O signatário, munícipe com o ID 231131, tira o chapéu à excelência dos contributos para a Carta Estratégica de Lisboa e para o PDM de uma cidade do futuro.
Mas desde a sua insignificância (sua do munícipe 231131), manifesta a sua descrença e falta de confiança na eficácia da doutrina a que se chegou, pese embora o mérito do método SWOT seguido e dos seus participantes.
Talvez porque o nível a que a linguagem utilizada se alçou está para além da sua (sua do munícipe 231131) compreensão.
A presente missiva tem assim o ambicioso desígnio de o informar, senhor Presidente, que para alguns munícipes como eu existe este divórcio de linguagem entre uma realidade comezinha, dura e triste, que é a de a população do município de Lisboa ter baixado de 800.000 para 500.000 habitantes em cerca de 20 anos e de continuarem a morrer crianças em incêndios de prédios degradados e em acidentes de viação.
A tarefa para inverter estes factos é imensa, de facto; nem de perto nem de longe se lhe pode assacar, a si, que é uma pessoa bem intencionada, essa responsabilidade, mas falha-me o ânimo para acreditar que estejamos no caminho certo.
No fundo, as certezas e o ar seguro dos autores das intervenções ou dos textos-guia, sinceramente convencidos de que são boas as soluções que apresentaram, criam distancia relativamente aos destinatários.
E receio que a distância seja também à realidade (ou ao contexto, como piedosamente agora se diz, quando se vê alguém com responsabilidades públicas fazer afirmações de quem terá sido mal aconselhado).
Como poderá um plano intitulado “a coroa das novas centralidades” fazer-se realidade? Porque são excelentes projectos de arquitectura os seis projectos estruturantes? Uma arquitectura com “eléctricos rápidos”? Como poderá trazer de volta as empresas se os tribunais e os ministérios saem da Baixa? (ah! sim, a miragem do aproveitamento da desafectação dos espaços públicos… vejam a realidade, por cada serviço que sai da Baixa fecha um restaurante).
E para além dos seis projectos existe ainda a ameaça do terminal de cruzeiros de luxo no Jardim do Tabaco: tem de ser de luxo, primeira classe não chegava? O projecto é compatível com uma marginal rodoviária? (pergunto, porque não é obrigatório, em termos de PDM duma cidade capital, haver uma marginal rodoviária, mas não havendo, será obrigatória uma ligação rodoviária em túnel como já previa o plano director de 1962); e quando decidiram localizar o terminal de cruzeiros no Jardim do Tabaco rejeitaram definitivamente a utilização de Alcântara para isso? Pobre Almada Negreiros, a tua gare só serve para discoteca? Isto é, rejeitaram as conclusões de vários grupos de especialistas que concluíram pela localização correcta do porto de contentores no fecho da Golada, que até tinha a vantagem de acabar com a perda de areia na Caparica (ah! sim, o argumento de que custava muito dinheiro…só os ricos podem adoptar as soluções correctas…).
Como poderá uma carta estratégica vencer a nossa inércia crónica, a nossa incapacidade de compreensão da topologia da cidade, a nossa fé cega em que a próxima lei das rendas vai ser uma panaceia e o nosso marasmo um ano depois quando verificámos que a reabilitação foi uma palavra vã, a nossa dificuldade em nos organizarmos em equipas eficazes de trabalho para a reabilitação sem que nos surjam os reencarnados do Marquês de Pombal?
Como poderá uma carta estratégica ter sucesso se não consigo encontrar nela (espero que por incapacidade minha, que ela lá esteja) uma proposta de fusão de municípios da grande Lisboa?
Falha-me mais uma vez a confiança, agora na autoridade metropolitana, que não é a mesma coisa que a câmara de Lisboa agrupando as áreas hoje dispersas por vários municípios (sabia que há 100 anos havia uma câmara de Belém que abrangia Carnide? a tendencia sã é o agrupamento, não será?).
