quarta-feira, 10 de maio de 2023

A melhor solução, dizem os estudos, e um compromisso nacional, ou comparando veículos rodoviários e ferroviários


https://rum.pt/news/ligacao-brt-entre-braga-e-guimaraes-e-um-compromisso-nacional


Caro Ministro

Tendo dedicado grande parte da minha  vida profissional a questões de transportes,  sinto-me na obrigação de sugerir umas pequenas correções no seu discurso de Braga, em  3mai2023 .

Acredito que disse por  convicção que o BRT é a melhor solução, conforme o mostram "estudos".  Convicção adquirida certamente de boa fé e provavelmente  através de técnicos de transportes que asseguraram ser essa a melhor solução para os casos de Braga, Guimarães, Porto (Boavista e Império), Coimbra (Mondego). Oeiras e Sacavém (LIOS). 

Não terá o senhor ministro formação ou experiência no domínio da engenharia que lhe permita demonstrar a afirmação, digo-o sem pôr em causa a sua dedicação à causa do Ambiente. Daí ter citado os "estudos", e esquecido que, depois que no século XVI a escolástica do "magister dixit"  foi substituida pela obrigatoriedade de comunicação aos pares, para referendo, de qualquer inovação científica (como já foi amplamente divulgado, existe uma antinomia entre a ciência e a economia, a ética cientista manda divulgar, ao contrário, a assimetria de informação permite vantagens nos mercados). Não se justifica assim, embora exista a tentação de invocar segredos de Estado, qualquer confidencialidade em assuntos de interesse público, como aliás prevê o art.48 da CRP.

Terá portanto o senhor ministro uma boa solução, se são os "estudos" que o mostram, poderá determinar a sua divulgação, quer eles sejam existentes ou não. 

Na verdade, se compararmos para o mesmo volume de passageiros um veículo BRT (autocarro com baterias de lítio) de conceção recente, com o veículo ferroviário ligeiro, por exemplo do tipo tram ou tram-train de conceção antiga, as vantagens do BRT são incontestáveis, incluindo do ponto de vista da eficiência energética, isto é consumo de energia por passageiro-km transportado. Mas não se o "tram" for tecnologicamente evoluido, mesmo concedendo uma vantagem ao BRT por ser, o "tram", mais pesado.

Entre as razões mais importantes, estão as da segurança. É vulgar recorrer ao alumínio para as carroçarias dos autocarros (convém comparar as emissões de gases com efeito de estufa na mineração do lítio e do alumínio com as do ferro) o que, do ponto de vista de uma análise de riscos, penaliza o autocarro em caso de incêndio, nomeadamente em túneis, dado o menor ponto de fusão e de ignição do alumínio relativamente ao aço.

Mas simplifiquemos  e consideremos como fator decisório, na comparação entre o autocarro BRT e o "tram",  apenas a eficiência energética pela sua importância enquanto fator de luta contra as alterações climáticas.

Pode pedir aos seus assessores que consultem os académicos da especialidade para calcular os custos. Digo isto porque certamente não acreditará nos meus cálculos. Mas mesmo assim vou expô-los.

Considere-se a fórmula empírica da força de resistência ao movimento de um veículo em patamar retilíneo   R = Mc0 + Mc1V + c2AV2      , em que M representa a massa do veículo carregado, V a velocidade, A a secção resistente oferecida à deslocação do veículo e  c0 , c1 e c2  coeficientes específicos de resistência à deslocação independentes da velocidade  (c0) ou dependentes do seu valor ou do seu quadrado (c1 e c2).

A esta resistência soma-se a resistência devida às pendentes, proporcional ao valor do gradiente, e a resistência devida às curvas, inversamente proporcional ao seu raio.

A equação fundamental do movimento relaciona a força resultante com a aceleração a que um corpo de massa M fica sujeito:   F = M.a   sendo que a força resultante é a diferença entre a força que o motor do veículo aplica ao veículo e a soma das forças resistentes.

