terça-feira, 11 de setembro de 2012

Carta a Crato

Parabéns, senhor ministro.
Conseguiu reduzir os custos do ministério conforme as orientações de cortes na saúde, na educação e na proteção social, que são as 3 áreas de maior despesa pública (claro que são e que até devem ser).
Graças à sua experiencia destes assuntos e à politica de concentração e de dispensa.
A tal de produtividade, de fazer mais com menos.
Só que a curva da produtividade não é uma função linear.
Tem um ponto de derivada nula, e nunca se sabe para que lado se está, se na curva ascendente, se na curva descendente.
Ou, como matutava o escocês que reduziu progressivamente a ração de palha do cavalo, nunca se sabe quando a produtividade do cavalo começa a baixar, se antes ou depois de morto.
Por isso lhe escrevo esta carta.
Quando se queixa que tem falta de alunos e por isso tem de dispensar professores, eu respondo que há muitos miúdos por aí sem ir à escola, desde crianças ciganas a filhos de imigrantes.
Aí tem uma boa quantidade de alunos para compor o quadro de professores.
Por outro lado, com os números de insucesso escolar, parecerá que são necessários professores para o reduzir. Não direi só para dar aulas com menos alunos, mas para estudar os dados do insucesso e analisar a evolução do insucesso (e abandono) ao longo do ano. Como em qualquer profissão, professor não é só para dar aulas.
Quanto à concentração das escolas, sabe muito bem que o que está a poupar é desperdiçado no transporte dos alunos para as grandes escolas.
Pelo menos enquanto o numero de alunos for maior do que o dos professores: é mais barato deslocar poucos professores para muitas escolas do que muitos alunos para poucas escolas (teorema de Fermat-Weber, certo?).
Isto sem falar nos custos, ou prejuízos, da desertificação do interior (idem).
Bem, mas dirá que os índices da Finlândia mostram que há mais alunos por professor do que em Portugal.
Haverá, mas também é verdade que o índice da relação entre o comprimento do peróneo e o perímetro do peito das mulheres finlandesas é superior ao das mulheres portuguesas e nós gostamos destas assim (gostamos não gostamos?).
E dirá também que não há dinheiro no orçamento de Estado.
Será uma discussão desigual, porque não temos todos os números da realidade, embora vejamos por aí que os rendimentos do capital não são tão maltratados como os do trabalho.
O senhor ministro estará mais perto do senhor ministro das finanças que lhe mostrará os meandros do orçamento (mostrará?) e que lhe deveria arranjar dinheiro em vez de se repetir a dizer que não há.
Experimente mostrar-lhe que os prejuízos das suas medidas são superiores aos benefícios.
São coisas que não entram nos orçamentos mas se pagam quando o insucesso, o abandono escolar e os maus resultados no PISA destes anos de penúria se refletirem no vandalismo e ignorância (e falta de produtividade e de competitividade, claro, claro) da maioria dos jovens adultos que hoje são crianças.
E esse vandalismo e ignorância custam muito, muito mais dinheiro.

Melhores cumprimentos.



PS - Já me esquecia.
A propósito de haver poucos alunos como fundamento para a dispensa de professores.
A minha neta, que  mora para os lados da Estrela, não teve vaga na escolinha para onde pensava iniciar o 1º ciclo.
Houve muitos meninos que sairam das escolinhas privadas e esgotaram as vagas.
A minha sobrinha que mora em Odivelas e que tem a menina dela no 1º ciclo de uma escolinha privada, disse-me que só da turma da filha sairam este ano para o público 16 meninos.
E diz o senhor ministro que há poucos alunos.
Ai é tão feio dizer coisas ao contrário da realidade... será o problema do PISA, a dificuldade dos portugueses que tomam decisões recolherem e analisarem corretamente os dados e depois aplicar as medidas corretivas?
Podia ser um tema para os conselhos de ministros; certamente que os senhores ministros também são vítimas da síndroma do PISA, também terão dificuldades de interpretação.
Achar que a iniciativa privada resolve as coisas no atual contexto, com o endividamento enorme das empresas, pode ser um sintoma de dificuldades interpretativas da realidade.
E pôr o PISA no centro das atenções podia ser um primeiro passo para sairem da vossa redoma de iluminados convencidos de um caminho unico.
Alargar o debate e aceitar as ideias dos outros é um grande passo para vencer as dificuldades de compreensão diagnosticadas pelo PISA, para compreender a linha flexível que separa os rendimentos do trabalho dos rendimentos do capital, para compreender a linha flexível que separa a economia privada da economia pública.
Era uma boa estratégia, para um ministério da Educação...não acha?


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