Assunto: o metropolitano em Loures, o terminal da Bobadela
Caro Presidente
Antes de mais, queira aceitar as minhas felicitações pela sua eleição.
Provavelmente recordar-se-á de mim num debate em Odivelas onde apresentei a minha análise da expansão do metro e a crítica à linha circular decidida pelo XXII governo apesar da consulta pública ter registado uma significativa maioria de oposição, nomeadamente por grupos representativos de moradores em Telheiras, Lumiar , Odivelas ou Loures.
Será inoportuno da minha parte vir neste momento colocar-lhe aspetos de várias problemáticas associadas à sua câmara pedindo a sua atenção para eles, numa altura em que naturalmente estará assoberbado com as suas funções. No entanto, reconhecendo que a habitação e a saúde serão os temas mais importantes, considero ainda importantes os temas que exporei a seguir, solicitando que peça aos seus assessores para os terem em conta.
1 - metropolitano
No momento presente decorrem já as obras dos lotes 1 e 2 da linha circular e em vias de começarem no lote 3 (viadutos de Campo Grande), embora ainda não tenha sido instalado o estaleiro e no lugar da obra estejam bilheteiras provisórias das rodoviárias.
Se a discussão técnica sobre a linha circular e o troço do 1º lote, Rato-Cais do Sodré, pode aceitar-se, apesar do escusado enfrentamento das dificuldades construtivas na colina da Estrela e na Avenida 24 de julho, já o lote 3 constitui uma agressão paisagística e um atentado à arquitetura da estação que, só por si, justificariam a anulação do respetivo contrato. Este aliás, será legalmente um nulo jurídico por o respetivo contrato ter sido assinado em 2020, um ano em que a lei 2/2020, do orçamento, mandava o metropolitano suspender a construção da linha circular.
Por essas razões, é válida a proposta de transformar a linha circular em linha em laço (que aliás foi o que aconteceu em Londres, em 2009), cabendo aos juristas o encontro de soluções para negociar a resolução do contrato, de valor inferior a 20 milhões de euros.
Tomo a liberdade de propor ao senhor presidente que apoie esta proposta, no interesse dos seus munícipes, que manteriam o acesso direto ao centro de Lisboa ( a solução "partilha" da linha de Odivelas com a linha circular tem os inconvenientes de aumentar o intervalo entre comboios na própria linha circular , agravar ainda mais o intervalo na linha de Odivelas e criar pontos de interseção dos comboios das duas linhas)
2 - metro ligeiro Odivelas-Hospital Beatriz Angelo e Odivelas-Infantado
Como V.Exa disse na entrevista ao Público de 20 de outubro de 2021, o mérito do prolongamento do metropolitano até Loures deverá ser creditado a Antonio Costa.
Não há dúvida nenhuma de que o mérito da extensão a Odivelas é de Antonio Costa, com a corrida de burro ganha ao Ferrari, mas lamento ter de contestar a sua afirmação.
O metropolitano não é prolongado a Loures, é antes construida uma linha de elétrico ("tramway"), a que pomposamente chamam LRT (light rail transit, ou metropolitano ligeiro). Que nalguns troços o será, mas não na totalidade.
Segundo as definições internacionais, que não se compadecem com localismos, para levar a classificação de metropolitano ligeiro necessitaria que as suas vias não sejam pisadas, no sentido longitudinal, por qualquer outro veículo (isto é, deverão ser vias segregadas), que só poderá cruzar as vias em cruzamentos semaforizados que dêem a prioridade ao LRT. Não consta que seja isso que vai construir-se em Loures, apesar de, por exemplo, na ligação Odivelas-Hospital Beatriz Angelo haver um troço em túnel, sob a A40, de 1,8 km. Eu diria que o correto seria fazer todo o percurso de 5 km desde a estação de metro de Odivelas em túnel, como prolongamento efetivo desta linha de metro. Os custos adicionais seriam compensados pelos ganhos de tempo no percurso (velocidade comercial mais elevada no modo metro no que no modo LRT devido a não ter constrangimentos de transito) se valorizarmos a hora dos passageiros.
