segunda-feira, 13 de setembro de 2021

5 horas de um fim de dia remansoso

 Primeiro, no fim da tarde de um dia calmo de fim de férias, li ao acaso algumas páginas de um livro interessante, "O cérebro em ação" de David Eagleman.

Achei curiosa descrição que o autor, neurocirurgião, fez da luta entre células pela sua sobrevivencia. E que o que poderia ser uma conquista evolucional ser muitas vezes, na realidade, um caminho para apressar o fim.

Sorri interiormente tentando relacionar isso com a ideia que há uns tempos tinha tido que as limitações da teoria marxista, por exemplo a relevância que poderá ser dada à luta de classes em detrimento da cooperação desde que não se violem direitos fundamentais, se deviam ao estado incipiente de muitas disciplinas científicas do tempo de Marx. Ele não era obrigado a saber que na Natureza a luta pela sobrevivencia entre células pode conduzir à morte (embora Sun Tzu e Clausewitz tenham deixado escrito qualquer coisa como ser melhor não empreender algumas lutas) . Vivia-se na época de Marx uma euforia e uma confiança no determinismo que depois as mecânicas quantica e ondulatória se encarregaram de arrefecer. Mais uma razão para não sermos tão isto é preto e quem não concordar é porque acha que é branco (maniqueismo, maniqueismo, porque nos atormentas?).

E continuei a relacionar, agora com as teorias liberais, ou neoliberais, da escola de Chicago, tão do agrado de tantos comentadores da nossa praça e de alguns políticos, com uma fé cega nas virtudes dos mercados livres e das concorrências. Afinal, se forem como as células, a evolução será no sentido da degradação das condições sociais, com o desprezo pelos mais fracos, com a condenação dos seus filhos a ficarem cada vez mais afastados dos melhor colocados. O que será uma aplicação da lei de Fermat-Weber, quanto maior for o poder de atração de um sistema, mais forte ele se tornará relativamente aos sistemas de menor poder atrativo.

Mas achei que já era tempo de ler o jornal do dia, que se aproximava  a hora do jantar e tinha-o deixado de lado, precisamente pelo carater remansoso do dia. Depara-se-me um artigo oportuno de Ricardo Cabral sobre "Os preços da eletricidade: um enquadramento regulatório que acentua falhas de mercado". 

https://www.publico.pt/2021/09/13/opiniao/opiniao/precos-electricidade-enquadramento-regulatorio-acentua-falhas-mercado-1977217

Refere o crescimento dos preços no mercado MIBEL de venda grossista, mais de 150 euros por MWh, o que equivale a 15 centimos por kWh. Ora, em ambiente de regulação ineficiente, se atendermos às rendas e às tarifas de compensação (as famosas FIT, feed in que são o incentivo aos produtores de renováveis subsidiando-os com a diferença entre FIT e o preço grossista que pode resultar dos produtores de não renováveis ),  para os produtores de centrais térmicas para cobrir as intermitencias das renováveis (as intermitencias cobrir-se-iam melhor se  houvesse interligações elétricas de muito alta tensão contínua entre Portugal e França, mas a UE está desatenta) e de incentivo para os produtores de renováveis (tudo associado dá o chamado défice tarifário perto de 3000 milhões de euros), não devemos admirar-nos, embora a causa próxima pareça ser o aumento dos custos do gás natural, a sua escassez internacional em termos de transporte (há uns tempos protestei por se ter desistido do reforço do gasoduto Argélia-Sul de França), as taxas de penalização da emissão  de CO2 (60€/tonCO2) e a "volatilidade" dos futuros nos contratos dos grossistas.

Achei curioso que, como professor do ISEG, o articulista recorde as teorias liberalizantes da escola de Chicago, que como disse é tão do agrado de muitos comentadores, e recordei um interessantissimo livro de um professor de Física da universidade de Stanford, "Energia para o futuro", de Robert Laughlin, que descreve a catástrofe da desregulação na California e da ENRON. Em 2001 o preço grossita subiu de 30 dolares/MWh para 350 dolares/MWh  (3 centimos/kWh para 35 centimos/kWh). 

Para comparação, até agora o preço médio grossista em Portugal foi de 50 euros/MWh (5centimos/kWh) tendo atingido recentemente 152 euros/MWh (15,2 centimos/kWh). Como as faturas de eletricidade contêm várias alíneas de taxas adicionais que elas próprias discriminam, um cidadão pôde pagar até aqui cerca de 14 centimos/kWh pelo consumo de eletricidade, mas incluindo todas as taxas adicionais o preço unitário subiu-lhe para 67 centimos/kWh (670 euros/MWh). 

O tema não era propício ao remanso, mas felizmente chegou a hora de jantar e tive a agradável surpresa de ser presenteado pela RTP2 com o programa comemorativo dos 10 anos da "Musique en fête" na cidade de Orange, perto de Avignon. Uma vistosa e participada mostra de músicas para quase todos os gostos, de ópera a jazz, flamenco e canções de sucesso, no anfiteatro do teatro antigo de Orange, construido no século I pelos romanos. A maior parte delas anteriores a 1980 e aos anos da escola de Chicago,  sem menosprezo pelas mais recentes, mas que seria uma pena se se perdesse o sentido da música anterior aos anos da escola de Chicago, seria.

https://www.rtp.pt/programa/tv/p41162

2 comentários:

  1. Boa tarde Fernando
    Nada como umas boas férias para carregar baterias,
    Relativamente ao primeiro parágrafo, aqui lhe envio uma apresentação sobre a política de co-gestão alemão que rege as relações Trabalho-capital, creio que para empresas com mais de 200 trabalhadores e que colhe a minha TOTAL preferência.
    Já a enviei ao presidente do PSD, ao seu grupo parlamentar e ao CEN - Conselho Estratégico Nacional. Resultados até ao momento : - ZERO!!!
    Talvez você, como simples cidadão a queira ler e proceder aos respectivos comentários no seu Blog.
    Abraço do colega
    Mário Ribeiro

    Aqui vai o link para :- A co-gestão alemã: as conciliações do inconciliável
    https://www.scielo.br/j/rae/a/vd6vqzbt8BWLkQGsXxFBQqb/?lang=pt

    Em alternativa tem este outro link do mesmo trabalho :
    https://doi.org/10.1590/S0034-75901983000100003

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    1. Muito obrigado pela interessante informação. Sugiro reenvio ao CES/Francisco Assis

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