Provavelmente porque a rotina e excesso de confiança proporcionam falhas de atenção momentaneas ou adoção de comportamentos de risco.
Da observação e registo histórico poderá concluir-se, por exemplo, que um maquinista terá 20 falhas momentaneas de atenção por ano. Ou que em 60% de descolagens não foram cumpridos todos os procedimentos de segurança.
Os acidentes não acontecem mais vezes porque exigem a ocorrencia simultanea de outras circunstancias de baixa probabilidade. A probabilidade de um acidente é o produto das probabilidades das circunstancias propiciadoras e portanto tem um valor mais baixo.
Nós próprios, por exemplo, não somos vitimas de um acidente apenas por passar um sinal vermelho sem reparar. É preciso que o condutor que passou com o verde esteja em rota de colisão e não a consiga evitar.Porque cometeu o comandante do ferry sul-coreano o erro grave de pedir aos passageiros que não subissem para a coberta?
Vejamos as circunstancias:
1 - o navio Sewol, de 6.000 toneladas, transportava passageiros, contentores empilhados na proa e camiões e automóveis na popa (capacidade 950 passageiros, 150 contentores de 6m, 60 camiões e 88 automóveis)
2 - o percurso era de mais de 400 km ao longo da costa, com muitas ilhas
3 - de acordo com a legislação sul-coreana, em navegação costeira não são obrigatórios escaleres ou lanchas de salvamento, mas apenas balsas insufláveis, as quais existiam em quantidade suficiente na coberta superior do Sewol
4 - não são igualmente obrigatórios exercícios de salvamento para familiarização dos passageiros com os procedimentos de emergencia, apesar da duração da viagem (14 horas)
5 - o navio tinha sofrido no principio de 2013 uma alteração para acomodação de mais 150 passageiros, adiconando 3 andares junto da popa, aumentando a capacidade de 800 para 950 passageiros e subindo o centro de gravidade devido ao peso adicional de 230 toneladas
6- segundo a guarda costeira, o acidente ocorreu na mudança brusca de rumo para bombordo para tomar a direção da ilha de destino ou numa manobra inesperada
7 - a porta de acesso à zona dos camiões e automóveis encontrava-se a estibordo, na popa, a pequena distancia do nivel da agua
8 - a contracorrente era muito forte (4 nós), o que aumentou o efeito da velocidade relativa na curva
9 - o comandante tem 68 anos e fazia trabalho esporádico
contentores na proa, contribuindo para centro de gravidade alto |
O ponto 1 evidencia mais uma vez os riscos de mistura de modos de transporte diferentes em vez de especializados; este é um ponto que os economistas diriam necessário para a competitividade e produtividade.
Os pontos 3, 4, 5 e 9 revelam deficiencias na inspeção e homologação de navios na Coreia do Sul
Os pontos 5 e 6 fazem supor que o navio sofria do grave defeito de um metacentro (centro de impulsão de baixo para cima muito próximo ou abaixo do centro de gravidade, pelo que a instabilidade seria grande e o leme nunca deveria ser virado bruscamente, tal como um dos oficiais sobreviventes reportou) ou que o movimento brusco e subsequente bloqueio do leme resultou de uma avaria nos mecanismos de transmissão.
O ponto 7 poderá indiciar que a água terá começado por entrar numa porta mal fechada do acesso à garagem, ou os veículos ter-se-ão solto com o balanço e provocado fendas nas paredes por onde entrou água. O primeiro balanço terá sido para estibordo mas com a oscilação a carga solta e, provavelmente, a agua entrada terão deslocado o centro de gravidade e deitado o navio para bombordo (há ainda a hipotese de de explosão na garagem em consequencia dos movimentos).
Então o que poderá levar um profissional experiente a cometer o grave erro de pedir aos passageiros para se manterem nas cabinas ou nos decks inferiores?
Hipótese 1: choque psicológico de não aceitação que o navio pudesse virar tão rapidamente; ignorando as dificuldades dos caminhos de fuga, o que provaria deficiencia de projeto; confirmando a inexistencia de exercicios e procedimentos de salvamento;
Hipótese 2: conhecimento efetivo dos defeitos do navio, e receio que o peso de 300 passageiros (cerca de 20 toneladas) agravasse o binário de viragem do navio.
Resulta assim que, mais do que o capitão, a responsabilidade do acidente reverte para o estaleiro que executou as alterações, para a agencia oficial de homologação do navio e para a operadora por ausencia de procedimentos de salvamento.
Temos aqui mais um exemplo de rentabilização excessiva dos meios disponíveis.
Não deveria portanto a senhora presidente da Coreia do Sul condenar o comandante como unico responsável e deveria interrogar-se porque um homem de 68 anos tem de andar a trabalhar em profissões de risco.
Este acidente faz lembrar tambem os acidentes com os barcos de pesca portugueses.
Alguns elementos retirados de:
www.seanews.com.tr/article/COLUMNISTS/cahitistikbal/126073/accidents-sewol-sinking-capt.-cahit-istikbal/
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