O estranho caso da GM mostra como é mesmo estranho o mundo dos automóveis.
Quando seria de esperar uma racionalização e uma contenção nos custos dedesenvolvimento e nos consumos, eis que que os grandes fabricantes aumentam a potência dos seus novos modelos. Isto é, convertem as melhorias de eficiência energética em desperdício por maiores acelerações.
Isto a propósito da nacionalização da GM. A partir de hoje, a GM norte americana passa a ser propriedade do governo americano (60%), do governo canadiano (12%) e de sindicatos de trabalhadores (18%).
Há uma analogia com o estranho caso de Benjamim Button. A GM em vez de envelhecer, rejuvenesce, chega aos tempos de Marx e nacionaliza-se. Ainda por cima com um brinde quase cooperativo (mais parceria) de dar sociedade aos sindicatos.
Como se costuma dizer, o que é bom para a General Motors é bom para os USA.
Logo, nacionalize-se, abram-se parcerias com os trabalhadores (será uma sugestão para a Auto-Europa?) e internacionalize-se a posse dos factores de produção (neste caso veja-se a detenção pelo governo chinês de obrigações do Tesouro dos USA).
Como estão calados os arautos que ainda há pouco mais de um ano escreviam nos jornais que o Estado tinha de se ir embora (deixa o menino dormir um soninho descansado?). Nunca perceberam a diferença entre Estado e comunidade. E é a comunidade que deve organizar-se no seu próprio benefício e tomar posse dos meios de produção sempre que isso for do seu interesse. Porque diabolizaram a palavra Estado? (talvez porque efectivamente está sujeita ao desfrute e à violação por grupos de políticos e de quem tenha dificuldade em “conhecer os contextos e as realidades “ – passe o modesto tributo a Henrique Granadeiro).
Mas não estou contente. Estou quase como a noiva de segunda escolha. Não era assim que eu queria ver uma empresa como a GM nacionalizada. Foi preciso a noiva da primeira escolha, a do sub-prime, do Madoff e dos off-shores ir dentro, por um tempo superior ao prazo de frescura da noiva, para o governo dos USA desposar a GM.
Ora, ora, nada que a Tatcher não tenha feito em plena euforia neo-liberal dos anos 70, a nacionalizar parte da Chrysler inglesa e da BP.
Mas não é esse o cerne da questão. O problema é que a nacionalização da GM tem todo o aspecto de ser a socialização dos prejuízos para ver se ainda pode privatizar-se algum benefício.
Para já, a GM europeia, amputada da casa mãe, está na praça da jorna, em leilão: ou fica para os canadianos da Magna, ou vai para os chineses, para transferência de tecnologia seguida de fecho (foi precisamente o que aconteceu à Rover há uns anos, depois de terem vulgarizado o motor de gasolina de 1400 cc de maior rendimento; fechou em Inglaterra, o caso está nos tribunais por suspeita de falência fraudulenta, e novos e clonados Rovers circulam animadíssimos na China. Na altura, todos os jornalistas arautos do neo-liberalismo convenceram os seus leitores de que as empresas que não conseguiam lucros deviam fechar; uns leitores convenceram-se e outros não).
O problema é mesmo grande, porque o que se está a socializar no caso da GM é uma estratégia de produção de automóveis que ainda não quer ver que tem de ser radicalmente alterada no sentido não apenas da eficiência energética, mas da economia de energia.
Os automóveis não deviam ser modelos apelativos que convidam a acelerar (começam a aparecer modelos de marcas de luxo que, mesmo sem serem híbridos, conseguem rendimentos energéticos muito bons graças à geração de energia eléctrica durante as travagens que vai carregar uma bateria responsável pela alimentação da parte eléctrica do automóvel, e graças à desligação do motor quando parado. Mas a potência do motor é tal que o convite a acelerar e gastar energia em valor absoluto é irresistível).
A coisa até é perversa. A Toyota conseguiu que o Prius seja o modelo mais vendido no Japão. Por ser o modelo mais eficiente energeticamente? Infelizmente não, porque o motor diesel neste momento tem melhores rendimentos e o Prius é de gasolina. Mas porque o governo japonês prescindiu de impostos. Até no Japão a Ciência é deixada de fora da equação graças à força da Economia.
A triste realidade é que, apesar do crescimento da China e da Índia, por um lado não é sustentável (energética e ambientalmente falando) continuar a produzir tantos automóveis, e por outro, não há mercado para absorver a produção de tantas marcas diferentes e de tantos modelos apelativos (o vício que os economistas têm de querer sempre vender cada vez mais).
A opinião pública também não ajuda. Vai-lhe custar muito a aceitar que as velocidades máximas passem a ser nas cidades da ordem de 45 km/h (valor acima do qual a probabilidade de morte por atropelamento é quase 100%) e nas estradas de 80 km/h, e tudo com acelerações máximas da ordem de 1 m/s2 (que é como aceleram os comboios do metro). E se o presidente do ACP descobre que eu escrevo isto, expulsa-me do clube e contrata fotógrafos para me apanharem na auto-estrada para o Algarve a 160 km/h.
Mas pode ser que a opinião pública se vá modificando, à medida que o preço dos combustíveis subir, que o custo do estacionamento nas cidades aumente, que seja preciso pagar portagem para entrar em Lisboa, que os transportes colectivos de massas se desenvolvam.
Pode ser.
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