terça-feira, 14 de julho de 2009

Vietnam, Vietnam ... Afeganistão, Afeganistão ...

A imagem que reproduzo é a do monumento inaugurado em Washington para homenagear as vítimas da guerra do Vietnam, nos 50 anos das primeiras vítimas americanas.
Morreram 59 mil norte-americanos e 2 milhões de vietnamitas.
Para além das mortes, ficaram registados os efeitos das bombas napalm, dos desfolhantes laranja e das dioxinas.
O principal ideólogo da guerra foi o secretário de Estado Robert Mc Namara.
Argumentava-se na altura que era preciso conter o perigo vermelho.
Se utilizarmos critérios meramente economistas, dir-se-ia que era preciso evitar que os meios de produção do Vietnam fossem predominantemente públicos.
Se utilizarmos conceitos adam smithistas, dir-se-ia que era preciso garantir a liberdade económica e a iniciativa privada.
Diriam uns, na altura, porque outros sempre consideraram a guerra do Vietnam uma agressão, e erradamente fundamentada, mesmo com aqueles pressupostos.
Porque outros, na altura, exprimiam claramente a sua oposição à guerra e cantavam “All you need is love” e passeavam o símbolo da paz “Make love not war”.
Os filhos da burguesia do nosso país, já ameaçados pela nossa guerra colonial, apanhavam o avião para Londres e assistiam ao musical Hair e à sua representação da crucificação de mais um soldado norte-americano vítima da guerra (www.youtube.com/watch?v=EhbxI5eVnM4).
When the moon is in the Seventh House
And Jupiter aligns with Mars
Then peace will guide the planets
And love will steer the stars
Era o tempo em que os filhos da nossa burguesia (alguns, claro) contemplavam maravilhados o movimento da primavera marcelista, ouvindo os nossos economistas falar sobre o fim do condicionamento industrial, sobre a necessidade de canalizar os meios desperdiçados com a guerra colonial para a reindustrialização do país: Alqueva, o porto de Sines. Mas o doutor Marcelo preferiu dar ouvidos, receoso, à parte da tropa que ficou conhecida como brigada do reumático, que estava desligada da realidade, e que não gostava de canções de intervenção.
Por isso os filhos da nossa burguesia se deixavam encantar pelos cantores de intervenção contra a nossa guerra colonial e contra a triste ideologia que insistia na sua manutenção: José Afonso, Adriano, Fanhais, José Mário Branco, Manuel Freire, José Jorge Letria, Intróito, Fausto, Ary dos Santos.
Os crentes das virtudes quase divinas do adam smithismo sempre tiveram alergia aos cantores de intervenção. A polícia política da altura também lhes tinha alergia. Também os proibia de cantar nas pequenas colectividades de cultura e recreio por esse país fora.
Até que ponto este pequeno e discreto movimento contribuiu para abrir os olhos aos tenentes e capitães que executaram a revolução de 25 de Abril? Curioso, ter havido um espectáculo com os cantores de intervenção no Coliseu dos Recreios, em 30 de Março, menos de um mês antes… registado no relatório da polícia política como sem problemas.
E como o código genético dos norte-americanos é o mesmo do nosso, também a guerra do Vietnam teve um fim.
O ideólogo Mc Namara teve depois tempo para analisar o que tinha feito e escreveu, 30 anos depois:
“Estávamos horrorosamente enganados”.
Este facto é extremamente importante na história do século XX. O reconhecimento, a trinta anos, do erro da guerra.
Mc Namara compreendeu finalmente que as guerras se ganham na economia (quanto mais não fosse por razões etimológicas: oikos, a nossa casa), com os povos a produzirem e a trocar. Não com dioxinas teratogénicas.
Mas o mal estava feito.
O problema é que continua a fazer-se.
Sintetizando, havia umas pessoas com poder de fazer a guerra em 1959 que a queriam fazer e fizeram.
Havia outras pessoas que não queriam que a guerra se fizesse e passaram os anos seguintes a protestar até que a guerra acabou.
Mais uns anos, e as pessoas que tiveram o poder para fazer a guerra reconheceram que estavam erradas.
Dir-se-ia que estamos todos de acordo.
Mas não, o embuste continua, porque já chegámos todos à conclusão de que a guerra do Iraque foi um erro (não havia as tais armas de destruição maciça, pois não? Foi embuste) embora para isso tivesse sido preciso eleger como presidente dos USA uma pessoa que fosse dessa opinião, mas, e o mas é do tamanho do planeta Terra, mas agora temos a guerra do Afeganistão.
Bom, sintetizando outra vez, agora temos umas pessoas que têm o poder de fazer a guerra e dizem que tem de se fazer a guerra do Afeganistão.
E há outras pessoas que continuam a usar o símbolo e o lema da Paz, “Make love, not war”, e pedem o fim da guerra.
Claro que quem defende o fim da guerra do Afeganistão é agora acusado de tudo.
Mas já temos tanta experiência de sermos acusados de tudo… confesso que corremos o risco de cair no erro do método indutivo: apesar de na situação “n” estarmos certos em condenar a guerra “n”, e no momento “n+1” voltarmos a estar certos em condenar a guerra “n+1”, é sempre possível que na situação “n+j” estejamos agora errados.
E contudo, como é possível haver uma guerra justa? E muito menos santa, claro. Não é verdade que se ensina nas Academias militares que os soldados existem para defender, não para atacar? Podemos divergir na interpretação do que é defesa. Por exemplo, uma granada defensiva está programada para matar num raio superior ao do raio de uma granada ofensiva. Dir-se-ia que será mais uma razão para ninguém atacar ninguém.
