quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os custos da ferrovia e os acidentes

Nas reuniões internacionais em que eu participei , a partir de 2003-2004 era recorrente numa ou noutra comunicação dar-se destaque à evolução no sentido decrescente do numero de trabalhadores em cada área como indicador de sucesso da sua gestão, quer se tratasse da área de operação, quer de manutenção. Esta preocupação de melhoria de produtividade (quociente entre um produto e um fator de produção) era normalmente acompanhada por outras comunicações centradas nas aplicações tecnológicas que permitiam suportar essa melhoria. Isto é, se por um lado havia a preocupação de reduzir custos, por outro a preocupação era a de investir em sistemas automáticos de otimização e proteção da produção de lugares.km . O próprio metropolitano de Lisboa tinha um sistema ATP/ATO de proteção automática da marcha dos comboios e de condução automática na linha vermelha, de cuja operação ia retirando o “know how” na esperança de extensão às outras linhas. O metropolitano de Paris (RATP) lançou então um projeto ambicioso (Ouragan), que ainda decorre, de automatização integral de algumas das suas linhas, renovando completamente os respetivos sistemas de sinalização, ATP e ATO. O metropolitano de Lisboa, ou pelo menos alguns dos seus técnicos, orgulharam-se de, com a experiencia tida na linha vermelha, terem podido prestar informações e esclarecimentos aos colegas da RATP que selecionaram os fornecedores para o seu projeto, incluindo no grupo destes o fornecedor do sistema da linha vermelha. Com o correr dos anos, começou a verificar-se que a principal preocupação era a de reduzir custos, o que signifcava que não só se reduziam os quadros de pessoal sem que a produção baixasse, como também as administrações iam considerando que os setores de estudos e de engenharia teriam os seus orçamentos reduzidos. A crise internacional do Lehman Bros e AIG de 2008 veio agravar este estado de coisas. Não é de admirar assim que em 2008 tenha sido dada, curiosamente por uma administração muito dada a financiamentos com duvidosos credit default swaps e mal aconselhada por colegas de outras especialidades que não as de sistemas de proteção da circulação de comboios, a ordem de desativação do ATP/ATO da linha vermelha, a pretexto da extensão a S.Sebastião e da redução de custos de manutenção, decisão contrastando com a credibilidade técnica deposita em nós pelos colegas da RATP. Por esse mundo fora, continuou também, normalmente associada à “liberalização” para partilha de infraestruturas e concessões/privatizações”, a febre de redução de custos em prejuízo da segurança, desde a brutal eliminação de regulamentos de segurança, à redução dos quadros de pessoal, à poupança na formação dos maquinistas e do pessoal de controle das operações, ao “outsourcing” da manutenção com perda do “know-how” que permitisse controlar a efetiva realização da manutenção, à permissividade de exploração com material circulante e infraestruturas obsoletas para evitar investimentos, ou simplesmente, tentando atenuar a gravidades de eventuais consequências, reduzindo o conforto ou a velocidade. Paralelamente, os lóbis das companhias de aviação e dos fabricantes de veículos rodoviários conseguem preços artificialmente baixos graças a técnicas de gestão oportunistas (as companhias “low cost” não tiveram que investir nas infraestruturas de manutenção), aos preços artificialmente baixos do petróleo (concertados, não sujeitos às leis do mercado) e à isenção em grande medida dos custos de externalidades. As companhias aéreas e rodoviárias não pagam indemnizações por violação da lei do ruído aos habitantes vizinhos dos aeroportos, nem taxas de carbono para compensar as emissões de gases com efeito de estufa que prejudicam todos, quer sejam passageiros ou não, nem, no caso das rodoviárias, a parte da manutenção das vias correspondente ao desgaste provocado. A taxa de carbono justifica-se porque, na comparação do transporte aéreo e rodoviário com o transporte ferroviário, apesar dos impressionantes progressos na melhoria do rendimento dos dois primeiros, a eficiencia energética do transporte ferroviário moderno é superior, especialmente se for canalizada para a sua alimentação a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis eólica, hídrica e solar. Por tudo isto, estando os preços distorcidos, merece reanálise a quantificação do investimentos necessários na ferrovia para garantir, de acordo com padrões atualizados, a segurança das circulações e dos passageiros. Lembrei-me de escrever isto, depois de mais um acidente ferroviário, agora na Suíça, em Granges prés Marnand, perto de Lausanne. Numa linha secundária, um choque frontal de dois comboios ligeiros regionais de operadores diferentes, numa zona de agulhas (cruzamento na estação) à saída para a via única. O condutor de um dos comboios faleceu. Põem-se as hipóteses do costume: falha de atenção ou de formação de maquinistas, inexistência de sistemas automáticos de proteção, regulamentos facilitadores, pressão de cumprimento de horários em período de ponta, via única obsoleta por se justificar via dupla, maior atratividade (por preços artificialmente baixos) do transporte individual condicionando o investimento em melhorias da ferrovia… No fundo, falta de decisões ao nível superior que beneficiem a eficiencia energética e a segurança das circulações e dos passageiros.

1 comentário:

  1. Excelente texto de total exactidão também para memória futura do passado recente do ML.

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