(ver
https://www.publico.pt/local/noticia/expansao-da-rede-do-metro-de-lisboa-poupemnos-1730185 ),
enviei-lhe o seguinte comentário:
Caro Colega Pompeu Santos
Apreciei o seu artigo sobre a expansão do metropolitano de Lisboa.
São certeiras, as suas observações. Infelizmente, porque a gestão dessa expansão tem sido, normalmente, infeliz.
No entanto, como antigo funcionário do metro, gostaria de fazer alguns comentários.
Apesar originalmente ter existido um plano diretor (duas linhas, uma em V, a desenvolver a partir da ligação Entrecampos/Sete Rios-Rossio-Alvalade e outra, Algés-Rossio-Poço do Bispo).
Em 1974-75, com o consultor Siemens-Deconsult, definiu-se o principal plano diretor que esteve na base da expansão até 1997.
É curioso que a expansão prioritária então considerada, após a desconexão da Rotunda/Marquês de Pombal (que veio a concretizar-se em 1995) era a ligação a Alcântara. Esta ficou no papel, como consequência do tratado de Tordesilhas que em 1992 ou 1993 o governo decidiu: parte central e oriental da cidade para o metro, Alcântara, linha da cintura e parte ocidental para a CP.
A relativa coerência das expansões ao Cais do Sodré e a Santa Apolónia, ao Campo Grande e ao Colégio Militar foi também quebrada com a decisão de servir a Expo98 com a linha vermelha, a qual passou a desempenhar o papel de linha transversal que no plano de 1975 estava reservado à linha amarela. Esta foi depois “desviada” para norte, para Odivelas (felizmente em viaduto).
Pode portanto afirmar-se que o critério dominante nas expansões do metro é por arrancos, com decisões caso a caso, desintegradas de um plano coerente, redundando em troços novos de 800m com o consequente custo marginal elevadíssimo (expansão Entrecampos-Cidade Universitária, Cidade Universitária-Campo Grande, Campo Grande-Telheiras, e agora Amadora Este-Reboleira).
Neste último caso, há a considerar que a ideia inicial era levar o metro à estação central da Amadora, mais para servir a sua população do que para correspondência com a linha de Sintra. No entanto, as “forças vivas” da Amadora e os governos da altura enveredaram pela teoria das novas centralidades. Primeiro projetando a betonização dos terrenos de elevada aptidão agrícola da estação zootécnica da Falagueira, num projeto de PPP para urbanização maciça da zoan, e que felizmente não foi por diante (os lucros, se os houvesse, seriam para o empreendedor, os prejuízos para o Estado).
Feita a estação da Amadora Este (2004), decidiu-se “desviar” a linha para a nova centralidade dos terrenos da Sorefame destruída, mesmo ao lado da Reboleira que tinha sido a menina dos olhos do J.Pimenta. Possivelmente considerou-se que as licenças de construção geradas pelos terrenos da Sorefame seriam substanciais, e a estação principal da Amadora ficou sem metro e, graças à crise, a urbanização da Sorefame não saíu dos arquétipos.
Mas note que a construção da galeria da Pontinha à Amadora Este, em parte a céu aberto, foi interessantíssima pelas dificuldades de contenção dos terrenos (como sou mero eletrotécnico, não consigo dar pormenores, mas lembro-me do aparato da obra, na galeria e na zona da estação Amadora Este).
Em resumo, as dificuldades que nos caraterizam como portugueses em nos organizarmos e em debatermos em grupo as soluções, em adotar as soluções que podem não ser as melhores, mas que sirvam e, cereja em cima do bolo a grande dificuldade em planear e controlar a execução do planeamento , explicam a expansão da rede do metro por solavancos, indefinições e arrancos, muitas vezes dependentes do “prestígio” e “competência”dos altos decisores ministeriais, administradores ou afins, normalmente perfeitamente ignorantes das questões técnicas ou, para ser benevolente, algo limitados na resolução de charadas de natureza topológica.
