segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Com o devido respeito, senhor primeiro ministro, discutir as causas de um acidente não é falta de respeito

Com o devido respeito, senhor primeiro ministro, pedir informações e discutir as causas de um acidente enquanto os orgãos institucionais o investigam não é falta de respeito. 

Para a engenharia de transportes a investigação de um acidente destina-se a determinar as circunstancias e as causas para tomada de medidas para evitar a sua repetição ou pelo menos atenuar a gravidade das suas consequências. "Apurar os responsáveis" para os punir é com o MP e a polícia. São por isso bem vindas as discussões públicas, porque pode até a sociedade civil transmitir informações úteis aos orgãos institucionais de investigação. Na cultura anglo saxónica são vulgares conferencias de imprensa durante a investigação. Não é falta de respeito, é uma metodologia para tentar reduzir as taxas de sinistralidade.

Segundo o relatório de 2020 da DG MOVE, a posição de Portugal na sinistralidade rodoviária na EU-27 é em 22º lugar com 68 vítimas mortais por ano por milhão de habitantes (média da EU-27, 52) ou 19º lugar com 7,2 vítimas mortais por ano por mil milhões de passageiros-km (média da EU-27,  5,4) .

Estes números revelam a gravidade das consequencias dos acidentes para os utilizadores vulneráveis (peões e ciclistas) e a necessidade de campanhas eficazes de redução da sinistralidade, sendo certo que a própria EU necessita de melhorar os seus números. Embora a ANSR tenha campanhas em curso, duvida-se da sua eficácia, provavelmente por carência orçamental. 

Ainda segundo esse relatório (os números são ligeiramente diferentes dos da ANSR devido ao critério de registo das vítimas mortais a 24h ou a 30 dias (este mais realista) em 2018 das 700 vítimas mortais 163 foram peões.  Dos 537 restantes, 238 foram condutores ou passageiros de automóveis ligeiros e pesados, 112 de motos (é enorme o risco dos utilizadores de motos), 42 de ciclomotores (ignoro se inclui os utilizadores de trotinetas, bicicletas elétricas e vários com motor auxiliar) e 26 ciclistas. Considerando a população, poderá estimar-se com elevada probabilidade mais de 5 vítimas mortais de ciclistas na AML por ano.

Por outras palavras, não é apenas o acidente com o senhor ministro Cabrita que impõe medidas urgentes, é o triste panorama da sinistralidade rodoviária em Portugal.

Por isso sugiro, embora com quase nenhuma esperança de ser ouvido:

1 - que se promova, através de campanha nos meios de comunicação social e de ações de fiscalização preventiva, o cumprimento do Código da Estrada, nomeadamente dos limites de velocidade com a única exceção de deslocações para salvamento de vidas humanas ou situação catastrófica, assinaladas como diz o CE

2 - investigação exaustiva das circunstancias e causas dos acidentes com informação progressiva do avanço da investigação e divulgação dos resultados e recomendações

3 - revisão dos pontos negros das estradas

4 - manutenção e divulgação atempada de uma estatística rigorosa de sinistralidade por tipo de utilizador, incluindo discriminação de motos, ciclomotores, bicicletas e outros meios de deslocação com motor auxiliar, velocípedes e peões para uma correta perceção dos riscos

5 - alteração do Codigo da Estrada para:

- proibição de ultrapassagens nas rotundas, em função das velocidades angulares

- tornar obrigatório o uso de capacete de segurança nos meios de deslocação com   motor auxiliar e o uso de campaínha nos velocípedes

Quanto ao acidente com o senhor ministro da Administração Interna, o meio mais fiável para determinar a velocidade será o registo da passagem nas portagens e a determinação do local do acidente. De acordo com as imagens do automóvel estacionado, não deverá estar muito longe do viaduto, talvez 100 m. Admitindo uma desaceleração de 10 ou 4m/s2 daria uma distancia de travagem de 97 ou 246m para uma velocidade de 160km/h e de 151 ou 386m para a velocidade de 200 km/h. 


Notar a curva acentuada. Para confirmar o local do acidente terá de se recuar a distancia de travagem correspondente à velocidade a que o carro seguia






local um pouco antes do estacionamento. Visível a curvatura da estrada e a presença de arbustos no separador


km78, aproximação do local do acidente. Visível a curvatura da estrada

Supondo que a vítima mortal se estava a deslocar do separador central para a berma, eventualmente passando por cima do rail, pode admitir-se que se movimentou durante 4 segundos depois de olhar para o troço a montante, até ser atropelado (3 segundos de movimento e 1 segundo sem tempo de reagir). 