Relativamente ao percurso estação de metro de Odivelas-Infantado, deverá ser projetado de modo a poder integrar-se no futuro na linha circular externa de LRT prevista no PROTAML de 2002 (cujo processo de revisão parou),Algés-Loures-Sacavém.
São duas sugestões que deixo, o túnel Odivelas-Hospital e a integração na linha circular externa.
3 - modos complementares
A quem quiser assistir aos seminários sobre mobilidade, enchem-lhes os ouvidos com as virtudes dos modos suaves complementares (bicicletas e marcha a pé) e com as potencialidades da informática (conetividade, mobility as a service). Na verdade, o metro e o LRT não podem, havendo limitações financeiras que impeçam o apertar da malha das redes de transporte estruturais, assegurar o transporte das pessoas de e até próximo das suas habitações. No concelho de Loures isso é crítico, dada a anarquia das urbanizações de génese ilegal, sem artérias suscetíveis de utilização pelo LRT e de topografia acidentada. Os eixos principais ou estruturais deverão ser servidos por modos auxiliares, como miniautocarros que liguem eixos radiais e frotas partilhadas de aluguer de autos ou bicicletas, com parques integrados nas estações. Dado o acidentado da topografia do concelho, poderá pensar-se também em funiculares e em teleféricos.
Tomei a liberdade de enviar ao seu antecessor um pequeno estudo com hipóteses de um outro modo auxiliar, o transporte autónomo a pedido, em cabinas em percursos segregados com 4m de largura (em inglêd PRT - personal rapid transit).
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/05/mensagem-enviada-ao-presidente-da.html
Trata-se de uma solução de forte componente informática (requisição por internet ou por consola nas estações ou locais definidos, sensores para marcha autónoma, via segregada). Embora já existam em número significativo linhas de PRT, com um exemplo em Cascais/Universidade de Carcavelos, a sua implementação na AML exigirá rigoroso estudo e colaboração com os fabricantes. Deixo a sugestão das câmaras da AML se interessarem pelo assunto.
4 - Prolongamento do metropolitano a Sacavém
Desde 2009 que o governo central promete à câmara de Loures a extensão do metro a Sacavém (o célebre mapa com a linha circular e prolongamentos às periferias). O que lá se propunha era uma bifurcação na estação de Moscavide da linha vermelha, um ramal para o Aeroporto, outro ramal para Sacavém:
Promessas mais recentes, conceito do LIOS, propõem outra solução, linhas de "tramway" à superfície, como aliás é do conhecimento dos serviços técnicos da câmara de Loures:
Pessoalmente, reconheço que os 3 km de prolongamento de uma linha de metro a sério até Sacavém é um investimento elevado, da ordem de 200 milhões de euros, incluindo uma solução de desconexão da linha do aeroporto (a seguir para o Parque das Nações) e da linha vermelha da Gare do Oriente para Sacavém, conforme o ponto 1.2 desta mensagem que enviei ao seu antecessor:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/sugestoes-para-expansao-do.html
Sobre esse prolongamento se rebateriam os modos complementares anteriormente referidos, que poderiam incluir linhas de "tramway" onde os elétricos não fossem demasiado perturbadas pelo transito.
É outra sugestão que deixo, comparar com a solução do LIOS, considerando a diferença de velocidades comerciais.
5 - Futuro do terminal da Bobadela e terrenos da foz do Trancão previstos para a Jornada Mundial da Juventude
Na entrevista ao Público de 20 de outubro mostra preocupação com as JMJ e tem razão para isso. Uma análise de riscos feita de acordo com a lei conclui que prever 2,5 milhões de pessoas para a zona da foz do Trancão e para os terrenos atualmente ocupados pelo terminal da Bobadela, entre a linha férrea e o IC12 corresponde a um risco intolerável (por cada milhão de pessoas concentradas, deverão ser deixadas livres passagens de fuga com 2.000 metros de largura, com a agravante de no caso da Bobadela essas passagens terem de ser em passadiços sobre a linha férrea e o IC12). Ver, p.f.:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/10/a-entrevista-de-jose-sa-fernandes-e.html
A prudencia aconselharia procurar outro sítio para a realização das JMJ.
