quarta-feira, 17 de maio de 2023

O momento do metropolitano de Lisboa, em maio de 2023

 


 

O momento do metropolitano de Lisboa                           maio de 2023

 

Como antigo funcionário do metro que  participou na colocação em serviço das ampliações para Campo Grande, para Cais do Sodré, para a Gare do Oriente, para Telheiras, para Amadora, para Odivelas e para Santa Apolónia, acompanho com muito interesse o atual momento do metro.

Discordo por motivos técnicos do atual plano de expansão, sem pôr em causa a competência e o brio profissionais dos colegas que nele participam, porque têm de cumprir um plano decidido por decreto em 2009, em incumprimento do PROTAML (Plano Regional de Organização do Território da Área Metropolitana de Lisboa) e sem discussão pública  alargada.

Sendo inevitáveis as perturbações das obras, parecerá inglório estar a prejudicar as pessoas nas suas deslocações casa-trabalho quando, por exemplo, a intervenção junto da estação Cais do Sodré deveria ter sido evitada dada a natureza dos terrenos e a complexidade da obra que a encarece. Em vez disso, a mobilidade das pessoas teria sido melhor garantida com o prolongamento da linha vermelha, não como agora está previsto para junto de Alcântara Terra, mas para Alcântara Mar, com correspondência em viaduto com a linha de Cascais, dispensando a futura e cara ligação da linha de Cascais à linha de cintura.

1 – As perturbações das obras – Por razões de segurança, para evitar que, no caso de uma falha na travagem, um comboio lance tensão na zona de trabalhos, justifica-se os comboios que vão a Campo Grande terem apenas 3 carruagens. Ironicamente, na memória descritiva do projeto pelo gabinete de engenharia com muito boas referências no projeto de viadutos, lê-se que "o projeto foi desenvolvido por forma a que a obra se faça sem interrupção do serviço nas duas linhas". Tratar-se-á de mais um exemplo de descoordenação entre o projetista e o dono da obra, porque ninguém pode ter a pretensão de tudo dominar. O risco, para além de mecânico, deve-se ao sistema de alimentação dos comboios por terceiro carril através de um circuito de sapatas que, ultrapassado o fim do cais, lançaria corrente no troço de terceiro carril na zona de obra.

1.1 – linha verde - Informou o senhor presidente do metro que antes circulavam na linha verde comboios de 6 carruagens com intervalos de cerca de 4,5 minutos. A capacidade oferecida, considerando uma lotação de 800 passageiros (ocupação de 4 pessoas/m2) e 60:4,5 = 13 comboios por hora e sentido, era de 13x800 = 10.200 passageiros/h e sentido (nºde comboios/h = 60minutos/intervalo entre comboios em minutos). Com as restrições das obras, com comboios de 3 carruagens com capacidade para 400 passageiros, conseguindo-se um intervalo à volta de 3 minutos e meio conforme prometido pelo senhor presidente do metro, teremos 60:3,3 = 18 comboios/h e 18x400 = 7.200 passageiros/h .

Não se prevendo autocarros de vaivém entre a estação de Alvalade e o Campo Grande, não seria mau este valor, desde que se conseguisse manter o intervalo de 3,5 minutos (a sinalização permite ir até 2,5 minutos, mas isso exigiria mais pessoal e material circulante) . Porém, comboios de 3 carruagens geram grandes atrasos nas paragens nas estações por rapidamente se encherem. Então poderiam experimentar-se duas hipóteses:

1.1.1   1.1.1   um comboio de 3 carruagens pararia nas estações pares e o comboio de 3 carruagens seguinte pararia nas estações impares. Isso permitiria aumentar a velocidade comercial reduzindo o tempo de percurso e reduzir a 3 minutos o intervalo entre comboios e aumentar a capacidade da linha (intervalo entre comboios = comprimento do percurso de ida e volta incluindo os términos/(nºde comboios na linha x velocidade) ). Para 3 minutos de intervalo teríamos 20 comboios/h e capacidade de 8.000 passageiros/h .

1.1.2    1.1.2 -   intercalar 1 comboio de 6 carruagens na exploração de comboios de 3 carruagens, por exemplo, 3 comboios de 3 carruagens seguidos de 1 comboio de 6 carruagens. Os comboios de 3 carruagens seguiriam até Campo Grande, e o de 6 carruagens faria a inversão em Alvalade, na 2ª via. Isso permitiria reduzir o tempo de paragem nas estações, embora a capacidade no troço Alvalade-Campo Grande fosse mais reduzida (6.000 passageiros/h para 3 minutos de intervalo) mas maior entre Cais do Sodré e Alvalade (10.000 passageiros/h para 3 minutos de intervalo).

