Caro Diretor
Volto ao seu contacto a propósito do seu editorial "O país não se muda com discursos". Corro o risco de o maçar, mas responsabilizo-o também por isso, por se ter dado ao incómodo de responder a um email meu anterior sobre o manifesto em defesa do jornalismo, sendo que não consigo o poder de síntese dos seus comentadores iniciantes, influentes e experientes, alguns dos quais bastante ferinos no que escrevem.
Escrevo-lhe desta vez porque discordo que uma "ousadia estrutural" ameaçasse a estabilidade política. A portentosa máquina governamental de "marketing" (a minha sobrinha que ainda acredita nessas maravilhas diria "de comunicação estratégica") saberia com sucesso atrair a população para o apoio dessa ousadia. E os partidos iriam atrás, para isso servem as sondagens.
Mas concordo, Portugal patina, e a senhora Teodora, que não aprecio muito por desprezar o keynesianismo da ponte de Sidney (os australianos às vezes têm boas saídas, pena não as terem sempre, pena para o Pacífico e para o planeta, mas enfim, noblesse oblige) tem razão, os orçamentos devem ser um veículo de políticas estruturais (sabendo-se que, como dizia o outro, "structure follows strategy") e não um seu substituto. Os orçamentos deviam ser como as normas são na engenharia, abrangendo os pormenores, que como se sabe são o diabo, e para cumprir. Como razão tem o caro Diretor, o PRR ameaça tornar-se uma ilusão, uma oportunidade perdida.
Eu creio que aquele senhor ministro muito discreto, do Planeamento, até terá algumas medidas concretas aplicáveis a empresas, portanto ao abrigo das críticas estatizantes, mas a economia deve ser dual e não consigo esquecer a ponte de Sidney nem a pergunta de Steinbeck nas Vinhas da Ira, "porque não tem o Estado mais quintas assim?".
Chego finalmente, depois de divagar, ao motivo principal que me levou a escrever-lhe. Não é com discursos, é com medidas concretas que se muda o país. E então lembrei-me de que em fevereiro de 2021 não fiz um discurso, participei na consulta pública e enviei o que pode encontrar nesta ligação:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/02/participacao-titulo-individual-na.html
Muitos dos investimentos propostos, nomeadamente os relativos à ferrovia, até podem beneficiar de outros mecanismos europeus, como o CEF, mas eles só virão se do lado de cá se fizer o trabalho de casa, isto é, os estudos prévios com os traçados (no caso da ferrovia) e as análises de custos-benefícios, e o tempo a passar sem a mobilização da engenharia para isso ...
Pode ser que o caro Diretor mande "pescar" contributos de outros participantes na consulta pública, ou de quem agora apresente propostas, e vá publicando excertos de interesse público, pode ser, não sei, seria uma forma participativa...
Com os melhores cumprimentos
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