Moniz Mais Que Perfeito era conhecido pela peculiaridade do nome, e também pela dureza e insensibilidade que presidia à sua forma de gestão.
Militante destacado de um dos partidos de centro-direita, distinguira-se como técnico na empresa pública de telecomunicações.
Os mecanismos próprios da filiação partidária promoveram-no rapidamente a administrador da empresa e em seguida a secretário de estado da industria.
Meados dos anos 80, na euforia do triunfo da aplicação dos dogmas do novo liberalismo de Hayeck e de Friedman, enquanto por cá os efeitos da segunda intervenção do FMI e a adesão à União Europeia iam equilibrando a balança corrente e de capitais, ao mesmo tempo que o desemprego continuava alto e se sucediam fechos de empresas.
O partido de Moniz tinha ganho as eleições e exibia provincianamente o trabalho de um grupo de militantes ao serviço das novas ideias, centradas nos mercados ideais.
Era de facto visível a ação de um grupo de jovens políticos, insensíveis aos sinais de resposta provenientes de pessoas e de empresas ameaçadas, e bajuladores das empresas que triunfavam.
“Toda a empresa que não souber adaptar-se e apresentar lucros deverá ser deixada morrer”.
Era impressionante ver a frieza dos olhos de Moniz quando dizia isto, sem pensar nos riscos que os empregados dessas empresas corriam se elas fechassem só porque um grande cliente tivesse deixado passar um ano sem encomendas, nem nas consequências para a educação dos filhos dos desempregados.
Talvez pensasse que os desempregados encontrariam trabalho noutra empresa, por acreditar que a economia cresce com a livre iniciativa e isso acabaria por beneficiar quem perdesse o seu trabalho.
Talvez…. porque Moniz e a sua família eram conhecidos por ligações a associações de beneficência e solidariedade social.
Mas a ideologia do mercado livre prevalecia, não querendo ver as distorções das externalidades, da assimetria de informação, e da escassez mais ou menos permanente.
Foi por isso a sua secretaria de Estado insensível à petição que a administração da Precix entregou no Parlamento pedindo medidas excecionais de apoio para evitar o fecho.
A Precix era uma empresa metalomecânica de Camarate gerida por Antão Terra, engenheiro mecânico, uma figura interessantíssima com uma exuberancia e um aspeto telúrico que fazia justiça ao nome.
Um pouco mais velho do que eu, tinha-lhe o respeito devido a quem me tinha ensinado xadrez nos tempos livres do liceu, nas tardes das quartas feiras e sábados.
Antão Terra participou entusiasticamente na adesão da sua junta de freguesia, Arroios, à nova vida logo a seguir à revolução de 25 de abril.
Era também um entusiasta da livre iniciativa, chegando a financiar amigas com lojas de roupa em centros comerciais, facilitando contactos com industriais de têxteis do norte,
Infelizmente, as variáveis que condicionam o funcionamento da economia não são controláveis no seu conjunto, e quando se pensa que se controla uma das variáveis as outras comportam-se quase aleatoriamente. É uma ilusão o aforismo dos economistas “cetera paribus” (todas as outras coisas permanecendo iguais).
Por isso as lojas dos centros comerciais e a Precix não resistiram à segunda crise que motivou o pedido de intervenção do FMI, em 1983.
As lojas fecharam, contribuindo para o crescimento do desemprego, e a Precix lutou deseperadamente.
Continuou a receber visitas de escolas de engenharia e escolas profissionais e a produzir para clientes estrangeiros, de que o principal era a Ford americana.
Antão Terra tinha muito orgulho no que fazia para a Ford. Os componentes que fabricava obedeciam a especificações apertadas e as encomendas resultaram de um concurso internacional.
Também , no metropolitano, testemunhei a qualidade da Precix.
Fornecia-nos as lâminas de corte dos rolos de cartolina que equipavam as máquinas de venda de bilhetes.
O bilhete era fabricado pela rotação de um tambor sobre o qual estava colado um cunho de borracha que imprimia o bilhete, cortado no fim da rotação por uma par de lâminas, uma fixa e outra móvel. A dureza das lâminas temperadas e a tolerância do seu acabamento tinham de respeitar também especificações apertadas. Se não deslizassem com apoio mutuo perfeito ou se a dureza das arestas fosse inferior ao especificado a cartolina seria torcida sem cortar o bilhete e a máquina encravaria. Era o que sucedia amiúde quando as laminas eram fabricadas noutra eletromecânica.
Antão Terra sorria rasgadamente enquanto me mostrava o dispositivo de Brinnel para medir a dureza das lâminas com um jogo de esferas calibradas.
Antão Terra sorria tristemente por não conseguir demover Moniz Mais que Perfeito.
A petição à Assembleia da República não deu resultados.
Por mais que explicasse que a Ford tinha quebrado o volume de produção ao desistir das encomendas mas que era expetável que dentro de uns meses as retomasse, a resposta era sempre a mesma, “empresa que não apresenta lucros deve fechar”.
Inútil propor um plano de financiamento, ou de abertura de capital aos bancos financiadores, ou sugestão ao governo para através duma diplomacia económica arranjar investidores estrangeiros.
A Precix era competitiva, tinha capacidade de produção, tinha conhecimento técnico, esperava-se que não só a Ford mas as empresas internacionais recuperassem.
Do outro lado do Atlântico, em Detroit, Philip Caldwell, o delfim de Henry Ford II, tinha conduzido um rigoroso plano de redução de custos da Ford, que incluira a desistência dos componentes fabricados pela Precix para um modelo que a Ford descontinuara por ter estado na origem de vários acidentes.
Quando, ao fim de alguns anos, a Ford recuperou da sua crise e projetou um novo modelo, o Taurus, consultou a Precix.
Mas era tarde, a Precix tinha fechado.
Moniz Mais que Perfeito tinha aplicado os dogmas de Friedman e de Haiek.
Trabalhei na Precix de 1980 a 1989, grande casa. Boas memórias.
ResponderEliminarFico contente, apesar da nostalgia e da tristeza pelo fim da Precix, que estejam vivas as memórias. Não se terá perdido tudo.
EliminarO meu pai tb lá trabalhou. Lembro q no natal trazia sp um presente da fábrica :)
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