Adicionalmente, o despejo já determinado pelo governo dos operadores de contentores na Bobadela, vai causar uma perturbação na economia do porto de Lisboa. A deslocalização para Castanheira do Ribatejo é viável evidentemente, mas os custos de operação serão maiores (maior distancia ao porto de Lisboa) e a perturbação nas cadeias de abastecimento e na economia dos operadores muito grande.
A prudencia aconselharia também neste caso o estudo do aproveitamento de algumas áreas do terminal para continuarem a funcionar como tal, passando as restantes a desempenhar funções de lazer, como a câmara de Loures há muito pretende. Mas eliminar uma atividade económica eficiente não deveria ser objetivo da câmara.
É a sugestão que deixo, ponderar os riscos para a JMJ e a conservação de parte do terminal.
Termino formulando votos de felicidades pessoais e de realização nas suas funções.
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
Referências:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/07/arranque-do-metro-ligeiro-pelo-senhor.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/05/mensagem-enviada-ao-presidente-da.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/10/mais-um-protocolo-das-camaras-de-loures.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/08/tres-camaras-da-aml-anunciaram-uma-nova.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/sugestoes-para-expansao-do.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/02/planeamento-estrategico-na-area.html
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/10/a-entrevista-de-jose-sa-fernandes-e.html
PS em 25 de fevereiro de 2022 - No seguimento de comunicação pela câmara de Loures propondo uma reunião, fomos recebidos, Paulo Bernardo de Sousa e eu próprio, em 23 de fevereiro, pelos senhores Adjunto da Presidência João Pedro Dinis e vereador do Planeamento Nuno Dias, tendo eu enviado o seguinte email no seguimento dessa reunião:
Caros Senhores
Cumpre-me agradecer o acolhimento na concessão da entrevista com Paulo Bernardo de Sousa (movimento "contra o fim da linha amarela") e comigo próprio, sobre a expansão do metro de Lisboa e o sobre o terminal da Bobadela e as JMJ.
Embora não seja já possível alterar o facto consumado da construção da linha circular, nem, previsivelmente, a adoção de um sistema de tramway entre a estação de Odivelas do metro e o Hospital Beatriz Angelo (privando assim Loures dum meio pesado ferroviário que asseguraria a correspondência com quem se desloca de automóvel da região oeste) a entrevista e a documentação entregue serviram para, no exercício do direito constitucional de livre expressão e participação nos assuntos públicos, evidenciar as deficiências técnicas do plano de expansão de 2009 , o prejuízo para os moradores de Odivelas e Loures (privados da ligação direta à zona central de Lisboa) e as incorreções processuais na aprovação da construção da linha circular que motivaram a queixa junto da Provedoria da Justiça e do departamento de Contencioso do Estado.
Agradecemos na verdade a troca franca de argumentos, nomeadamente o reconhecimento de que tanto a linha circular como a linha chamada de metro de superfície não são a melhor solução, antes um mal menor do que a ausência de ação. Foi mostrada a comparação entre as linhas circulares de Madrid e de Lisboa e aventadas hipóteses de correção pós construção da linha circular.
Infelizmente, apesar das disposições constitucionais já citadas de direito à participação nos assuntos públicos e de reserva exclusiva do ordenamento do território para a Assembleia da República, continua a verificar-se secretismo no estudo do prolongamento da linha vermelha a Alcântara (ainda não enviado o EIA à APA, se bem que a experiência anterior diga que as objeções relevantes serão consideradas como "fora do contexto") e na pormenorização dos traçados do chamado metro de superfície estação de metro Odivelas-Hospital B.Angelo e Infantado. Sobre este assunto chamei a atenção para que já estando previsto um túnel de quase 2 km no primeiro traçado, os ganhos de tempo para os passageiros e de poupança de combustível do transporte individual (se parque dissuasor junto da CREL e do Hospital) justificariam o traçado completo em metro subterrâneo (economia adicional de energia reduzindo o desnível por ser um percurso subterrâneo). Igualmente se deve referir que a ligação estação de metro de Odivelas a Infantado deverá evitar o mais possível as interferências com o tráfego rodoviário recorrendo a viadutos e ao desvio do tráfego rodoviário.
