Salvo melhor opinião, o problema das ciclovias na cidade deve ser resolvido não só com planeamento integrando todos os modos de transporte aplicáveis, mas com o estudo de dados concretos da sinistralidade, da atualização permanente do código da estrada, da eficiência espacial e energética dos modos de transporte e, naturalmente, das análises de custos benefícios.
A discussão da sinistralidade exige a contagem eficiente dos veículos-km (ou pessoas-km) para determinação do número de fatalidades e de feridos graves por mil milhões de veículos-km e sua comparação com os outros modos e controle da evolução.
Infelizmente, não estão disponíveis estatísticas atualizadas com discriminação suficiente por modo de transporte (por exemplo, separando os acidentes com bicicletas, com trotinetas, skates ou monociclos).
Esta situação, juntamente com a ausência de campanhas publicitárias com os procedimentos corretos para a circulação segura, impede a tomada de decisões o planeamento certos.
Exemplo de estatísticas disponíveis:
- relatório de sinistralidade a 24h da ANSR (multiplicar o número de vítimas mortais por 1,3 para obter as vítimas mortais a 30 dias) de janeiro a julho de 2021 comparada com igual período de 2020; na página 17 a sinistralidade por distrito e nas páginas 18 e 19 a sinistralidade por categoria do veículo; não estão disponíveis as vítimas mortais em velocípedes, nem os veículos-km percorridos, o que aliás acentuaria o peso dos acidentes dos velocipedes, ciclomotores e motociclos quando comparados com os dos automóveis:
- relatório de sinistralidade da ANSR de 2019; mais pormenorizado, com comparções com países europeus; na pág.130 a estatística de vítimas mortais por tipo de veículo
- relatório de sinistralidade da ANSR do distrito de Lisboa de 2018; na página 11 o número de vítimas mortais por tipo de veículo (3 em velocípedes e 3 em ciclomotores)
- relatório de 2018 da ANSR para o continente,
retira-se 24 ciclistas como vítimas mortais a 30 dias no Continente (infelizmente, as mortes em acidentes são superiores às contabilizadas no local e no transporte para o hospital). Considerando a população da AML, 2,8 milhões, que realizam por dia cerca de 5 milhões de deslocações em veículos e admitindo por ano 5 mortes na AML e que 2,5% do total de deslocações é feita em bicicleta com percurso médio de 15 km estimo 9 mortes de ciclista por mil milhões de pass-km. Este valor é superior ao das mortes em automóvel (3 por mil milhões) e inferior em motos e motociclos (50 por mil milhões!) e contraria a falsa sensação de segurança que o artigo pretende passar (embora, efetivamente, aumentando o percurso médio e o número de utilizadores o indicador de risco melhor se, e só se, o número de acidentes não aumentar).
No relatório do inquérito à mobilidade IMOB 2017 os valores para as deslocações em bicicleta foram: 0,7% do total de deslocações com percurso médio de 8,9km, admitindo-se entretanto um crescimento acentuado.
Segundo o relatório de 2020 da DG MOVE da Comissão Europeia, a posição de Portugal na sinistralidade rodoviária na EU-27 é em 22º lugar com 68 vítimas mortais por ano por milhão de habitantes (média da EU-27, 52) ou 19º lugar com 7,2 vítimas mortais por ano por mil milhões de passageiros-km (média da EU-27, 5,4) .
Estes números revelam a gravidade das consequências dos acidentes para os utilizadores vulneráveis (peões e ciclistas) e a necessidade de campanhas eficazes de redução da sinistralidade, sendo certo que a própria EU necessita de melhorar os seus números. Embora a ANSR tenha campanhas em curso, duvida-se da sua eficácia, provavelmente por carência orçamental.
Ainda segundo esse relatório (os números são ligeiramente diferentes dos da ANSR devido ao critério de registo das vítimas mortais a 24h ou a 30 dias (este mais realista) em 2018 das 700 vítimas mortais 163 foram peões. Dos 537 restantes, 238 foram condutores ou passageiros de automóveis ligeiros e pesados, 112 de motos (é enorme o risco dos utilizadores de motos), 42 de ciclomotores (ignoro se inclui os utilizadores de trotinetas, bicicletas elétricas e vários com motor auxiliar) e 26 ciclistas.
Notar que os valores da sinistralidade em motos é catastrófico e em automóveis inaceitável.
- relatório da CML sobre contagens de bicicletas em 2020:
- folheto da CML com alguns dados, março de 2021:
https://www.lisboa.pt/fileadmin/cidade_temas/mobilidade/documentos/Como_Pedala_Lisboa.pdf
Para ter uma ideia da utilização real da ciclovia da Av.Almirante Reis fiz uma contagem de todos os veículos num ponto da avenida, entre as 17:30 e as 18:00 do dia 26out2021. Em cada sentido, passa 1 bicicleta por minuto e uma trotineta em pouco mais de 2 minutos (estimativa 122 bicicletas por hora e 1220 por dia nos dois sentidos). O tráfego automóvel é cerca de 5 vezes e numa estimativa grosseira, o tráfego do metro cerca de 40 vezes em termos de pessoas transportadas (intervalo de 6 minutos, 40 passageiros por carruagem):
PS em 24nov2021 - de forma muito grosseira, estimo 90 veículos (bicicletas, trotinetas e skates) por hora de ponta e sentido (intervalo de 40s entre veículos) e admitindo 2,5k para o comprimento da ciclovia, temos na hora de ponta 36 veículos/km ou uma distancia média entre veículos de 28m ou velocidade média de 2,5 km/h .
Comparando com a informação veiculada pela EMEL que de 7jul2021 a meados de nov2021 tinham sido contados 2,3 milhões de passagens de veículos nos 3 sensores dos 120 km de ciclovias, teremos
2.300.000/135 dias = 17.000 veículos/h e dois sentidos ou 8.500 veículos/h e sentido
admitindo 850 veículos/hora de ponta e sentido (intervalo de 4,2 s) teremos
850/120 = 7 veículos/km na hora de ponta, ou distancia média entre veículos de 140m
Não há coerência nestes números para o conjunto das ciclovias porque significaria uma velocidade média de cerca de 110 km/h, isto é, os 120 km não foram utilizados uniformemente.
Mais uma razão para insistir no pedido (em termos de engenharia de tráfego será exigência de controle da sinistralidade) de elaboração rigorosa das estatísticas de utilização, de preferência em termos de veículos-km e número de deslocações, e de classificação dos acidentes e suas consequências.
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