domingo, 13 de abril de 2014

Os olhinhos da crónica de Pedro Bidarra





Pedro Bidarra escreve bem. Os seus comentários acutilantes em debates na TV são também muito apreciados.
Os temas que escolhe são importantes e o seu tratamento desce a questões essenciais.
Mas na sua crónica “a chorar ferrugem”, embora sabiamente se recorde que “o diabo está nos detalhes”, há um detalhe que  merece correção.
É verdade que é muito difícil escrever sobre muitos temas, especialmente quando se confia no parecer de técnicos que afinal, não “viram” o problema.
Este é um detalhe que poderia aplicar-se, por exemplo, às escolhas que técnicos abalizados fazem para empreendimentos prioritários.
Terão “visto” as questões essenciais para propor as suas escolhas?
Não teria sido melhor debater com outros “olhinhos”, que muitos olhos vêem melhor que um par só?
Escreveu Pedro Bidarra que os olhinhos que choram ferrugem nas colunas de sustentação da cobertura da gare do Oriente são, conforme lhe explicou pessoa da especialidade, “parafusos de má qualidade”, escolhidos por serem mais baratos, embora sensíveis à ferrugem.
Faz de seguida a transposição , afirmando que a “empreitada da Expo foi bem desenhada mas aparafusada com parafusos rascas” e que era importante dar atenção a isto, numa altura em “que se fala de recuperação e começa a desenhar o futuro”.
Vejamos se entendi bem.
Foi detetada uma imperfeição na estrutura, os “olhinhos”, e foi encontrado um responsável, os “parafusos rascas”.  Foi finalmente dado o conselho, para a próxima, que se avizinha, cuidado com os detalhes na execução, porque no “desenho”, não houve problema, no ”desenho” somos bons.
Parece-me que Pedro Bidarra se enganou, que assentou a sua crónica em detalhes pouco coincidentes com a realidade.
Fui lá ver, apesar de ser um detalhe,  mas interesso-me pelos detalhes técnicos das coisas ligadas aos transportes, por nostalgia da minha vida profissional passada.
Não há parafusos estruturais nas colunas de suporte da cobertura para além das bases.
O que me deixa preocupado por eventual perda de credibilidade da mensagem da crónica.
Os parafusos que existem são os que fixam as peças de suporte das catenárias. E esses são de boa qualidade, não escorrem ferrugem (não poderá dizer-se o mesmo dos que fixam os altifalantes, mas penso que não eram estes o objeto da crónica), como pode ver-se na própria foto ilustrativa.
O que existe são mesmo olhinhos, furos nas abas dos perfis em I. Penso que resultado de pré-furação para eventual inserção dos suportes das catenárias (assunto que, tal como a presença da ferrugem, talvez possa ser esclarecido consultando a entidade gestora da gare do Oriente).
A ferrugem escorre  pelos “olhinhos” porque tem outra origem: corrosão das soldaduras. As ligações estruturais não são feitas por parafusos, mas por soldadura. Com a chuva, a corrosão agrava-se, acumulando-se junto das soldaduras água que acaba por escorrer pelos “olhinhos”. As peças soldadas devem ser periodicamente pintadas. Se isso não acontecer, sobrevem a corrosão.
Daqui eu concluo que o “choro de ferrugem” se deve, não a parafusos mal escolhidos, mas a cortes nos custos de manutenção.
E deduzo também que os promotores e decisores da “empreitada bem desenhada” não terão pensado nos custos para além do investimento na Expo. Qualquer empreendimento deverá contar com custos de manutenção da ordem de 2 a 5% anuais.  Quando convidaram o senhor arquiteto Calatrava para fazer uma estação digna de figurar nas capas de revista, terão pensado nisso?
Repare-se que até nem pensaram em assegurar a comodidade dos passageiros, mesmo os do “lounge”, que esperam pelo Alfa em dias de chuva.
Isto tem um nome, é falta de respeito, dos promotores da ideia, dos decisores e dos projetistas renomados, para com as pessoas que utilizam o comboio. E também falta de respeito pelos técnicos que na altura levantaram objeções por muitas das soluções e pelos custos sibaríticos da manutenção anual de um projeto como o da Expo (outro exemplo gritante é o dos custos das dragagens da marina).
Por isso tomei um pequeno pormenor como o dos “olhinhos que choram ferrugem” sem nada que ver com parafusos, para comentar que foi pena a crónica não ter chamado a atenção para a pouca credibilidade do método seguido para escolher os próximos investimentos (desconfio da estratégia, quando se põe a tónica na crítica aos programas anteriores, os quais conduziram à aplicação em infraestruturas de menos de 15% dos fundos comunitários recebidos, ou quando se repete que o debate foi muito participado quando nem sequer os associados da ordem dos engenheiros nele participaram em número significativo).
Foi pena não ter chamado a atenção para os cortes na manutenção que as empresas sofrem (e se por caso forem pintar as colunas da gare do Oriente, não se esqueçam que não basta passar um pincel de tinta, é preciso preparar a superfície a pintar, o que vai encarecer uma proposta honesta relativamente às mais poupadas).
Foi pena manter a ideia de que somos muito bons a ter ideias de prestígio propostas por técnicos muito bem cotados, sem ouvir os outros, mais abaixo, que depois vão ter de explorar e manter o serviço e as infraestruturas de transportes.
Foi pena continuar a insistir que a ideia da Expo foi muito boa, quando roubou a centralidade à baixa de Lisboa.
Mas para quê chorar no molhado?…

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