1.2      -  linha amarela, Cidade Universitária-Campo Grande.  Com tempo, talvez tivesse sido possível ter contratado por esse país fora, como há uns anos num período de greves no metro, alguns autocarros que fizessem o vaivém entre a Cidade Universitária (por exemplo aproveitando o parque de estacionamento da Reitoria) e a estação  Campo Grande (por exemplo junto do lado nascente da estação). Pesquisando na internet, existem muitas empresas por esse país fora e por Espanha com alguma capacidade de aluguer, mas isso deveria ter sido feito atempadamente, embora nalguns sites dessas empresas se esclareça que a ocupação normal dos seus autocarros será em períodos bem definidos, por exemplo entrada e saída de escolas.

Admitindo um tempo de ida e volta de 15 minutos (beneficiando de temporária proibição de desvio automóvel para a direita no topo norte do Campo Grande), teríamos, partindo um autocarro de 1,5 em 1,5 minutos, necessidade de 10 autocarros ou 40 autocarros/hora ou 2.000 passageiros por hora. Temos então aqui um indício de falha de planeamento ou de descoordenação entre o empreiteiro dos novos viadutos e o metro. Outra hipótese seria a solução luandense dos candongueiros das Hiace ou, mais perto de nós, recorrer à Uber e afins.

 

2.         – as derrapagens dos custos -  Surpreenderam-me as justificações do senhor secretário de Estado da mobilidade urbana, ignorando a contribuição da lei da contratação pública para os sobrecustos com as adjudicações por preços baixos, e identificando como uma das causas as medidas mitigadoras no arranque da obra. É uma confissão clara de falha de planeamento. E é bem ilustrada pelo estudo de impacto ambiental (EIA) do prolongamento da linha vermelha a Alcântara que invocava um orçamento de 304 milhões de euros, mas não esclarecia nem contabilizava os trabalhos complementares das especialidades, nem os impactos na malha rodoviária de acesso à ponte 25 de abril, nem a remodelação rodoviária do bairro da Quinta do Jacinto, nem os meios mecânicos de ligação da estação de metro até à estação da linha de Cascais em Alcântara Mar, nem muito menos comparava os custos e os benefícios de um prolongamento a Algés do LIOS com um prolongamento do metro pesado .

Fechada a consulta pública em junho de 2022, os desenhos finais que permitiram saber exatamente como a nova estação vai “aterrar” nos acessos à ponte, corrigindo alguns desenhos do EIA, têm a data de novembro de 2022.
https://lisboaparapessoas.pt/2023/05/11/estacao-metro-alcantara-primeiras-imagens/

Para além das demolições de prédios em Alcântara, da afetação do jardim da Parada, do quarteirão interior adjacente da estação Infante Santo, da zona da Casa de Goa e do baluarte do Livramento, a perturbação da implantação da futura estação, como se vê na gravura, talvez tivesse desmobilizado muito do apoio que o projeto tem.

vista da rua da Quinta do Jacinto onde se instalarão as duas vias de acesso à ponte libertando para a construção da estação o espaço ocupado atualmente pelas duas vias de acesso mais uma faixa de estacionamento e por duas vias de saída da ponte, desaparecendo a terceira via

Ainda sobre sobrecustos, ver na rubrica de 13abr2020 em:   http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/04/sobre-insistencia-do-senhor-ministro-do.html

     3 – Ainda a questão da linha em laço – Em reunião com a junta de freguesia do Lumiar em 10mai2023, o senhor ministro do Ambiente “tranquilizou-a” assumindo, segundo o comunicado da junta,   que a opção da linha circular em detrimento da linha em laço não está ainda fechada, deixando a garantia que a obra em curso permite vir a optar por qualquer uma das duas soluções, ainda em avaliação.