As distancias correspondentes a 4 segundos para várias velocidades são as seguintes:

178m  a 160km/h  (44,44m/s)

222m a 200 km/h  (55,56m/s)

244m a 220km/h   (61,11m/s)

267m a 240km/h   (66,67m/s)

Isto é, para uma visibilidade de 170m, o automóvel causador até poderia estar ainda fora do angulo de visão da vítima. No caso da visibilidade de 260m , para 4 segundos de deslocação seria suficiente uma velocidade de 234 km/h se o automóvel estivesse no limite da visibilidade. Considerando uma deslocação de 5 segundos, bastaria uma velocidade de 187 km/h. 

Tofos estes parâmetros só poderão ser determinados com um inquérito rigoroso e a reconstituição no local, mas parece-me indispensável que não se omita nenhum dos parâmetros referidos.

Parecerá que a conclusão poderá ser que, acima de determinadas velocidades, considerando o tempo para deslocação do peão e os tempos de reação, é impossível garantir a segurança de uma travessia porque a probabilidade do automóvel se encontrar no limite da visibilidade não é nula (válido para as passagens de nível ou pedonais nas travessias da ferrovia, considerando as velocidades praticadas). Daí a sugestão que qualquer presença humana apeada na autoestrada deva provocar um aviso obrigatório de limitação de velocidade por meios complementares da sinalização local. Numa altura em que tanto se fala das facilidades de condução autónoma e da conetividade, seria conveniente lembrar aos construtores a vantagem desse dispositivo de aviso de limitação de velocidade (não digo telecomando dos motores, mas informação, sujeita evidentemente a fiscalização), aplicável também à regulação da circulação em autoestradas em caso de excesso de afluência (baixando o limite de velocidade em caso de excesso de afluència, aumenta-se a capacidade horária de escoamento).


 PS em 3dez2021 - Acusado hoje pelo Ministério Público o motorista do carro do senhor ministro Eduardo Cabrita (que entretanto se demitiu)  de homicídio por negligencia. Pode ser que o inquérito a que o MP teve acesso sustente essa tese, mas fica a suspeita de que é sempre o elo mais fraco a ser sacrificado. Não é seguro andar a 200 km/h nas autoestradas, como ficou provado em várias reportagens ser hábito dos senhores ministros.

Neste caso, a informação oficial é de que o carro seguia a 163km/h no momento do embate, na via da esquerda.

A essa velocidade corresponde o quadrado 2050, que a dividir por 2 e uma desaceleração de travagem de 9 m/s2 dá uma distancia de travagem de cerca de 110m. A foto do carro acidentado parece confirmar esta distancia ao viaduto, sob o qual se terá dado o atropelamento.

Para essa hipótese, continuando a admitir que a vítima de deslocava do separador para a berma, passando por cima do rail, e considerando a existencia de arbustos que limitam a visibilidade, esta poderá estimar-se em 185m até poder avistar um carro. A 163 km/h esses 185m foram percorridos em 4 segundos até ao atropelamento. Pode admitir-se que o motorista só terá avistado a vítima a cerca de 105m, sendo rovável um tempo de reação de 2 segundos até se certificar que a vítima estava em rota de colisão, seguindo o tempo de reação humano e do equipamento para inicio da travagem praticamente sobreposto ao instante do atropelamento.

Se as instruções do motorista eram para cumprir um tempo de percurso apenas possível com velocidade elevada, não parecerá justificável a condenação por homicídio negligente. Será negligencia autorizarem-se velocidades elevadas em autoestradas especialmente em zonas de trabalho ou aligeirar a sinalização dessas zonas. Não é possível atravesas as 2 vias da autoestrada quando a distancia de visibilidade é inferior ao tempo de percurso até a uma colisão. Compreende-se a necessidade de reduzir encargos, mas não é possível manter a segurança a partir de cortes nos recursos humanos e nos meios.

Se há trabalhos nas vias, ou ainda a recolha da sinalização de obras, uma velocidade de 90 km/h já não é segura.

Ver na foto seguinte as distancias estimadas de visibilidade a partir do provável ponto do atropelamento, sendo evidente a curvatura da autoestrada.










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