quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O Titanic em Portugal em 2016


A propósito da crónica do professor João Cesar das Neves no DN de 18 de fevereiro de 2016


Caro Professor

Com muita pena minha, eu, membro do grupo dos reformados do metropolitano a quem cortaram o complemento de reforma, não tenho tido oportunidade de comentar as suas quase sempre apreciadas crónicas no DN.
Discordando normalmente de si, gosto porém de apreciar os seus argumentos e, pelo meu lado, de protestar, sabendo embora que fui, e sou, um privilegiado cujos privilégios ajudaram a afundar o Titanic, conforme se poderia interpretar a sua metáfora do DN de 18 de fevereiro.
Embora, de cada vez que o professor fala em austeridade e privilégios insustentáveis na parte dos rendimentos do trabalho, eu me lembre do gráfico que circulou recentemente, a riqueza dos 50% com registos bancários mais pobres no mundo a perder rendimentos e as 62 pessoas mais ricas a ganhá-los:

O seu Titanic é de facto uma interessante metáfora, que eu gostaria de comentar da seguinte forma.
Não há dúvida, o navio da economia portuguesa chocou com o iceberg em 2008.
Mas olhe que a bordo havia quem dava atenção ao rumo errado. Por exemplo, o professor Medina Carreira, e até eu, em comunicações que fazia no metropolitano, com base em análises sobre o problema da energia.
Se a companhia do Titanic não tivesse já implementado alguns cortes, como o corte da compra de binóculos mais eficazes, talvez o piloto tivesse avistado o iceberg a tempo de uma manobra salvadora. Estes critérios economicistas às vezes vão contra a segurança…
Ou talvez se a administração da companhia, que não percebia nada de navegação (sei do que falo, como técnico do metropolitano fartei-me de ver ignorantes na sua administração) não tivesse aquela ideia maluca de provar a sua competitividade chegando mais depressa a Nova York do que os competidores, em vez de estar sossegadinha como o capitão queria, para não bater em icebergs, talvez que, talvez que…
Mas são suposições.
Mais certo é dizer que a sua ficção está correta. O navio bateu no iceberg e só 10% foi abaixo.
Quem dera que a realidade do Titanic tivesse sido essa. Mas não foi. O piloto torceu todo o leme para tentar fugir (errado, devia bater com a proa, mais resistente do que o bordo e isolada por paredes estanques do resto do casco; ao contrário do rasgo lateral, em que o iceberg foi sucessivamente abrindo todos os compartimentos estanques que não puderam assim cumprir a sua missão de projeto, manter a flutuabilidade) e gritou para a casa das máquinas “máxima força à ré” (errado, se queria virar, devia acelerar; certo, se queria bater de frente).
Eu diria que bater de frente era manter uma política de investimento (se não havia dinheiro em Portugal teria de vir da União europeia, certo? Mas esse Tricheur, perdão, Trichet…) e tentar virar seria uma política de austeridade que abre um rasgo no bordo do casco de muito mais do que 10% (por causa dos multiplicadores errados conforme disse a sra Lagarde, não foi?).
Mas não é este o sentido da sua metáfora.
Embora eu concorde com a ideia do flutuador, mas estava a pensar mais no flutuador ( e do combustível, claro) do investimento.
Até o almirante Draghi já veio dizer, com todas as letras, que as políticas orçamentais têm de considerar mais investimento público, que isso se está a perceber cada vez mais…palavras do almirante… e que pena se ouvir falar tão pouco do CEF, cujas candidaturas por Portugal estão entregues sabe-se lá a quem, sem discussão pública…
E também concordo com o flutuador do trabalho nas chapas rasgadas do Titanic (rasgadas, como diz, ao nível do cavername do BES e do BANIF, sem qualquer culpa dos reformados do metro, perdão, dos marinheiros) ou em infraestruturas de um país civilizado, que nunca me neguei, nem eu nem os meus colegas reformados privilegiados do metropolitano, a trabalhar nelas, mesmo que fosse preciso fazê-lo no natal ou no ano novo.
Aceito a sua dúvida sobre outros critérios  de flutuabilidade, mas desculpará dizer-lhe que não está próxima da realidade a sua afirmação de que não havia alternativa contra o risco de afogamento (TINA? Penso antes que TIAA) e nunca foi explicada “qual a opção credível e viável de flutuação” .
Como assim? Dito por quem escreveu, como dizia a viúva Helmsley, “os ricos não pagam impostos”. Quando ainda há tantas entidades para isentar da isenção de IMI? quando ainda temos a taxa Tobin nos arquétipos? quando é insignificante a deslocação do rendimento do capital para o trabalho e quando o engenheiro de finanças, perdão, de máquinas do navio, do novo capitão (não, não votei nele, mas confesso que votei num dos partidos que o sentaram na ponte de comando), consegue armar o quadro Excel das transferências de rendimentos  de modo a manter a carga fiscal e os critérios do tratado de funcionamento da UE, já criticados pelo almirante Draghi?
Que fugirão, os fornecedores de flutuadores e de combustível, perdão, os investidores? Para onde? se até a Suiça acabou com o sigilo bancário e o presidente dos USA aplica multas a off-shores e a bancos manipuladores (será verdade que o Deutsche Bank imparidadou 6 mil milhões? Terão sido os marinheiros do Titanic?).
E não digo isto por achar bem o tal cartaz da JCP que criticou. Que também não acho, com os peixinhos pequenos a querer comer o peixe grande (lembra-se do Padre António Vieira a ralhar aos peixes? "Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande... A diferença que há entre o pão e os outros comeres é que para a carne há dias de carne, e para o peixe dias de peixe, e para as frutas diferentes meses do ano; porém, o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos").
Não diga por isso (no sentido de ser uma proposta que eu faço, não quero impor nem proibir nada) que os marinheiros só pensam em “reduzir os preços dos restaurantes, aumentar os consumos” (sim, mas também os impostos sobre os combustíveis e o crédito, para equilibrar o navio…) , “retomar a festa” (se cumprirmos o artigo da CRP sobre as políticas ativas de emprego reduzimos o tempo para as festas, certo? Não ao desemprego e ao excesso de tempo livre para festa) e “redecorar os camarotes dos pensionistas”.
Enfim, professor, a propósito desta sua última frase, muito gostaria que comentasse, se lhes achar algum interesse, uns pequenos cálculos que fiz sobre o valor de investimento do diferencial de vencimentos ao longo dos anos em que os vencimentos no metropolitano foram substancialmente inferiores aos do setor privado e simplesmente inferiores aos de outras empresas públicas, e que justificava o conceito de complementos de reforma, vigente na contratação coletiva para admitidos até 2004:

Com os melhores cumprimentos e votos de saúde

Fernando Santos e Silva







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