É surpreendente. Trata-se de um assunto a esclarecer, quando a opção pela linha em laço ou em espiral, como a antiga linha circular do metro de Londres passou a ser em 2009, dispensaria os complexos trabalhos de construção e ligação aos pré-existentes dos novos viadutos. É o retomar da posição do antigo secretário de Estado José Mendes, que “garantia” que os comboios vindos da linha de Odivelas podiam “entrar” na linha circular. A informação de que disponho, que repito, convém esclarecer, é a de que foram instalados nos viadutos existentes, com todos os inconvenientes para a manutenção e para a comodidade dos passageiros, 8 aparelhos de mudança de via que serão deixados na posição de desvio para os novos viadutos, com as lanças fixadas mecanicamente por tirafundos (parafusos) e fora do controle do sistema de sinalização (a eventual inclusão no sistema terá sobrecustos). Se for assim, os comboios só circularão ou na linha circular ou na linha de Odivelas, sendo necessário lá ir tirar os tirafundos e mudar a posição das lanças por não haver comando pelo sistema de sinalização. Não é uma situação muito ortodoxa, mas repito, será a confirmar ou infirmar.   [CORREÇÃO:  conforme descrito no PS de 26mai2023 abaixo, o interlocking controla efetivamente os aparelhos de via sem necessidade de tirafundos, embora só preveja itinerários automáticos para a linha circular e itinerários de manobra para a linha em laço]. 

Ver na gravura a complexidade do conjunto:


-  A linha violeta, não de metro, mas de LRT (light rail transit)  - os decisores deixam-se influenciar muito pelo argumento de menores custos, ignorando a sabedoria popular que diz que o barato sai caro, e orgulhosamente apregoam agora a nova linha a que chamam de metro ligeiro que irá do Hospital Beatriz Ângelo em Loures ao Infantado passando por Odivelas.

Dispenso-me de repetir os argumentos que inseri na consulta pública e que certamente serão ignorados, mas noto que o principal inconveniente de um LRT ou “tramway” é o de ter um velocidade comercial baixa para evitar as consequências de um acidente dada a permanente conflitualidade com o tráfego automóvel e pedonal. Temos a experiência do LRT do sul do Tejo. Poderíamos aumentar a velocidade com o recurso a viadutos, mas também acham caro. Se desprezarmos o valor da hora dos passageiros (já dizia a Thatcher, se andas de transporte coletivo é porque és um falhado) e a contabilização das horas perdidas comparativamente com um metro a sério, então sim, é mais barato o LRT.

Só que, entre Odivelas e o Hospital Beatriz Ângelo, num percurso de  cerca de 5 km, estão previstos túneis numa extensão de cerca de 3,5 km, o que se compreende dada a orografia do terreno e densidade de construção (estarão a pensar em retomar o método TBM, mais rentável?).

Mas então, porque não se prolonga o metro de Odivelas para o Hospital, onde se construiria um parque de estacionamento dissuasor para quem vem da zona de Mafra, Malveira e A8? Seria uma medida de contenção da entrada de automóveis em Lisboa muito mais eficaz do que a pequena linha circular proposta (por curiosidade, a implantação de 4 linhas circulares de Lisboa cabem no interior da linha circular de Madrid).



5      5 -  A curva incrível a seguir à praça Francisco de Assis  -  Também com muito orgulho (e com o intuito de calar os protestos dos moradores de Telheiras e de reforçar o apoio eleitoral à junta de Benfica), tem sido propagandeada a proposta extensão de Telheiras a Benfica. É uma pena que os decisores não tenham um mínimo de experiência na operação ou na manutenção de linhas de metro, e deem ouvidos a quem não a tem, quando no metro ainda há técnicos que podiam esclarecer que curvas apertadas desgastam o material, rodados e carril, aumentam o consumo de energia (sim, a tutela do metro é o ministério do Ambiente), o tempo de percurso e a incomodidade dos passageiros, criam mais uma linha fora de um conjunto coerente em termos de poupança de tempo e energia e não o resultado de passos em que cada um cria mais dificuldade aos seguintes passos.

Ver a curva incrível na gravura:



 

6     6  -  Conclusão  -  Será um malefício que vem da origem do metro, em  que  a linha da avenida da Liberdade virava para trás, para a avenida Almirante Reis. Depois a linha vermelha, para ir ao aeroporto virou também para trás, como a linha violeta a fazer um U apertado em Odivelas, como a linha amarela a virar do Rato para o Cais do Sodré, em vez de ir à periferia buscar pessoas.

Era o que dizia a lei 2/2020, ir à parte ocidental, ir a Loures. Não foi o que Governo e metro fizeram, e o Tribunal de Contas ainda em 2020 apôs o seu visto ao primeiro contrato da linha circular.

Uns disseram que o art.282 da lei que a Assembleia da República tinha aprovado não era lei, era uma recomendação, e outros disseram que era um cavaleiro aproveitador sobre a lei que a prática jurídica rejeitava…

Ou de como é diferente em Portugal o funcionamento regular das instituições … que Júlio Dantas me perdoe  ( “como é diferente o amor em Portugal”, frase retirada de “A ceia dos cardeais”, 1902, de Júlio Dantas).

