de vento sudoeste, e de necessidade de utilização de toda a pista 19 , convirá esclarecer caso não o tenha sido, se a manobra de saída da pista, dadas as suas carateristicas geométricas, introduzirá atrasos na utilização da pista . Apesar das elevadas taxas de crescimento do volume de passageiros devido em grande parte às condições atuais do turismo nas regiões mediterrânicas e à estratégia atual das companhias aéreas de privilegiar o “ponto a ponto” (não há razões técnicas que impeçam os fabricantes de produzir aviões de maior porte para o regime hub com consumo de energia por passageiro-km igual ou inferior aos aviões mais recentes de pequeno e médio porte) afigura-se pouco prudente (o que milita contra a escolha da localização do aeroporto) acreditar num aeroporto fundamentalmente para “ponto a ponto”, quando podem mudar as condições que o justificam do turismo, da estratégia dos fabricantes de aviões e ainda do movimento para redução das viagens aéreas para contenção das alterações climáticas (o objetivo será um regime do tipo “hub” com a distribuição para as cidades secundárias por via férrea).
7 – Por razões técnicas, a solução 1 de aterro para o prolongamento da pista para sul deve ser evitada devido à natureza de lodos e areias e às correntes e consequente instabilidade dos fundos. A solução correta é a de estacas. Deverá ser considerada em análise de riscos a situação de simultaneidade de vento sudoeste, marés vivas, chuva forte e riscos de chegada de água do rio à pista e drenagem insuficiente, parecendo otimista naquela situação a previsão de 3,42m de cota de inundação no ponto 5/Alterações climáticas do RNT do EIA . Salvo melhor opinião, e ressalvando o meu lapso caso o tenha sido, deveria ser apresentado o estudo fundamentador. Na referida análise de risco deverão ser consideradas as restrições (recusa de aterragem) em caso de avaria num reverser e garantido o estriamento do pavimento da pista.
8 – Na relação de perturbações devidas ao ruído faltou, se não erro, a referência ao hospital do Barreiro, embora a rota de aproximação ou descolagem não o sobrevoe diretamente. Convirá ainda esclarecer que segundo as regras da EU não deverão ser urbanizados nenhuns terrenos sob essas rotas, o que condiciona o planeamento demográfico das respetivas câmaras.
9 – No parágrafo “Energia e combustíveis” deverão ser corretamente indicadas as unidades de energia: kilowatt-hora e não quilowatts (esta é uma unidade de potencia ou consumo de energia por unidade de tempo, e não de energia), de acordo com as convenções internacionais e indicado o período do consumo (diário, julgo).
10 - O EIA deveria propor, por razões ambientais e de segurança (redução do volume dos tanques), o fornecimento de combustível por oleoduto (sugestão: desde o terminal da Trafaria/Cova do Vapor) e, em alternativa, por via férrea reconstruindo o ramal Montijo-Pinhal Novo. Julga-se de completar nestes termos o ponto 7/Substancias perigosas do RNT do EIA.
11 - A reconstrução do ramal Montijo-Pinhal Novo e o seu prolongamento até junto do edifício principal do aeroporto permitiria para passageiros a ligação da BA6 a Entrecampos em 50 minutos por via férrea (eventual transbordo em Pinhal Novo se o ramal integrasse a futura rede do metro de superfície da margem sul)
12 – No parágrafo Qualidade do ar e emissão de gases com efeito de estufa ao referir-se a hipótese duma central fotovoltaica para produção anual de 1200 MWh convirá informar que se tratará duma contribuição pouco significativa, em cerca de 1 hectare, podendo pensar-se em utilizar uma superfície maior, incluindo coberturas dos edifícios, pormenorizando a respetiva medida minimizadora.
13 - Conviria esclarecer o local exato previsto para a instalação de portagens no sentido aeroporto-PVG para se avaliar as suas condições de segurança (distancia de visibilidade, fundamentalmente)
14 – Embora anunciados no ponto 7 do RNT do EIA exemplos de medidas minimizadoras do risco de colisão com aves e de listadas no ponto 8 várias medidas e planos de monitorização ambientais, não são exemplificadas no RNT as medidas concretas para afastamento das aves ou deteção de aproximação de bandos referidas nos anexos temáticos do EIA. Também não parece clara a atribuição da responsabilidade da implementação e financiamento das medidas, nomeadamente da deslocalização dos aterros sanitários e da aquisição de salinas (temendo-se que seja para eliminar zonas aquáticas a menos de 13 km) e dos planos de monitorização, temendo-se assim que fiquem esquecidos pela inércia. No caso das barreiras acústicas deverão ser definidas a atenuação e fiabilidade requeridas.
15 – Para além do plano de monitorização dos efeitos nos transportes envolventes referido no ponto 8 do RNT do EIA, deveria este recomendar desde já o estudo, na dependência do ministério das infraestruturas, do reforço das ligações ferroviárias de travessia do Tejo e do metro de superfície da margem sul, numa perspetiva de descarbonização dos transportes na AML. Neste tema alerta-se contra o facilitismo (que ignora os efeitos de redução da segurança de circulação e de longevidade das pontes) do aproveitamento da PVG com acrescento de vias de rodagem, reduzindo a largura destas, sacrificando parcialmente a faixa de emergência e propondo vias dedicadas para metrobuses (de consumo específico por passageiro-km superior ao metro de superfície), em vez de nova travessia ferroviária (ponte ou túnel).
16 - No caso de continuar a verificar-se o crescimento do volume de passageiros de e para Lisboa, contrariamente às hipóteses do ponto 6 deste parecer, deveria ficar taxativamente previsto no texto final do EIA que não será autorizada uma segunda pista no aeroporto do Montijo, quer do lado de terra, quer do lado do rio, neste caso obrigando à ocupação do leito do rio.