Além de que “j” está tomando uma grandeza colossal.
Permitam-me recordar.
1 - Benjamim Franklin foi nomeado embaixador dos jovens USA em França, no período revolucionário. Os sucessivos relatórios que enviou para Washington foram classificados como irrealistas (será que a análise de Henrique Granadeiro é de aplicação mais abrangente do que parecia? Que desempenhar cargos governativos afasta do contexto e da realidade?), até que surgiu a ordem de demissão do embaixador. O comportamento do governo dos USA prejudicou ambos os países, a França e os USA.
2 – o embaixador dos USA em Angola, antes de Novembro de 1975, recomendou insistentemente ao seu governo que apoiasse o MPLA. Gerald Ford e Henry Kissinger acharam que não podia ser porque no MPLA eram todos comunistas. Uma das consequências deste afastamento da realidade foi a guerra civil de Angola.
3 – quanto ao Iraque, é do domínio público. Não havia as tais armas de destruição maciça, havia sim a necessidade de obtenção de petróleo (é do domínio publico a ligação da família do vice-presidente dos USA da altura à empresa de comercialização do petróleo iraquiano), que é de facto um problema fundamental para qualquer povo. Para além das mortes de soldados das forças de intervenção e dos civis e soldados iraquianos, existe outro dano irreversível que parece perseguir os exércitos americanos: perdeu-se uma parte demasiado grande do património do Museu de Bagdad. O valor do que se perdeu, só por si, justificava não se ter feito a guerra. O irónico é que em universidades dos USA existem especialistas do património histórico que são desta opinião. No próprio exército de intervenção houve oficiais que conseguiram salvar alguma coisa. Mas o balanço geral, do ponto de vista museológico, é uma catástrofe (recordo aqui que os edifícios de Pompeia foram danificados, por ordem crescente de destruição: 1-pela erupção do Vesúvio no que não foi conservado pelas próprias cinzas, 2- pela intervenção popular ao longo dos séculos, 3-pelo terramoto que ocorreu poucos anos antes da erupção, 4-pelo bombardeamento pela aviação aliada em 1943).
Como foi possível bombardear as ruínas de Pompeia?
Como foi possível destruir parte do Museu de Bagdad, memória do nascimento da nossa cultura? (revejam os manuais de história: a nossa civilização nasceu centrada entre os dois rios Tigre e Eufrates; isso é sagrado para qualquer especialista nas universidades dos USA).
Então, para que “j” não me deixe ficar mal, tenho de fazer votos para que os historiadores das universidades dos USA expliquem ao seu presidente o teorema dos imperadores romanos:
A distancia das fronteiras do império à capital é definida pela quantidade de energia alimentar (recorda-se que na altura o factor de produção mais importante era a escravatura que dependia da alimentação) que pode retirar-se do interior das fronteiras e distribuir pela população do império, versus a energia militar necessária para conquistar e manter as fronteiras.
Isto é, só deviam ampliar-se as fronteiras se a energia cerealífera que pudesse retirar-se dessa ampliação fosse superior à energia necessária para manter os exércitos e a paz das populações no interior das fronteiras mais a energia necessária para transportar e distribuir a energia cerealífera.
Então, novamente então, talvez os historiadores das universidades dos USA consigam convencer o seu presidente que só é útil, do ponto de vista energético, ocupar o Afeganistão se, e só se, a energia que se retirar dessa ocupação for suficiente para pagar o esforço militar e beneficiar as populações ocupada e dos USA.
A experiência da história universal ensina que raramente (outra vez o problema da incompletude de “j”, i.é, como poderei demonstrar que se “n” é, se “n+1” é, então “n+j” também é?) um esforço militar desta ordem não provoca uma pressão inflaccionista insuperável.
No caso do Afeganistão essa pressão será naturalmente extensiva aos aliados.
Até ao momento em que Washington se convencerá de que a situação será insustentável e dirá: “estávamos enganados”.
“Horrorosamente enganados”. Com consequências irreversíveis.
Horrorosamente, também, pobre Afeganistão.
Porque as suas professoras são assassinadas nas escolas.
Porque as suas mulheres polícias são assassinadas nas ruas.
Porque as meninas são assassinadas no percurso para a escola.
Porque os assassinos só serão vencidos quando uma nova geração for educada acreditando que as mulheres têm direito à educação. As mulheres e os homens. Perde-se tempo com a guerra, quando o problema é de escolas. De escolas onde se ensine que Khadidja (primeira mulher de Maomé) e Aisha (a última mulher de Maomé) eram mulheres livres e instruidas, como todas as mulheres muçulmanas devem ser. Para que todos possam cumprir a lição de todas as guerras anteriores: que é necessária a Paz para produzir e trocar os bens.
Esse, o das escolas, é que deve ser o teatro de operações.
Não a guerra.
Pode ser que os historiadores das universidades dos USA consigam explicar isso.
Ou será que agora, finalmente, sou eu que estou enganado, e o problema não tem mesmo solução? Que estamos perante uma incompletude trágica?







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