sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

O senhorio feliz

https://expresso.pt/economia/2020-01-05-Sede-do-Metropolitano-de-Lisboa-deixa-palacete-em-Picoas

Graças ao semanário Expresso ficou-se a saber que o Metropolitano vai alugar o edifício onde tem a sua sede social, uma moradia de 1913, prémio Valmor . Informou o senhor presidente do metro que ele, metro, se dá muito bem como senhorio.
Ignora-se os termos da concessão, que será uma figura mais elegante do que a de alugar, embora não estejamos livres de que o concessionário utilize o prédio como alojamento local. Prossegue a entrevista que se pensa também ampliar o anexo da garagem, e assim teriamos "um hotel, alguma instituição de prestígio ou mesmo private banking".
Não há dúvida, o metro sente-se feliz como senhorio, até porque tem mais património para rentabilizar e até ajudar a financiar as obras de expansão (o que nada tem de condenável, o metro de Hong Kong financia as suas expansões com as mais valias das intervenções imobiliárias das novas zonas que vai servir). Mas gostava de fazer duas observações:
1 - na simplicidade das suas afirmações, o senhor presidente está a identificar-se com uma estratégia que muito claramente tem vindo a agredir a cidade. Muitas empresas têm feito o mesmo, deslocalizar a sede para mais longe do centro (o metro primeiro deslocalizou para as avenidas novas, na Av.Barbosa du Bocage, e agora para Carnide. Foi assim que a baixa se desertificou, antes de chegar a vaga de turistas. Mais tarde as empresas deslocalizar-se-ão para a periferia, onde novas urbanizações mais perto dos seus funcionários crescerão. Entretanto os edificios abandonados vão sendo ocupados pelo alojamento local, ou por empresas necessitando de diversificar a geografia dos seus negócios financeiros (private banking de cidadãos estrangeiros de elevados rendimentos? ao abrigo do levantamento de suspeitas como a que embaixadora Ana Gomes por vezes suscita? ). Citando uma adaptação que um amigo fez duma afirmação de Henri Lefebvre a propósito da urbanização Aussmann em Paris:
“Agora  interessa a criação de um grande centro, só ao alcance duma população privilegiada e claro, das catedrais da economia. Os espaços verdes serão para os novos proletários almoçarem a merenda à hora do almoço ... no final da tarde deverão seguir para as suas zonas".
A desertificação de Lisboa continuará assim, subrepeticiamente, mas seguramente. Enquanto zonas da periferia se vão valorizando com a afluencia de novas gerações e de novas empresas sem que a câmara de Lisboa corrija a sua estratégia.

2 - se o metropolitano tivesse vocação para senhorio não teria vendido o edificio da rua Ivens que tinha adquirido na altura do prolongamento para a baixa para instalar elevadores de acesso à nova estação Baixa Chiado. A sua venda para a instalação de mais um hotel ou bloco de apartamentos, cerceando a possibilidade de pessoas com  mobilidade reduzida acederem à estação é mais um episódio deslustrante para o metro pelo que significa de desprezo por essas pessoas. Deficiente não é quem tem dificuldades motoras, é onde não há acesso.

Referiu ainda o senhor presidente do metro a intenção de vender o terreno de 6 hectares onde esteve instalado o antigo Parque de Material e Oficinas I e que estava a desenvolver com a CML um projeto urbanistico. Ora, esta é uma situação também triste. Já em 2003 (e não 2013 como diz a noticia) o metro tinha assinado com a CML um desastroso protocolo em que poderia ficar com as mais valias de um projeto urbanistico em troca da construção a suas expensas de uma central de camionagem rodoviária e um parque de estacionamento de ligeiros.  Se a informação disponibilizada publicamente anteriormente era correta, esse protocolo foi de facto desastroso, como mostro em
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2018/08/os-terrenos-do-metropolitano-em-sete.html

O próprio protocolo previa a hipótese de rescisão caso não fosse renovado de 3 em 3 anos e que deveria ter sido acionada. Mas chegou-se a esta situação, em que um arquiteto indigitado por Manuel Salgado (se é correta a noticia), portanto sem concurso público, está a fazer um novo projeto urbanistico e a adaptar o plano diretor municipal. Para o metro perde-se a possibilidade de ter uma zona de garagem para 6 comboios para injeção intermédia na exploração em horas de ponta e terá de sofrer uma desnecessáriamente onerosa e tecnicamente complexa transferência da subestação de tração de Sete Rios.
Apenas mais uma observação: nos termos das diretivas europeias, construir em zona de aproximação de aeroportos é ilegal.
Não, neste caso, o metro não se deu nada bem na pele de senhorio.

Referida ainda a possivel rentabilização da moradia "esquartejada" da Alameda da Linha de Torres e do edificio onde está instalada a FERCONSULT nas Laranjeiras. No primeiro caso para demolição e construção de novo edificio pelo comprador. Recordo um projeto de vários moradores da zona que integraram as suas parcelas num conjunto muito interessante, corretamente integrado na zona do viaduto do Campo Grande, lado nascente. Foi submetido à CML. Ignoro se foi aprovado, sei que não foi para a frente.
No segundo caso para acrescento de mais 4 andares seguido de venda, com concentração dos colegas da FERCONSULT em Carnide (lá está, a centrifugação dos serviços e das pessoas e abandono do centro à "hotelização", ao alojamento local e aos escritórios absentistas e virtuais de cariz financeiro transnacional).

Câmara Municipal de Lisboa, gestor urbano?
Metropolitano de Lisboa, senhorio feliz?





     

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