quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Gestionarium VI - A contratação pública

Noticia do dia 19 de Agosto de 2009: por razões de urgência, a partir de Janeiro de 2010 o programa de modernização das escolas está dispensado do cumprimento das regras da contratação pública e permite fazer ajustes directos.
Posso até concordar, mas já fundamentei ajustes directos com base em directivas europeias e não me foram autorizados. Daqui até Janeiro não havia tempo para fazer os cadernos de encargos? Possivelmente porque os quadros técnicos foram optimizados e agora não chegam para as encomendas? Poderiam recorrer a jovens técnicos free-lancers? Ou a gabinetes do costume? Não sei responder por falta de informação que deveria estar disponível e não está.

Tenho um historial modesto quanto ao volume das empreitadas por que fui responsável.
Nunca nenhuma ultrapassou os 4 milhões de contos (que é isso, comparado com os 60 milhões de contos da obra civil da estação do Terreiro do Paço do metropolitano de Lisboa…).
Nunca nenhuma atingiu 5% de "derrapagens financeiras".
Nunca por lá foram vistos "fumos de corrupção".

Em consciência (que raio de argumentação estou a utilizar) posso concordar com os ajustes directos para a modernização das escolas (quem verifica esses projectos de modernização, depois da sangria a que os quadros técnicos do funcionalismo público foram sujeitos? é que a validação popular dessa excepção às regras da contratação precisa dessa informação; além de que qualquer projecto deve ser verificado; adjudicamos a verificação a jovens técnicos free-lancers? Ou aos gabinetes do costume?).
Mas, também em consciência, não posso concordar com o tratamento diferente que me é aplicado quando me proíbem os ajustes directos.
A igualdade de direitos é para se cumprir. E quando as instituições não a cumprem, é uma pena, perde-se a confiança nas instituições.
Outra notícia do dia 19 de Agosto de 2009: a AICCOPN (Associação industrial de construção civil e obras publicas), ao fim de um ano de experiencia, acha que o código de contratação pública deveria ser alterado porque obriga os empreiteiros a identificar antes da obra começar os erros e omissões do projecto. Eles, coitados, que estão habituados a identificá-los a posteriori, para os tais trabalhos a mais.
E então acham que o que era bom era os projectos estarem muito bem feitos e terem as peças todas e todas muito exactas.
É uma pena pessoas com experiência dizerem destas coisas, porque o que a minha experiência diz é que é impossível fazer em tempo útil projectos perfeitos (viram, viram, o Governo também acha, ao isentar a modernização das escolas das regras da contratação pública).
Não é regulamentando à exaustão para que os projectos sejam exaustivos que se resolve isto.
Resolve-se com honestidade.
Um empreiteiro honesto, quando recebe uma consulta, só tem de dizer ao dono da obra: por esse preço, lamento mas não posso fazer com qualidade o que pretende; posso fazer o que tem no caderno de encargos, mas fica mal servido; vamos estudar as soluções em conjunto (as propostas de fornecimento deviam ser pagas, caso a dúvida tenha sido suscitada). E em ambiente de abertura (aliás previsto no código da contratação pública através de mecanismos de negociação que os burocratas se esforçam para que não sejam aplicados) negociar a proposta a adjudicar.
Evidentemente que os sábios que elaboraram o código, sem ouvir pessoas com experiência , não concordarão, mas é o que a minha experiência diz, a qual experiência tem pouca prática de “derrapagens financeiras”… Recordo a sessão em que um dos autores do código, aliás uma pessoa simpática, nos veio explicar a obra, no bom estilo missionário jesuíta no Japão do século XVI. Depois de uns pedidos de esclarecimento que lhe fiz, tive de dizer ao senhor que agradecia muito o novo código, mas não vinha resolver-me os problemas burocráticos que me dificultavam o avanço dos empreendimentos, e as facilidades que introduzia eram como a velhinha que estava a ser ajudada a atravessar, mas que não queria atravessar a rua. O senhor foi muito simpático, riu-se e disse que eu tinha de cumprir a lei. Depois admiram-se das coisas não andarem. Também , já viram o que diriam se saísse uma lei a dizer que as empreitadas se adjudicam e desenvolvem e fecham basicamente com honestidade?
Seria como se saísse uma lei a dizer que era proibido roubar…
Enfim, vamos tentando avançar, mesmo com as dificuldades burocrático-legais…

1 comentário:

  1. Carta enviada ao director do DN, depois de verificar que o tema atrai a atenção dos leitores:


    Verifico que alguns leitores têm focado o tema da contratação pública. Talvez o tema, pela sua importância económica, mereça tratamento de investigação jornalística especializada. Um dos leitores qualifica como sobre-humana a tarefa de conferência pelos concorrentes da lista de quantidades. Estaremos então de acordo, a preparação dessa lista de quantidades pelos técnicos ao serviço do dono da obra será também "sobre-humana", e daí as "derrapagens financeiras". Fui responsável por empreitadas de equipamentos numa empresa pública, de valores até 4 milhões de contos (preços de 1995), bem inferiores às grandes empreitadas de construção civil. No entanto, o que retirei da minha experiencia (nunca atingi 5% de desvio relativamente ao contrato) é que é preciso distinguir o essencial do acessório, e o essencial é que os comprimentos de cabos e o número de luminárias serão os necessários e suficientes para que sejam atingidos os lux (intensidade luminosa) necessários; o essencial não é escrever ao pormenor no contrato os comprimentos de cabos e o número de luminárias (sem prejuízo da responsabilidade deontológica e civil do autor do projecto, devidamente coberta por seguro obrigatório). O mesmo se aplica ao número de varões de aço; o essencial é garantir a sobrecarga do projecto. Claro que para que isto funcione é necessário experiência e conhecimento "da arte", e também honestidade (o que é difícil regulamentar por decreto) do lado dos técnicos do dono da obra e do empreiteiro. Cadernos de encargos "perfeitos" não existem. Tanto os autores da legislação sobre a contratação pública como os técnicos do Tribunal de contas não parece concordarem comigo, embora eu esteja ao dispor deles para debater o assunto, apesar de já me encontrar em pré-reforma.

    Os melhores cumprimentos

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