A força do motor para cada velocidade em função das caraterísticas do veículo retira-se dos gráficos experimentais do fabricante e para cada incremento de velocidade podemos calcular o valor das forças envolvidas e consequentemente a energia necessária para o motor atingir cada valor da velocidade (energia = força x deslocamento).

Feitas as contas para um percurso misto de 1000 m, com patamares, gradiantes e declives de 2%, obtive os seguintes valores para o consumo específico de energia por passageiro-km:

tram (elétrico articulado)          61 Wh/pass-km
automóvel elétrico                  118 Wh/pass-km
BRT                                           73 Wh/pass-km

Se considerarmos a energia primária necessária os valores sobem para: 

tram (elétrico articulado)        155 Wh/pass-km
automóvel elétrico                  334 Wh/pass-km
BRT                                         216 Wh/pass-km

E se considerarmos que para a produção de energia elétrica com um "mix" gás natural-renováveis temos como emissões de gases com efeito de estufa 300g de CO2 por kWh, a distância para transportar 100 passageiros com a emissão de 1 tonelada de CO2 será:

tram (elétrico articulado)         215 km 
automóvel elétrico                   100 km
BRT                                          154 km

O ponto fraco do transporte de mercadorias é precisamente a resistência das pendentes, que não deverá ultrapassar 1,2%, por isso mais valia uma linha nova entre Aveiro e Salamanca do que estar a aproveitar a plataforma existente.

O ponto fraco do transporte sobre pneus é o coeficiente  c0 . Enquanto c1  e  c2   não variam significativamente entre um veículo rodoviário e um ferroviário, o  c0 pode ser 3 vezes superior no caso rodoviário. Isso deve-se ao maior atrito no movimento do contacto deformável do pneu com o asfalto relativamente ao contacto da roda de ferro com o carril. 

Eis porque para pequenos gradientes e para grandes volumes de carga ou de passageiros o BRT ou os camiões, mesmo elétricos, são menos eficientes do que o"tramway" (elétrico) ou o comboio.

Vai mesmo pôr o BRT a circular nas estradas do "quadrilátero"? 

Poupa no investimento ferroviário, mas como diz a sabedoria popular, o que é barato sai caro, isto é, poupa-se o que for possível com o sistema BRT para gastar o que for preciso no transporte individual (há a vantagem fiscal da recolha dos impostos, é verdade, mas a importação dos combustíveis onera o saldo orçamental).

Poderei ter uma visão polarizada, demasiado influenciada pela minha formação e pela cultura que vivi na minha alma mater, definindo as funções da engenharia como as de produzir, transformar ou utilizar a energia e a matéria de forma útil à sociedade, quantificando e resolvendo problemas.

Não é esta a visão da maioria dos cidadãos e cidadãs, e por extensão dos decisores eleitos, neste caso subordinados aos dogmas do mercado ou do marketing eleitoral. Não vamos exigir a um ministro do Ambiente que domine toda a argumentação ou toda a contraargumentação do conceito, por exemplo, que diz "devemos deixar os rios correr livremente para o mar," ou "paralisemos a entrada de gas natural liquefeito no porto de Sines". São graves os prejuízos para a economia e bem estar pelos sucessivos adiamentos da construção das barragens de Girabolhos, do Ocreza, do Crato, da Foupana, do Vascão, de Alportel. Tudo porque os ambientalistas dizem que as barragens impedem a ida dos sedimentos para o mar e este destroi a costa por causa disso (e contudo, há soluções técnicas para retirar os sedimentos das barragens e transportá-los para o mar) . Todos os argumentos são bons para manter a estagnação, para impedir as centrais de dessalinização ou o transvaze do Minho para o Algarve. 

Eu diria que o ministério do Ambiente seria extremamente útil numa estrutura de governo em que desempenhasse o papel de observatório e fiscalizador ou controlador dos outros ministérios, nunca por nunca de decisor, e isso vale desde o metropolitano (é uma infraestrutura pesada cuja operacionalidade contribui para a redução das emissões, mas não é uma entidade ambiental) à gestão da produção de energia elétrica, incluindo a reciclagem de resíduos para a produção de biocombustíveis. Dizia o meu velho professor, o problema fundamental da humanidade é a energia. 

