A propósito de um editorial sobre a indecisão de cinco décadas para localizar um aeroporto
enviei o seguinte texto ao seu autor:
Caro senhor jornalista
A frase do seu editorial "continuamos a ser um país que ao fim de mais de cinco décadas não conseguiu assentar numa localização para uma infraestrutura essencial ..." levou-me a escrever um comentário que tomo a liberdade de lhe enviar.
Sendo o que refere verdade, eu julgo que não devemos ocultar com essa verdade uma outra verdade, certamente de menor impacto mediático.
É que há uma parte, pequena, do país, que foi submetida a um período de formação, ou formatação, que lhe impôs uma disciplina de análise e de tomada de decisões com base em critérios de natureza técnica de acordo com as leis da Física, as regras da Matemática e as caraterísticas das diversas tecnologias, para que possa transformar a matéria e a energia para produzir coisas úteis.
Essa parte do país é a engenharia, que sucessivamente tem sido marginalizada relativamente aos processos de decisão.
Provavelmente porque, desgraçadamente, alguns dos seus membros ascenderam a lugares de topo onde executaram critérios de natureza política em vez de usar as regras que lhes ensinaram nas suas alma mater, ou a experiência que terão adquirido no estudo de questões técnicas durante a sua vida profissional.
Provavelmente porque, não menos desgraçadamente, a isso nos conduziram os ventos dominantes da economia e das finanças, apesar do escandaloso enviesamento da apropriação dos benefícios dos recursos do país.
Não há um engenheiro no Conselho de Estado, apesar da simpática mas por demais piedosa asserção do seu Presidente, que a lógica jurídica coincide com a lógica da engenharia.
Não houve um engenheiro a apresentar uma perspetiva da engenharia na conferencia dos 30 anos do Publico, "Portugal ... e agora?"
E contudo, por mais insignificante ou discreto que seja um objeto, por exemplo a torradeira com que os economistas gostam de começar um livro ou um programa de televisão, ou outro produto utilizado por qualquer dos membros do Conselho ou do painel da conferencia, ele requer a intervenção de técnicas de engenharia.
Recriou-se a cultura dos imperadores romanos, que tinham os filósofos escravos gregos para pensar as éticas e os estoicismos, e agora temos os engenheiros para fazerem o que os políticos determinam. Faça-me aí um relatório bem fundamentado para provar o que eu quero. Ou como dizia Carl Sagan, estamos a criar uma geração que tem ao seu dispor tecnologias de capacidades extraordinárias, mas que ignora como funcionam.
É também verdade que agora existe um CSOP, mas há sempre alguém que discorda. E aí vem o bastonário da Ordem dos Engenheiros, que aliás integra o CSOP, observar que sendo o objetivo do CSOP pronunciar-se sobre grandes projetos de engenharia, que a representação desta seja proporcionalmente pequena, ou dizendo de outro modo, que tenham os seus membros de recorrer aos seus conhecidos com formação técnica para os assessorarem nos pareceres.
Não admira pois que cinco décadas passem, enquanto o país indecide e insiste em indecidir, nao admira que seja verdade que "o país não conseguiu assentar".
Mas diga-me, se posso perguntar, das 17 localizações estudadas para o aeroporto ( segundo o senhor MIH), quantas é que foram validadas de acordo com a análise multicritério da engenharia aeronáutica e receberam uma DIA favorável?
Se quiser dedicar à resposta o mesmo espaço no seu jornal que dedicou em torno da frase "o país não conseguiu assentar", ficar-lhe -ia muito grato.
Com os melhores cumprimentos e votos sinceros de sucessos pessoais e para o seu jornal
Sem comentários:
Enviar um comentário