Na véspera da inauguração da conferência, um artigo do Público titulava "Ter mais mulheres a pedalar é um sinal de que as ruas são seguras":
Penso que o correto seria dizer que é um sinal da perceção que as ruas são seguras, sendo certo que é muito fácil haver uma grande divergência entre um risco real e a perceção que se tem dele.
A imagem seguinte é um clássico que ilustra essa possível divergência, assinalando-se riscos reais inferiores e superiores aos que são percecionados:
Graças ao crescimento do movimento pelo ciclismo nas cidades, apoiado nas preocupações de vida saudável e luta contra as alterações climáticas, a perceção dos riscos de andar de bicicleta será a de que a sua prática estará cada vez mais segura, apesar das recentes mortes de 2 ciclistas jovens, atropeladas por automóveis.De facto, não tem sido divulgado qualquer relatório que
sustente a afirmação de que as ruas são seguras para os utilizadores mais
vulneráveis, peões e ciclistas. Em termos de engenharia de transportes, o
indicador de risco é o número de fatalidades por mil milhões de passageiros-km
por ano (total em km das viagens por cada modo de deslocação), e não parece haver
elementos para o calcular no caso de Lisboa, nem sequer o número de
intervenções de ortopedia nos hospitais por motivo de acidente.
Nos relatórios da ANSR não são explicitadas as vítimas mortais e os feridos graves em acidentes discriminados com bicicletas, com ciclomotores e com meios de locomoção com motor auxiliar.
Do relatório da ANSR de junho de 2021 apenas se retira que o número de acidentes envolvendo velocípedes no 1º semestre de 2021 cresceu 33% relativamente ao mesmo período de 2020, sem informar quanto cresceu o respetivo tráfego em km de viagens.
Do relatório de 2018, mais completo, retira-se 24 ciclistas como vítimas mortais a 30
dias no Continente (infelizmente, as mortes em acidentes são superiores às contabilizadas no local e no transporte para o hospital). Considerando a população da AML, 2,8 milhões, que realizam por dia cerca de 5 milhões de deslocações em veículos e admitindo por ano 5 mortes na AML e que 2,5% do total de deslocações é feita em bicicleta com percurso médio de 15 km estimo 9 mortes de ciclista por mil milhões de pass-km. Este valor é superior ao das
mortes em automóvel (3 por mil milhões) e inferior em motos e motociclos (50 por mil
milhões!) e contraria a falsa sensação de segurança que o artigo pretende passar (embora, efetivamente, aumentando o percurso médio e o número de utilizadores o indicador de risco melhor se, e só se, o número de acidentes não aumentar).
No relatório do inquérito à mobilidade IMOB 2017 os valores para as deslocações em bicicleta foram: 0,7% do total de deslocações com percurso médio de 8,9km, admitindo-se entretanto um crescimento acentuado.
Segundo o relatório de 2020 da DG MOVE da Comissão Europeia, a posição de Portugal na sinistralidade rodoviária na EU-27 é em 22º lugar com 68 vítimas mortais por ano por milhão de habitantes (média da EU-27, 52) ou 19º lugar com 7,2 vítimas mortais por ano por mil milhões de passageiros-km (média da EU-27, 5,4) .
Estes números revelam a gravidade das consequências dos acidentes para os utilizadores vulneráveis (peões e ciclistas) e a necessidade de campanhas eficazes de redução da sinistralidade, sendo certo que a própria EU necessita de melhorar os seus números. Embora a ANSR tenha campanhas em curso, duvida-se da sua eficácia, provavelmente por carência orçamental.
Ainda segundo esse relatório (os números são ligeiramente diferentes dos da ANSR devido ao critério de registo das vítimas mortais a 24h ou a 30 dias (este mais realista) em 2018 das 700 vítimas mortais 163 foram peões. Dos 537 restantes, 238 foram condutores ou passageiros de automóveis ligeiros e pesados, 112 de motos (é enorme o risco dos utilizadores de motos), 42 de ciclomotores (ignoro se inclui os utilizadores de trotinetas, bicicletas elétricas e vários com motor auxiliar) e 26 ciclistas.
Notar que os valores da sinistralidade em motos é catastrófico e em automóveis inaceitável.
Local do acidente, sobre a passadeira, vista de S para N |
local do acidente, sentido N-S |
Aproximação do troço de via única pelo lado S |
aproximação pelo lado N |
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