1 - Uma pequena amostragem do comportamento de alguns condutores de duas rodas
Moro na parte norte da cidade de Lisboa. Tive de me deslocar no dia 2 de janeiro a cerca de 20km a norte de Lisboa. Ao entrar numa das avenidas principais (4 vias, 2 em cada sentido, limitação a 30km/h, estacionamento fora da faixa de rodagem de anbos os lados; os gestores da coisa pública em Lisboa ignoram que avenidas principais só devem ter um sentido para reduzir o risco de colisões e respetivas consequências) deparou-se-me um cidadão em trotineta em contramão na via da direita.
200 metros depois, reparo que um ciclista se desloca alegremente no passeio do lado contrário, indiferente ao direito à tranquilidade dos peões que lá circulavam. Passo uma passadeira de peões e reparo pelo retrovisor que o ciclista a atrevessou também alegremente, indiferente ao Código da Estrada quando diz que os ciclistas só têm prioridade nas passadeiras com indicação explícita para velocípedes. Penso, aliviado, que ele não se atravessou à minha frente.
500 metros a seguir, abrando no final da avenida porque vou virar à esquerda no entroncamento.O semáforo já está permissivo, não chego a parar e sou ultrapassado pela direita por uma scooter. Graças a uma decisão de há uns anos dos gestores da coisa pública, há apenas uma via para virar à esquerda, apesar da nova avenida ter duas vias por sentido. O que quer dizer que a distancia entre o automóvel e o duas rodas de 1,5 metros do código não foi cumprida por mim durante a ultrapassagem pela scooter. Só que... a via junto dos semáforos é limitada em largura por pequenas "ilhas" com lancil. Apesar de abrandar, estou muito perto do duas rodas quando o seu condutor verificou que a largura da via diminuiu ao chegar à "ilha", e alegremente atravessa-se à minha frente para concluir a ultrapassagem. Não contribui para a estatística de condutores de duas rodas vítimas dos automóveis porque travei a fundo.
De volta a casa, já de noite, noutra avenida principal, a cerca de 40 metros do semáforo, vejo que passou a permissivo. Mantenho a velocidade mas vejo um ciclista alegremente atravessar na perpendicular. Terá concluido que os 40m de distancia lhe davam tempo para passar. Calculou bem, mas não introduziu no cálculo um fator que deveria ser obrigatório pelo código, que será deixar uma margem de segurança em tempo ou em espaço.
Antes de abandonar a avenida, perto de casa, ultrapasso pela via da esquerda um ciclista que na via da direita circulava sem luz trazeira, sem luz dianteira, sem refletor trazeiro visível, por sujidade ou inexistência.
Observei também alguns comportamentos censuráveis em condutores de automóveis, essencialmente por desrespeito de limites de velocidade ou por mudança de via em fils de transito sem necessidade de mudar de direção, mas o tema principal deste texto é as duas rodas, quando a grande medida para redução da sua sinistralidade é a acalmia do transito automóvel através da melhoria das infraestruturas do transporte coletivo e das vias de comunicação com segregação de tráfegos.
2 - Ampliando o campo de visão para o tema de sinistralidade rodoviária
Escrevi o que antecede 2 dias depois do relatado. Entretanto consultei a estatística da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária), da UE, e da FARS (Fatality Analysis Reporting System) dos USA :
ANSR
http://www.ansr.pt/Noticias/Pages/Seguran%C3%A7a-Rodovi%C3%A1ria--Balan%C3%A7o-de-2024.aspx
http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Pages/default.aspx
UE
https://transport.ec.europa.eu/background/road-safety-statistics-2023_en
USA
https://www.nhtsa.gov/research-data/fatality-analysis-reporting-system-fars
Não pretendo encontrar culpados nem atribuir a grupos específicos a responsabilidade pela gravidade da sinistralidade rodoviária. Aliás, o objetivo de um inquérito a um acidente deve ser a de aproximar-se o mais possível das circunstâncias e causas do acidente e, medindo a gravidade das suas consequências e a probabilidade de repetição, produzir e divulgar as recomendações para evitar acidentes ou pelo menos, limitar o risco (produto da probabilidade de ocorrência pela gravidade das suas consequências).
Retiro os seguintes elementos das referidas estatísticas:
- do relatório dos USA:
- dum total de 1335 fatalidades de ciclistas em 2022 (total de vítimas mortais na estrada em 2022 40.990 para uma população de 330 milhões) , 88% ocorreram em colisões com a frente dos veículos automóveis (provável maioria por atropelamentos no mesmo sentido), 5% com o lado direito destes , 2% com o lado esquerdo e 0,6% com a retaguarda. Os 5% indiciam que será por ângulo morto associado a viragem do veículo automóvel à direita e os 2% à esquerda, em situação de aproximação ou ultrapassagem pelo velocípede. Confirmada a justeza do Código da Estrada que interdita a ultrapassagem pela direita nas filas de traansito
- do relatório da UE :
- quadro comparativo das mortes por tipo de veículo e por país
| Estatística UE 2022 por país - vítimas mortais | |||||||
|
peões |
Ciclistas A |
Mopeds (ciclomotor c/pedais) B |
Soma cicl.+mop C |
Motos D |
Soma duas rodas C+D |
autos | |
Portugal | 107 | 31 | 35 | 66 | 140 | 206 | 211 | |
Espanha | 348 | 81 | 36 | 117 | 401 | 518 | 681 | |
Grécia | 95 | 14 | 21 | 35 | 214 | 249 | 226 | |
Total UE | 3715 | 2015 | 540 | 2555 | 3361 | 5916 | 9210 |
- matriz com as vítimas mortais por colisão entre veículos por tipo para o conjunto da UE
- do relatório da ANSR :
Independentemente das estratégias adotadas pela UE e pelos países para redução da sinistralidade, parece essencial implementar as seguintes medidas:
- investigação exaustiva das circunstâncias e causas em que ocorrem os acidentes, com a cooperação das universidades, imprensa técnica e associações profissionais, e divulgação pelos meios de comunicação social com conferências de imprensa nos casos de maior impacto
- campanha de sensibilização pública nos meios de comunicação social com carater obrigatório de divulgação dos comportamentos corretos evitando imagens "que só acontecem aos outros" mas explicando claramente as causas dos acidentes
- aperfeiçoamento contínuo do Código da Estrada com edições periódicas divulgadas pela comunicação social, nomeadamente repondo a obrigatoriedade do capacete de segurança nas bicicletas
- elaboração de estudos prévios para expansão das zonas de limitação de velocidade e de partilha e coexistência, e construção de vias segregadas para modos suaves e veículos autónomos a pedido
- emissão atempada dos relatórios de sinistralidade com vítimas a 30 dias, nomeadamente por tipo de veículo e com a matriz de colisões
- emissão, em colaboração da ANSR com o GPIAAF da estatística por tipo de veículo com vítimas mortais por mil milhões de passageiros-km, melhorando progressivamente a estimativa dos percursos por tipo de veículo e comparando com os modos ferroviário e aéreo