Caro Mr David Frost
Obrigado pelas suas entrevistas e esclarecimentos sobre o Brexit e o atual papel do UK no mundo.
Um dos temas dessas entrevistas foi a Irlanda. Por uma associação de ideias, ocorreu-me uma crónica do nosso escritor Eça de Queirós, que nos anos de 1880 era diplomata em Londres e enviava as suas análises para um jornal do Porto.
Podemos dizer que, para além do aspeto de entretenimento das crónicas, vale a profundidade da análise política, social e geoestratégica para compreendermos o papel do UK na História, no presente e, se a estratégia britânica não mudar, no futuro. Não me pareceu necessário ir às apreciações de Marx, contemporâneas das de Eça, sobre as empresas inglesas na Irlanda, nem recuar aos tempos de Thomas More.
Vou transcrever parte dessa crónica sobre a Irlanda com referências ao Afeganistão, então como agora, e referir outra sobre o Egito (embora longe vai o caso do Suez em 1956), com a secreta esperança de que venha a ler a tradução do livro de crónicas, "Cartas de Inglaterra" e de alguns dos romances de Eça.
"Os males da Irlanda, muito antigos, muito complexos, provêm, sobretudo, do sistema semifeudal da propriedade ... Se, como é de temer, a Irlanda vier a esquecer-se do que deve a si e à Inglaterra - escrevia o solene jornal Standard - é doloroso pensar que no próximo inverno, para manter a integridade do império, a santidade da lei e a inviolabilidade da propriedade, nõs teremos de ir, com o coração negro de dor, mas a espada firme na mão, levar à Irlanda, à ilha irmã, à ilha bem-amada, uma necessária exterminação".
Isto reportava Eça depois da aprovação pela câmara dos comuns de uma lei justa para os irlandeses, mas que foi chumbada pela câmara dos lordes.
Eis como é possível, no país do povo donde saiu quem gerou grandes conquistas do pensamento humano, da organização política, das consultas populares, do método científico, da industrialização, um grupo usar as instituições para bloquear o interesse público (toda e qualquer semelhança com o processo do Brexit é pura coincidência).
Sobre o Afeganistão diz a mesma crónica:
"Em 1847 os ingleses...invadem o Afeganistão e aí vão aniquilando tribos seculares...apossam-se por fim da santa cidade de Cabul... assim é exatamente em 1880".
Sobre o Egito, Eça descreve o bombardeamento de Alexandria pelos couraçados do almirante Seymour, a pretexto da não entrega dos fortes de Alexandra aos ingleses, e presta homenagem ao patriota Arabi-Pachá. No fundo, o UK queria manter o controle do canal do Suez, como a História se repete (anos 50 do século XX, Naguib e Nasser) e para isso queria um kediva fantoche no poder .
Não perca. Mr Frost, as "Cartas de Inglaterra"
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Dear Mr David Frost
On Egypt, Eça describes the bombing of Alexandria by Admiral Seymour's battleships, under the pretext of not handing over Alexandra's forts to the English, and pays homage to the patriot Arabi-Pacha. Basically, the UK wanted to keep control of the Suez channel, as history repeats itself (the 50s of the 20th century, Naguib and Nasser) and for that they wanted a puppet kediva in power.
Don't miss it. Mr Frost, the "Letters from England"
Sem comentários:
Enviar um comentário