Pedro Bidarra escreve bem. Os seus comentários acutilantes
em debates na TV são também muito apreciados.
Os temas que escolhe são importantes e o seu tratamento
desce a questões essenciais.
Mas na sua crónica “a chorar ferrugem”, embora sabiamente se
recorde que “o diabo está nos detalhes”, há um detalhe que merece correção.
É verdade que é muito difícil escrever sobre muitos temas,
especialmente quando se confia no parecer de técnicos que afinal, não “viram” o
problema.
Este é um detalhe que poderia aplicar-se, por exemplo, às
escolhas que técnicos abalizados fazem para empreendimentos prioritários.
Terão “visto” as questões essenciais para propor as suas
escolhas?
Não teria sido melhor debater com outros “olhinhos”, que
muitos olhos vêem melhor que um par só?
Escreveu Pedro Bidarra que os olhinhos que choram ferrugem nas
colunas de sustentação da cobertura da gare do Oriente são, conforme lhe
explicou pessoa da especialidade, “parafusos de má qualidade”, escolhidos por
serem mais baratos, embora sensíveis à ferrugem.
Faz de seguida a transposição , afirmando que a “empreitada
da Expo foi bem desenhada mas aparafusada com parafusos rascas” e que era
importante dar atenção a isto, numa altura em “que se fala de recuperação e
começa a desenhar o futuro”.
Vejamos se entendi bem.
Foi detetada uma imperfeição na estrutura, os “olhinhos”, e
foi encontrado um responsável, os “parafusos rascas”. Foi finalmente dado o conselho, para a
próxima, que se avizinha, cuidado com os detalhes na execução, porque no
“desenho”, não houve problema, no ”desenho” somos bons.
Parece-me que Pedro Bidarra se enganou, que assentou a sua
crónica em detalhes pouco coincidentes com a realidade.
Fui lá ver, apesar de ser um detalhe, mas interesso-me pelos detalhes técnicos das
coisas ligadas aos transportes, por nostalgia da minha vida profissional
passada.
Não há parafusos estruturais nas colunas de suporte da
cobertura para além das bases.
O que me deixa preocupado por eventual perda de
credibilidade da mensagem da crónica.
Os parafusos que existem são os que fixam as peças de
suporte das catenárias. E esses são de boa qualidade, não escorrem ferrugem
(não poderá dizer-se o mesmo dos que fixam os altifalantes, mas penso que não
eram estes o objeto da crónica), como pode ver-se na própria foto ilustrativa.
O que existe são mesmo olhinhos, furos nas abas dos perfis em I. Penso que resultado de
pré-furação para eventual inserção dos suportes das catenárias (assunto que,
tal como a presença da ferrugem, talvez possa ser esclarecido consultando a
entidade gestora da gare do Oriente).
A ferrugem escorre
pelos “olhinhos” porque tem outra origem: corrosão das soldaduras. As
ligações estruturais não são feitas por parafusos, mas por soldadura. Com a
chuva, a corrosão agrava-se, acumulando-se junto das soldaduras água que acaba
por escorrer pelos “olhinhos”. As peças soldadas devem ser periodicamente
pintadas. Se isso não acontecer, sobrevem a corrosão.
Daqui eu concluo que o “choro de ferrugem” se deve, não a
parafusos mal escolhidos, mas a cortes nos custos de manutenção.
E deduzo também que os promotores e decisores da “empreitada
bem desenhada” não terão pensado nos custos para além do investimento na Expo.
Qualquer empreendimento deverá contar com custos de manutenção da ordem de 2 a 5% anuais. Quando convidaram o senhor arquiteto
Calatrava para fazer uma estação digna de figurar nas capas de revista, terão
pensado nisso?
Repare-se que até nem pensaram em assegurar a comodidade dos
passageiros, mesmo os do “lounge”, que esperam pelo Alfa em dias de chuva.
Isto tem um nome, é falta de respeito, dos promotores da ideia,
dos decisores e dos projetistas renomados, para com as pessoas que utilizam o
comboio. E também falta de respeito pelos técnicos que na altura levantaram
objeções por muitas das soluções e pelos custos sibaríticos da manutenção anual
de um projeto como o da Expo (outro exemplo gritante é o dos custos das
dragagens da marina).
Por isso tomei um pequeno pormenor como o dos “olhinhos que
choram ferrugem” sem nada que ver com parafusos, para comentar que foi pena a
crónica não ter chamado a atenção para a pouca credibilidade do método seguido
para escolher os próximos investimentos (desconfio da estratégia, quando se põe
a tónica na crítica aos programas anteriores, os quais conduziram à aplicação
em infraestruturas de menos de 15% dos fundos comunitários recebidos, ou quando
se repete que o debate foi muito participado quando nem sequer os associados da
ordem dos engenheiros nele participaram em número significativo).
Foi pena não ter chamado a atenção para os cortes na
manutenção que as empresas sofrem (e se por caso forem pintar as colunas da
gare do Oriente, não se esqueçam que não basta passar um pincel de tinta, é
preciso preparar a superfície a pintar, o que vai encarecer uma proposta
honesta relativamente às mais poupadas).
Foi pena manter a ideia de que somos muito bons a ter ideias
de prestígio propostas por técnicos muito bem cotados, sem ouvir os outros,
mais abaixo, que depois vão ter de explorar e manter o serviço e as
infraestruturas de transportes.
Foi pena continuar a insistir que a ideia da Expo foi muito
boa, quando roubou a centralidade à baixa de Lisboa.
Mas para quê chorar no molhado?…
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