É verdade que desapareceriam os lugares de destaque autárquicos que premeiam os militantes dedicados, mas a teoria das sinergias talvez funcionasse. Não quererão experimentar o exemplo de Londres? Não sugiro o de Madrid, que me parece um pouco conflituoso e, como dizia o antigo presidente não executivo do metropolitano de Madrid, Manuel Melis, demasiado pomposo…
Como pode uma carta estratégica inverter a desertificação da cidade e melhorar a eficiência energética através dos transportes colectivos se não define as ligações indissociáveis entre o planeamento das redes de transportes urbanos ferroviários em sítio próprio, a política de educação dos jovens da cidade e periferia, e a política de urbanismo (isto é, em linguagem corrente: como resolver o paradoxo de termos andares de qualidade perto do centro de Lisboa, digo na Belavista, junto duma estação de metropolitano, de um parque verde maravilhoso apesar das agressões dos grandes espectáculos ao ar livre e das ameaças de construção de um hospital na linha de vista para o rio, de uma grande superfície comercial, e os cidadãos e cidadãs, apesar dos preços razoáveis, deixam os andares vagos e vão viver para a periferia por preconceito da marginalidade de Chelas?).
Assistiu o signatário a sucessivas intervenções do presidente da minha câmara municipal que, sinceramente, do ponto de vista técnico de transportes, me chocaram (provavelmente, eu terei uma sensibilidade de activação por pouca coisa), quando, possivelmente seduzido pelo museu d’Orsay, propôs o fecho de Santa Apolónia, ou quando se envolve em discussões de pormenor sobre a terceira travessia do Tejo em vez de questionar a incorrecção da sua implantação (não obstante o plano director municipal de 1948 ser muito claro na implantação: Poço do Bispo-Montijo), ou quando numa primeira fase critica o nó ferroviário de Alcântara, esse verdadeiro atentado à lógica integrada de transportes (a localização correcta do porto de contentores é no fecho da Golada; a ligação da linha de Sintra e do Estoril sobrecarrega a linha da cintura) e à técnica construtiva de estações subterrâneas (não bastou o acidente do túnel do metro do Terreiro do Paço?), para depois consentir.
Vem agora a minha câmara dizer que não quer agredir o subsolo e, por isso, vai dar prioridade aos “eléctricos rápidos” em detrimento do metropolitano.
Senhor presidente: vou invocar o novo estatuto do metropolitano de Lisboa, não para o incomodar com o incidente da omissão da CML, que certamente poderá resolver-se, mas chamar a atenção de que o metropolitano não explora só subsolo. Também pode ter os comboios a andar em viadutos (por exemplo, entre o Senhor Roubado e Odivelas, parte do glorioso trajecto em que o senhor presidente, montado num burro, ultrapassou o Ferrari - ou Maserati? abençoado burro - e prestou um serviço ao sistema de transportes e aos habitantes da grande Lisboa, ou até mesmo em trincheiras à superfície, como no Campo Grande (bom, terá de se gastar algum dinheiro com barreiras acústicas, mas é o que a Brisa faz sistematicamente, não é verdade?).
E sendo assim, sendo até que o custo da construção em viaduto é cerca de um quinto da construção em túnel, por que se insiste com a ideia dos “eléctricos rápidos”?
Será o exemplo do metro ligeiro do Porto? Já estudaram os acidentes ocorridos, entre atropelamentos e colisões, para não falar nas distracções dos automobilistas que investem pelos túneis em Gaia? E já repararam como várias linhas de eléctrico, quando chegam a um troço comum de túnel obrigam-se entre si a ter intervalos de frequência enormes?
Será o exemplo do metro ligeiro do sul do Tejo? em que o inquérito ao atropelamento mortal não conclui por uma coisa muito simples: o atropelamento ocorreu porque os decisores acharam que era preferível agredir o solo e os passantes do que agredir o subsolo.
Será que acha bem sujeitar os peões aos riscos dos “eléctricos rápidos”?
Não acredite, senhor Presidente, quando especialistas lhe disserem que é possível atenuar os riscos.
Não é.
A circulação à superfície, por mais “sítio próprio” que lhe esteja dedicado, será sempre fonte de colisões e de atropelamentos, e de atrasos devidos aos cruzamentos (o veículo ferroviário tem sempre de abrandar à aproximação porque tem distâncias de travagem superiores aos veículos de pneus).
Já há acidentes no metro clássico que não se conseguem evitar; no metro ligeiro ou “de eléctricos rápidos” muitos mais haverá. Não queira ser responsável por isso.
Peço-lhe, senhor Presidente, que aceite os melhores cumprimentos de um munícipe que neste momento se encontra muito desanimado com o futuro da cidade e que lhe deseja as melhores felicidades, à cidade e ao senhor Presidente.
Fernando Santos e Silva
R.Cipriano Martins, 12
1700-108 LISBOA
ID munícipe 231131
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