Assim como estamos, repito, mantemos a estagnação. Admito que não por má fé, que o senhor ministro já deu provas de ser insuspeito, mas por distanciamento das razões técnicas, por enfeudamento ao mantra ambientalista, pela imposição do conceito de estratégia política vigente que a todos nos tolhe.

Peço desculpa pela argumentação prolixa, apenas para criticar a opção pelo BRT, uma moda que percorre o país sustentada sem critérios energéticos mas que reuniu o apoio entusiástico de muitos.


Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso pessoal



Nota - os cálculos referidos encontram-se (págs 35-42 e 190-198) em:   

https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMAIaGRhXqZ6fLb?e=pODhpf

3 comentários:

  1. Sim senhor caro Fernando! Muito bem argumentado tecnicamente. Aprovado com DISTINÇÃO .
    Há no entanto uma frase sua acima " o transvaze do Minho para o Algarve" que eu creio se estará a referir ao transvaze das águas do rio Minho, por canal, até ao Algarve . Este, " transvaze de águas " , é um tema que pessoalmente considero deveria já ter sido debatido e planeado pelo nosso Ministério do Planeamento e das Infraestruturas. Na situação de severas secas periódicas que atingem o Alentejo, como aquela que neste momento se atravessa, era tempo de se encarar a construção de uma grande canal em território português, que pudesse desviar parte das águas do Rio Tejo para alimentar de água todo o nosso Alentejo e mesmo até o próprio Algarve, furando com um túnel a serra do Caldeirão.
    A Espanha vem fazendo este tipo de obras há já uns 30 anos e continua. Ler em :
    https://www.bing.com/search?q=ESpanha+constroi+um+vcanal+de+%C3%A1gua+que+transporta+%C3%A1gua+do+Tejo+para+a+Andaluzia.+Porm%2Cenores&form=ANNTH1&refig=d3d70f3522574df98c0acd4f0b9ba860

    E esta ainda muito recente :
    https://televisaodosul.pt/espanha-aprova-construcao-de-canal-com-36kms-para-retirar-agua-do-guadiana/

    Ora aqui está um outro e NIOVO PROJECTO ESTRATÉGICO que Portugal deveria já ter abraçado, seguindo as inteligentes e atempadas decisões da nossa vizinha Espanha.´

    Abraço amigo do

    Mário Ribeiro

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  2. É tempo de abrir o debate público sobre a rede de TCSP para a AML, em particular, evidenciar quais as propostas estratégicas de acessibilidade sustentável e de modelos de ordenamento do território. Quer organizar duas tertúlias sobre estes temas?

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  3. https://transitec.net/pt/necessidades/transporte-coletivo/item/82-insercao-de-transporte-coletivo-em-sitio-proprio-tcsp.html

    Inserção de Transporte Coletivo em Sítio Próprio (TCSP)
    Planear e implementar uma linha de TCSP (Metrobus / BRT ou Metro Ligeiro de Superfície) vai para além da melhoria da performance do desempenho do transporte coletivo (velocidade de exploração, regularidade), constituindo uma oportunidade de requalificação do perímetro do projeto, podendo beneficiar todos os utilizadores.

    Por esta razão, a TRANSITEC sempre atribuiu uma grande importância a alguns princípios, tais como:

    -a vontade de contribuir para melhorar a qualidade do espaço público,
    -intervir na circulação, a montante do perímetro do projeto
    -uma abordagem operacional da exploração das redes de transporte coletivo

    A TRANSITEC abrange todas as fases de conceção e implementação, trabalhando em equipa com os projetistas (sistemas, infraestruturas e espaços públicos).

    Published in Transporte coletivo

    O responsável pelo Blog que se manifeste .

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