Mas aguardemos, a esperança custa a fenecer, pode ser que o PROTAML  seja atualizado, e dos municípios surjam SUMPs (Sustainable Urban Mobility Plans), como dizem as diretivas de Bruxelas.


PS em 18mai2023de cordo com os desenhos em Lisboa para pessoas, o viaduto de treliças de 
Alcântara parece muito esbelto considerando a norma do material circulante do metro de 13 toneladas por eixo. Aguardemos o projeto de execução para comparar.
Mantem-se nestes desenhos a entrada sul (e saída) da estação de Alcântara dar diretamente para um passeio de 3 ou 4 m de largura que bordeja as vias de saída da ponte 25 de abril. Dadas as caraterísticas desse tráfego automóvel, parece uma situação de risco inaceitável. Igualmente parece inaceitável a inexistência de saídas de emergência ou acessos normais no lado nascente da estação.
Repetindo que não estão contabilizados os custos das remodelações rodoviárias que incluem as alterações no bairro da Quinta do Jacinto, a rotunda no acesso à ponte a nascente, a inserção de paragens de autocarros junto da rua da Cascalheira, fica por esclarecer se é para demolir o edifício ao fundo desta rua.
Sobre as declarações do senhor secretário de Estado da mobilidade urbana insiste-se que a atual lei de contratação pública induz a opção por propostas por preços baixos ou de fornecedores sem referências coerentes agravando a falha na consideração de todos os constrangimentos.

PS em 20mai2023 - tenho de pedir desculpa aos mes amigos de Telheiras por não ter calculado um vaivém de autocarro como para Cidade Universitária-Campo Grande. A disponibilização de vaivens em termo de planeamento ou de emergência é condição indispensável quando de interrupções. Consta que o metropolitano já disponibilizou um para Telheiras-Campo Grande, esperemos que funcione.

PS em 23mai2023 - corrigida a legenda da figura com os aparelhos de via que de acordo com o projeto serão controlados pelo encravamento da sinalização. Os itinerários para a linha de Odivelas só poderão fazer-se como itinerários de manobra com velocidade reduzida. Para os itinerários para a linha de Odivelas serem automáticos, viabilizando a linha em laço, terá de se alterar o encravamento mediante um adicional. Recordo que a partilha da linha circular com a linha de Odivelas implica um aumento do intervalo na linha circular.

PS em 26mai2023 - por lapso meu, de que peço desculpa, só agora reparei, ao ver a animada promessa do senhor primeiro ministro, de que nas horas de ponta a linha circular coexistirá com a linha de Odivelas (  https://observador.pt/2023/05/24/metro-quem-vem-de-odivelas-nao-tera-de-mudar-de-linha-para-ir-para-o-centro-de-lisboa-em-hora-de-ponta/, ) me lembrei que a exploração conjunta das duas linhas implica o risco, por  falhas mecânica ou de sistema, e humana, de colisão por cruzamento ou convergência de nível, na zona dos viadutos. Este tipo de cruzamento existe por exemplo na linha circular do metro de Londres, que desde 2009 funciona como linha em laço com alguns aparelhos de mudança de via servindo itinerários que se cruzam. Mas desde sempre a norma no metropolitano de Lisboa foi evitar essas situações. É um risco de ocorrência pouco provável mas não impossível e com consequências catastróficas, para mais em viadutos. Se eu estivesse ao serviço nunca daria como técnico o meu acordo a uma proposta desse tipo e executaria a ordem sob protesto escrito em nome da segurança. Embora estudando outro conjunto de exploração das linhas, já em 2019 deixei expresso esta análise, mostrando que por razóes de segurança neste cruzamento terá de se introduzir uma temporização para comprovação dos itinerários, aumentando o intervalo entre comboios, para mais na hora de ponta:  https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/03/email-para-o-sr-presidente-da-camara-de.html

Por outras palavras, considerando esta contraindicação, deverá fazer-se a exploração ou em circular, ou em laço, em horários bem definidos.

Ver o esquema junto:



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Posição das agulhas dos aparelhos de via conforme a exploração como linha circular ou como linha em laço:




 


2 comentários:

  1. De facto, a curva a seguir à Praça São Francisco de Assis é incrível. Sendo assim, por que razão não poderá a intersecção entre a linha amarela (ou verde?) e a linha azul ser estabelecida na Pontinha?

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