Julgo ter deixado claro que a minha intervenção se cinge à colaboração e apoio aos cidadãos que justamente se consideram prejudicados, como técnico da especialidade em manutenção e planeamento de linhas de metro, em oposição às opções técnicas adotadas, independentemente de quaisquer motivações políticas.
Agradeço ainda a oportunidade de insistir nos riscos da realização das JMJ nos terrenos confinados pela via férrea e via rápida (agradeço a informação que será suspenso o transito nestas vias durante o evento, parcialmente no caso da via férrea, o que o encarecerá e criará um precedente que dificultará a recusa de colaboração com outras confissões religiosas, apesar da separação constitucional do Estado e das religiões), pelo Tejo e o Trancão, por uma ETAR e por ruas de pequena capacidade.
A necessidade de executar análises rigorosas de segurança conforme os limites da portaria 135/2020 é essencial (esperada uma afluência de 1,5 milhões de pessoas, uma unidade
de passagem de evacuação por cada 300 pessoas requer 3000m de largura
para as saídas de emergência), considerando as tragédias ocorridas em eventos como os de Duisburg festival Love Parade(2010), peregrinação a Meca (2015), Mount Meron em Israel (abr2021) e Houston festival Astroworld (nov2021) que tiveram origem não em ataques de pânico mas na movimentação aleatória das multidões que pode criar (pode, não é deterministas, a probabilidade de ocorrência não é determinada fora da experiencia histórica) compressões incomportáveis entre os seus membros e é esse acidente que depois gera e amplia o pânico.
Dado o envolvimento da própria presidência da República e das presidências das câmaras de Lisboa e de Loures e de um aparente excesso de confiança no mesmo dia 23 de fevereiro, conforme a reportagem da visita ao local, propõe-se uma ampla divulgação das medidas de segurança a garantir, sabendo-se que neste eventos é muito difícil evitar o excesso de afluência.
A considerar ainda o prejuízo económico da deslocalização do terminal de contentores (300.000 movimentações por ano) que, a ser executada na totalidade, sem partilha de espaços entre o terminal de contentores e a desejada zona de lazer, poderá conduzir a um triunfo das cigarras sobre as formigas, em vez da proveitosa convivência entre elas.
Formulando votos de sucessos na Câmara de Loures, apresento os melhores cumprimentos
Documentação entregue:
Nova mensagem referindo o acidente de Yaundée em janeiro de 2022:
Caros Senhores
No seguimento ainda da nossa conversa de 24 de fevereiro
sobre as JMJ, reconheço que a vossa câmara está a dar devida atenção aos
aspetos de segurança na preparação das JMJ. São do domínio público as intenções
de suspensão da circulação ferroviária e rodoviária na A30 durante o evento e
da utilização de drones para deteção precoce de movimentos potenciadores de
turbulência/ressonância de multidões. Não posso deixar de referir no entanto,
até porque desconheço o projeto, que o passadiço de 7 km e a ponte sobre o
Trancão serão em princípio locais de risco em função da afluência
esperada.
Reporto ainda mais um acidente em eventos desta categoria,
no estádio de Yaundé, num desafio do campeonato de futebol de África em
24jan2022. O estádio, de lotação para 60.000
pessoas nem sequer tinha a lotação máxima, mas um dos portões de acesso
(para borlas?) que estava fechado no início do jogo foi aberto e nas
movimentações subsequentes ocorreu o esmagamento de pessoas caídas com 8 mortes.
Em resumo, o acidente terá acontecido por falta de preparação do acesso ao
estádio, falta de deteção precoce do risco e falta de pessoal para supervisão
contínua e de intervenção.
Junto ligação e duas fotos do local do acidente.
Com os melhores cumprimentos
https://www.ndtv.com/world-news/africa-cup-of-nations-cameroon-stadium-reckless-opening-of-gate-blamed-for-deadly-stampede-at-africa-stadium-2736244