sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Uma mininovela geoenergética nos mares da Madeira

Nota prévia:
Eu sei que os nossos amigos ecologistas não gostariam nada de ler o que vai seguir-se, que escrevi a propósito da questão das Ilhas Selvagens. Escrevo gostariam, porque certamente não perderão tempo com este humilde blogue. Pelo menos não perderam tempo quando houve algum debate público sobre a barragem do Tua. E penso que foi pena, porque a barragem do Tua é um exemplo de uma derrota total para a ecologia. Talvez não o fosse se tivessem defendido uma posição semelhante à que eu defendi neste blogue em      http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=tua
(defesa do valor arqueológico do viaduto ferroviário das Presas, recuo da barragem de alguns quilómetros para norte, sem prejuízo da cota inferior da altura útil manométrica, e redução de 6% da cota máxima da albufeira relativamente ao que se construiu, aceitando a correspondente redução da produção de energia anual). Não devemos, porém, chorar no molhado, até porque, como se costuma dizer, o que hoje é impensável, é daqui a uns anos inadiável. No entanto, dada a inverosimilhança do relato, toda e qualquer semelhança com a realidade será simples coincidência. Mas a ficção pode ser assim, inverosímel, especialmente quando num país de ficção ou quando dá boleia a outras problemáticas, como seja a da capacidade dos humanos se entenderem entre si nos meios a que devem lançar mão, com vista ao bem estar comum, e a um futuro, como se diz agora, sustentável.

