Sensualidade e intimidade, por Joel Neto
Triste sina, ter de escrever sobre a televisão portuguesa nos tempos que correm, ter de escrever sobre a mediocridade (e contudo, de vez em quando há uma pequena esperança; parece que não querem acabar com a RTP2 e que querem que seja um canal cultural; até este blogue já tinha pensado nisso, com a condição de se aumentarem as taxas de publicidade para os outros canasi, nos dias em que se transmita teatro de qualidade, por exemplo; infelizmente, não dou muito pela sobrevivencia da pequena esperança, neste país de conceitos bicudos de cultura e de agentes culturais).
Joel Neto tem essa sina, de escrever sobre a televisão portuguesa, reality shows, concursos boçais e outras coisas. Mas Joel Neto é escritor, e vejam na crónica do DN, que transcrevo com a devida vénia, como de repente surgem “lírios entre abrolhos” (se não sabem donde tirei este verso, pesquisem na Internet, por favor), a propósito de concursos estouvados, de sensualidade, de intimidade.
Não resisti e procurei ilustrar numa fotografia o tema. Vejam a promessa de intimidade na glande do sobreiro, à espera que um pássaro. ou outro bichinho depois da bolota cair, atinja a intimidade e propague a espécie por aí fora. Sensualidade no mundo vegetal, com a ajuda do mundo animal…
Crónica no DN em agosto de 2013
"Cristina Ferreira prepara-se para revalidar o título de mulher "Mais Sexy de Portugal", segundo uma eleição do Correio da Manhã. Rita Pereira e Sofia Ribeiro vêm desenvolvendo uma guerra surda pelo título de rapariga mais sexy das telenovelas, pelo que continuam a fazer distribuir fotos em que aparecem despidas para matar. E Miley Cyrus, ex-Hannah Montana, percebeu que o único caminho para ser reconhecida como uma artista adulta era tornar-se "mais sexy" (basicamente como aconteceu com Luciana Abreu, que por seu lado optou por encher os peitos como balões de ar quente) e apareceu nos MTV Music Awards a fazer figurinhas, deixando claro que vai acabar aos trambolhões em palco como Amy Winehouse ou Lindsay Lohan.
Só posso lamentar aquilo que a cultura popular contemporânea, e a TV em particular, fez à ideia de sensualidade. Quando se fala de desejo, o que verdadeiramente está em causa é um impulso de intimidade. A penetração numa intimidade: um impulso de posse, talvez - o roubo dessa intimidade, o usufruto de um pedaço dela. A sensualidade é, pois, a capacidade que um corpo tem de sugerir-se proprietário de diferentes camadas de intimidade. De uma escala dela. E, sendo assim, o corpo pode ser maravilhoso mesmo quando é feio. Tem é de ser íntimo. Profundo. Abissal, misterioso, convidativo. Tem de fazer-nos apetecer mergulhar nele. E depois mergulhar mais fundo ainda.
Rita Pereira, Cristina Ferreira, Miley Cyrus - nenhuma dela faz ideia do que é a sensualidade. Como ícones de beleza, são esquemáticas e rasas, desprovidas de camadas. Já Sofia Ribeiro não o é. E, contudo, decidiu jogar no terreno da adversária. Porquê? Porque assim manda a televisão. Um vómito."
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