A tendencia atual nos países da Escandinávia é a participação crescente de partidos da direita na governação. Aparentemente isso acentua a natureza anteriormente já revelada por esses países, conhecidos como "frugais", com conceitos bem definidos de contenção de despesas, gostando de acentuar as diferenças relativamente aos povos do sul, pouco comedidos no controle das despesas. Ficaram célebres no período da crise de 2008-2011 as críticas do finlandês Oli Rehn e a "boutade" de Daisselblum, que os mediterrânicos gastavam o dinheiro em copos e mulheres.
O problema é que investimentos em infraestruturas são despesa, pelo menos a curto prazo, e há sempre argumentos para os travar, quer haja ou não conflito de interesses económicos.
Na Suécia, por exemplo, o novo governo decidiu suspender os projetos das novas linhas de alta velocidade e tráfego misto integrantes das redes TEN-T "core" (objetivo 2030), com o argumento de que o dinheiro será mais bem utilizado na recuperação e modernização da rede existente de bitola standard 1435mm. A decisão provocou protestos de vastos setores da economia e de técnicos. Tratar-se-á provavelmente de um debate sem fim, uma vez que é bastante complicado fundamentar com factos e cálculos, até porque se discutem contextos futuros.
Artigo do IRJ:
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwexAe6cbfiWfHh3PDL?e=ouaIF0
O método normalmente usado na Comissão Europeia é o das análises de custos benefícios, mas mesmo esse método corre riscos de ser enviesado consoante a força de polarização de quem as realiza ou patrocina. Para levantar esta aparente indeterminação, poderá propor-se uma separação nítida entre a atividade de manutenção e melhoria de uma rede ferroviária existente e a atividade de conceção, construção e exploração de uma rede nova, com parâmetros de maior eficiência beneficiando da evolução tecnológica.
Dois exemplos parecem dar força a esta proposta. O primeiro é o sucesso da rede de alta velocidade espanhola assegurando a transferência de passageiros do modo aéreo para o ferroviário, mais eficiente energeticamente, embora ainda não tenha alargado esse sucesso ao transporte de mercadorias. Na base do sucesso está a separação nítida da ADIF convencional da ADIF AltaVelocidade. A rede préexistente foi construida segundo parâmetros compatíveis com as velocidades praticadas na época enquanto a rede nova é construida segundo especificações apertadas em termos de gradientes e de curvas para permitir velocidades elevadas e volumes elevados de mercadorias.
O segundo exemplo é o das redes de estradas e de autoestradas. Pela mesma razão da velocidade elevada não se constroem autoestradas no traçado de estradas préexistentes.
Aparentemente estes dois exemplos não terão sido considerados pelo novo governo sueco, nomeadamente as economias decorrentes de menores custos do transporte de passageiros e mercadorias devido aos menores gradientes e raios de curvas.
Do outro lado do Báltico, o governo finlandês manifestou-se preocupado com as propostas de revisão do regulamento 1315 que "mandavam" construir uma rede de bitola 1435mm UIC de cerca de 500 km ligando Helsinki a Tampere, a caminho do norte, a Turku, importante porto, e a Hamine/Kotka, junto da fronteira russa. O governo opôs-se e invocou isenções para poder continuar a utilizar a sua bitola de 1524mm interoperável com a bitola russa de 1520mm.
https://www.transportesenegocios.pt/finlandia-mudanca-de-bitola-nao-compensa/
Contudo, o relatório encomendado pelo governo não conclui sobre a construção das novas linhas Helsinki-Turku-Hamine:
https://www.railwaygazette.com/converting-finlands-rail-network-to-standard-gauge-is-not-financially-viable-study-finds/64014.article
Provavelmente a razão para a conclusão principal será o predomínio do tráfego de mercadorias por via marítima; talvez a análise de custos benefícios realizada não tivesse considerado suficientemente compensados os custos de um túnel subaquático de 80km entre Helsinki e Tallin pela economia resultante da transferência para o modo ferroviário (não por uma questão de eficiência energética, mas porque os combustíveis marítimos continuam a ser fósseis e porque a velocidade no mar é menor).
Muito interessante a justificação dada pelo governo finlandês de que converter os 500km das ligações previstas no regulamento 1315 para a bitola 1435mm teria implicações negativas no serviço ... tal como em Portugal mudar as travessas polivalentes de ibérica para UIC em vez de construir uma linha nova com parâmetros de maior eficiência e livre dos constrangimentos das ligações urbanas e regionais.
A ligação ferroviária à fronteira sueca, ao norte, é de cerca de 800km até Tornio, onde se processa o transbordo para a bitola UIC ou a troca de bogies. Trata-se de um caso análogo ao português, a região de Helsinki, em bitola 1524mm, está separada da região de Estocolmo, em bitola 1435mm, cerca de 1800 km, um pouco menos do que de Lisboa a Mannheim.
Helsinki está separada da Europa central pelo Baltico ou pela Suecia, Lisboa está separada da Europa central pela descoordenação com Espanha e França na implementação das redes TEN-T.
Mais uma vez cito Daniel Gros, em 2015, enquanto diretor do centro de estudos europeu, numa manifestação de desilusão com a incapacidade dos políticos em concretizar os objetivos da união:
“A razão pela qual não existe uma boa interligação entre as
redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a
falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus
mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente,
devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as
verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa. As grandes
empresas europeias podem facilmente obter financiamento a taxas de juro
próximas de zero.”
Pela positiva destaca-se a continuação do projeto do Rail Baltica, integrado na rede "core" 2030, que curiosamente também recebeu a oposição de setores políticos nos paises bálticos (em qualquer questão tecnicamente complexa, por mais incorreta que seja uma posição, haverás sempre argumentos em sua defesa).
É também positiva a notícia da construção do túnel subaquático Fehmarn, entre a Dinamarca e a Alemanha, para tráfego misto:
https://en.wikipedia.org/wiki/Fehmarn_Belt_fixed_link
Anota-se ainda a redução do âmbito da rede de alta velocidade (HS2) no UK, mantendo-se em construção Londres-Birmingham (2033?) e em projeto Birmingham-Manchester (West Midlands):
Ver abaixo o esquema topológico das redes TEN-T na Escandinávia e imagens do tráfego marítimo no mar Baltico, canal da Mancha e mar do Norte, evidenciando a saturação neste caso.
https://www.localizatodo.com/mapa/
imagem do localizatodo.com na manhã de 13mai2023 com os navios no estreito entre a Dinamarca e a Suécia e no mar Báltico; aparentemente o tráfego marítimo será mais volumoso do que o ferroviário |
Imagem do localizatodo.com da manhã de dia 13mai2023 com a ocupação dos navios no canal da Mancha, mar do Norte e portos belgas, holandeses e alemães; é evidente a saturação |
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Muito Bom trabalho. Com surpresa minha constato que existem políticos nórdicos tão incompetentes como o são a generalidade dos políticos portugueses , nesta questão da ferrovia.
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