As ilhas agrestes, mini-novela fabulosa
O chefe de gabinete do ministro do mar enviou, ao seu homólogo do ministro das relações internacionais, o email em que laboriosamente trabalhara durante toda a noite.
Era o resultado de um esforço de recolha e debate de informação sobre as ilhas agrestes.
Que o envio de toda aquela informação era apenas uma forma de colaboração entre órgãos da administração pública para reforçar a ação do órgão mais diretamente ligado a cada assunto.
Neste caso, o ministério das relações internacionais, que tinha de preparar a defesa da posição nacional sobre as ilhas agrestes na próxima reunião da secção da ONU especializada na definição de fronteiras e das zonas marítimas.
E que assim deve ser porque a colaboração não só é uma convergência frutuosa de esforços como uma forma de monitorização mútua que elimina erros cognitivos e de comportamento de órgãos diferentes.
Com a informação recolhida, o ministro das relações internacionais tinha bons motivos para rebater a acusação que a Eslováquia tinha feito de que o estatuto de ilha das ilhas agrestes lhe reduzia a sua própria zona marítima, pelo que, segundo a interpretação eslovaca, as ilhas agrestes deveriam ser classificadas como rochas e não ilhas.
O email do chefe de gabinete do ministro do mar era um verdadeiro estudo interdisciplinar para o aproveitamento integral dos recursos naturais das ilhas agrestes, convocando naturalmente os fundos europeus para investimento em energias renováveis.
O autor, que tinha trazido da sua experiencia profissional anterior o “saber como” da recolha de informações junto de especialistas, académicos e profissionais afins de qualquer atividade, mobilizara os colaboradores e colaboradoras do seu gabinete em ações na internet e na divisão de assembleias várias em grupos de opinião cujas conclusões depois recolhiam e sintetizavam.
Infelizmente o seu zelo não encontrou correspondência no gabinete do ministro das relações internacionais, mas como tinha enviado cópias do email para todos os ministérios, a dinâmica chefe de gabinete do ministro das forças armadas rapidamente percebeu que devia dar a maior divulgação possível ao tema.
Ela andava desapontada com o imobilismo do seu ministro, advogado perdido nos meandros dos negócios privilegiados dos grandes gabinetes de advogados com as comissões parlamentares, e que no triste caso de uma grande empresa de metalomecânica pesada da esfera pública mudava periodicamente de estratégia sobre a sua estrutura de propriedade.
Assim inviabilizava o cumprimento das encomendas que, apesar da crise apareciam, o que agradava soberanamente aos concorrentes.
A chefe de gabinete do ministro das forças armadas diligentemente reforçou junto do gabinete das relações internacionais a possibilidade da grande empresa de metalomecânica executar uma das obras no estudo vindo do ministério do mar, a ligação de 18 km entre a ilha agreste grande e a ilha agreste pequena, beneficiando dos menores fundos marinhos, num máximo de 700m ao longo de 5 km entre as duas ilhas. A estrutura metálica prevista seria ancorada nas zonas de maior profundidade segundo a técnica das plataformas petrolíferas e suportaria depois redes para quintas de aquacultura e molhes de tetrópodes para atracação de centrais móveis térmicas por gradiante de temperatura entre os fundos marinhos e as águas de superfície (OTEC – ocean thermic energy conversion) e atracação de navios tanques para transporte do hidrogénio produzido com a energia elétrica das centrais OTEC.
A chefe de gabinete do ministro das forças armadas providenciou também uma fuga de informação para a imprensa, que assim apanhou o “scoop” de que o governo se preparava para entrar decididamente na produção de energia elétrica e na exploração de recursos marinhos em escala competitiva internacionalmente, como fundamento para a classificação das ilhas agrestes como verdadeiras ilhas.
E com o bulício que a imprensa emprestou ao caso, o ministro das relações internacionais, que intimamente pensava que a melhor solução era simplesmente vender as ilhas agrestes à Eslováquia, para abater na dívida, como as ilhas das Flores no século XIX , e para os eslovacos instalarem um resort para turistas seniores endinheirados, não teve outro remédio senão incluir o estudo na fundamentação da resposta à Eslováquia na ONU.
Não deverá porém ser omitido que a iniciativa da chefe de gabinete não se ficou a dever apenas ao seu dinamismo.
Ela tinha um relacionamento especial com um engenheiro norueguês que vinha frequentemente à capital em missões da sua grande empresa de investimentos diversificados no país, desde minas de cobre, ferro e ouro, a empresas de transporte marítimo e de construção e gestão portuária.
O norueguês tinha ficado encantado com as qualidades profissionais da gentil chefe de gabinete do ministro das forças armadas.
Quase todos os meses se encontravam, no que para ela era apenas uma pequena concessão de uma pequena percentagem do seu tempo a um nórdico de estranhos costumes quando comparado com os meridionais.
O engenheiro norueguês explicou-lhe as virtualidades do estudo do ministério do mar para rentabilização dos recursos das ilhas agrestes e que a sua empresa certamente estaria interessada no desenvolvimento do processo, disponibilizando-se a explicar também aos sábios do país que se defrontavam com atrozes duvidas sobre que propostas de investimento apresentar à comissão dos fundos comunitários.
Eis então um pequeno resumo do estudo sobre o aproveitamento das ilhas agrestes, que este é o assunto central desta mini-novela, não as peripécias entre a gentil chefe de gabinete e o engenheiro norueguês:
1 - Ampliação da superfície da agreste grande através da construção de enrocamentos e molhes de betão nos baixios circundantes até 10m de profundidade, permitindo passar a superfície da ilha de 4 para 20 km2
2 – construção nas novas áreas de tanques de aquacultura e de cultivo de biomassa (algas captoras de CO2 e fonte de óleos bio-combustíveis), beneficiando da elevada taxa de nutrientes das águas profundas
3- instalação de uma central de bombagem para aspiração e filtragem de águas profundas destinadas à alimentação dos tanques de piscicultura e de biomassa; tubo de aspiração de 15m de diâmetro, a 3 km da agreste grande
4 – instalação na agreste grande de uma central fotovoltaica de 200 MW e de um parque eólico de 50 MW; energia elétrica para alimentação da aquacultura e produção de biomassa da ilha e para os serviços auxiliares da ilha; possibilidade de expansão da potencia produzida para alimentação do arquipélago da Madeira a través de um cabo submarino de muito alta tensão contínua
5 – construção de uma ligação com módulos metálicos ancorados ao fundo marinho entre a agreste grande e a agreste pequena, numa extensão de 18 km, com profundidade máxima de 700 m (que se verifica apenas em 5 km de extensão); atracação por concessões internacionais de centrais móveis térmicas marítimas por gradiante de temperatura OTEC, de quintas de aquacultura e cultivo de biomassa, de navios tanques para transporte de hidrogénio, e de centrais de dessalinização
6 – ampliação da superfície da agreste pequena e do grupo de ilhotas adjacentes unindo o perímetro envolvente nos baixios até 10 m de profundidade, com construção de enrocamentos e molhes de betão, com obtenção de uma superfície de 20 km2
7 - instalação na agreste pequena resultante de uma central térmica marítima por gradiante de temperatura OTEC com 100 MW, e aspiração e filtragem de águas profundas (1000 m) a 3 km da costa
8 – instalação na agreste pequena de uma central solar por concentração com dois grupos de espelhos para melhoria do rendimento da central marítima (subida da temperatura da fonte quente da máquina térmica) e produção de energia elétrica com sais fundidos (prolongamento da insolação) para os auxiliares
9 – instalação na agreste pequena de uma central de produção de hidrogénio por eletrólise, a partir da energia elétrica da central OTEC, para exportação por navios tanques ou por gasoduto submarino para o arquipélago da Madeira, para utilização como combustível, em aquecimento doméstico e industrial e em transportes, com combustão interna ou por pilhas de combustível.
Posfácio
Pouco tempo depois dos factos descritos, era visível uma azáfama de navios cargueiros à volta das agrestes e em idas e vindas da Madeira. A ocupação e sobre-elevação dos baixios começavam. Os ambientalistas faziam algumas manifestações de oposição, mas o debate público era franco e aberto e a opinião pública apoiava o empreendimento.
Os grandes grupos económicos internacionais espreitavam, com curiosidade.
O engenheiro norueguês não tinha descanso. Ilhas com futuro, as agrestes.
Nota:
         Ver descrição de uma central OTEC em 
                         http://en.wikipedia.org/wiki/Ocean_thermal_energy_conversion

         Outra mininovela geoenergética em:
                         https://skydrive.live.com/redir?resid=1EBC954ED8AE7F5F!268

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