Não admira, com este esquema decisório (ou a ausência de um esquema decisório) que depois apareçam, nas inaugurações, felizes, primeiros ministros, ministros, autarcas, administradores disto e daquilo. Parecer-me-ia que a inauguração de um troço de 800m podia ser confiada simplesmente a quem a executou e a quem a vai operar e manter, técnicos dos empreiteiros, do metro… Até estou capaz de propor que só acima de 5 km de expansão deveria comparecer um ministro . E o primeiro ministro para cima de 10 km. E mesmo assim talvez esteja a ser parco no comprimento a inaugurar.
É verdade, 60 milhões de euros por menos de um quilómetro é elevado, não só consequência da pouca extensão mas das hesitações e das paragens da obra, embora inclua a estação, a via férrea , energia, sinalização, telecomunicações, ventilação. A preparação do processo de candidatura a fundos QREN esteve encalhada em várias secretárias, e não só do metro, também da própria comissão coordenadora de Lisboa e Vale do Tejo. Para além dos empecilhos burocrático-jurídicos que espartilham as nossas empresas públicas e quem lá trabalha e pensou um dia dedicar-se ao serviço público.
Eu diria que 50 milhões de euros já estava bem pago, com lucro razoável para os empreiteiros. Mas eles têm de facto a desculpa dos arrancos e da pequena escala.
Relativamente á anunciada expansão da linha amarela ao Cais Sodré é de facto criticável e “fecha” a rede sobre si própria em detrimento de ir buscar passageiros à periferia (é verdade que a cidade se desertificou e uma maneira de aumentar a procura do metro era repovoá-la). Mas há uma hipótese de resolver o problema da linha amarela, deixando para a linha vermelha a ligação a Alcântara, Belém e Algés (aliás a expansão da linha vermelha parece-me prioritária, com correspondência “park and ride” na prevista urbanização em Campo de Ourique adjacente às Amoreiras).
Não pretendo que as soluções que proponho sejam as melhores, mas gostaria que houvesse debate e que não aparecessem planos de expansão sem uma análise alargada e não sujeita a decisões tomadas previamente, como recentemente foi ilustrado com o caso da 2ªcircular (por mais que se explicasse que o alargamento do separador central era abusivo nada se conseguiu). Vícios que temos dos processos de tomada de decisões.
A expansão da linha amarela justificar-se-á, com correspondência com a linha verde (por tapete rolante) em Santos e seguimento para Cacilhas sob o rio (a Fertagus e a Lusoponte detestariam a ideia e repetiriam que não há dinheiro, embora os fundos comunitários sejam também para isso mesmo, para reduzir o consumo de combustíveis fósseis). Dada a profundidade do túnel sob o rio, -30m para o plano base de via e a cota do PBV do término do Rato, 60m, o declive é incomportável em alinhamento reto, pelo que se sugere uma circular que serviria o Parlamento, Campo de Ourique-sul, Alcântara, o Museu de Arte Antiga e a Estrela.
Trata-se de uma solução usada na Suiça em caminhos de ferro de montanha e no metro de Nápoles.
Junto dois esboços.
Gostaria ainda de referir as dificuldades da execução da estação de Baixa-Chiado, que, dado o terreno conter aterros e destroços do terramoto, originou efetivamente assentamentos nos edifícios. A situação esteve fora de controle durante quase um mês, até as injeções de cimento compensarem. No entanto, é de referir a escavação ilegal feita uns anos antes numa loja da calçada do Carmo, mesmo por baixo do convento do Carmo e a demolição descuidada do edifício adjacente ao convento onde a banda da Carris ensaiava. É de destacar a qualidade técnica do empreiteiro, a Odebrecht. Quanto ao acidente do Terreiro do Paço, em terrenos de aluvião, ficou a dever-se a imprevidência dos carotadores que executaram o seu trabalho sem fiscalização. Infelizmente, estão por resolver correções no torreão nascente do Terreiro do Paço, agora ameaçado pela obra do parque de estacionamento do Campo das Cebolas. No lado poente está em curso a reposição do sistema de monitorização, sendo crível que a estacaria que ladeia a galeria do metro, nesse lado poente do Terreiro do Paço, mantenha estável o torreão poente.
Finalmente, gostaria de lhe indicar uma ligação com um texto em que resumo um plano de expansão, reafirmando que não são soluções de um iluminado, mas apenas contributos para participação em debate que se deseja o mais alargado possível.
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
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