sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A ironia dos decisores poderosos



A ironia é uma arma que os mais fracos podem usar, provocando irritação, disfarçada ou não, nos mais fortes, pelo menos quando a percebem.

Os cartonistas portugueses são muito bons a fazê-lo. Por exemplo, no Cravo e Ferradura do DN, quando o senhor engravatado explica ao trabalhador rural que o governo atual e a troika estão a tomar as decisões para o bem dele e quando lhe pede um comentário ele responde “Obrigado”. Na melhor tradição portuguesa, quando o ditador dizia ao povo, “Obrigado, portugueses”, e o povo respondia “obrigado sou eu”.

Mas a ironia, se usada pelos mais fortes, parece perder o sabor, não será?

Exemplo 1 - Ângela Merkel perante o mapa: o quê, Moscovo aqui tão perto de Berlim?

Exemplo 2 - Mitt Romney: não sei porque não fazem janelas de avião que possam abrir

Exemplo 3 - David Cameron: o Rule Britannia foi composto por Elgar; sei quando foi assinada, mas não sei a tradução literal de Magna Carta



Ou talvez os decisores poderosos queiram parecer falíveis, como qualquer cidadão, para eles os sentirem mais perto.

Ou simplesmente, como escreveu Isaia Berlin a propósito de Tolstoi e da Guerra e Paz, não são os poderosos que dão o rumo aos acontecimentos; são os pequenos e os fracos, porque são mais e por isso as leis estatísticas sobrepõem-se à iniciativa individual dos poderosos.
Isto é, são ignorantes em assuntos que dizem diretamente respeito aos cidadãos.

Talvez por isso Napoleão tenha sido derrotado, apesar da superioridade evidente do código civil saído da revolução francesa.

Mas quer Cameron, antigo aluno de Eton, soubesse ou não a tradução de Magna Carta, ou se tivesse esquecido de que o que Elgar compôs foi a marcha de pompa e circunstancia, e não o Rule Britannia, compõe o quadro de que é ele que toma decisões.

Ou que ilude os cidadãos que votaram nele ao ponto de voltarem a votar, apesar do rumo apontar para escolhos de natureza económica e financeira.

Nova Magna Carta, uma carta de direitos cívicos, precisa-se.



Sem comentários:

Enviar um comentário